Coluna do Meio

22 de maio de 2018

Do Brasil para o Mundo: Princípios Ambientais Brasileiros devem ser seguidos em caráter internacional após documentos confeccionados no Fórum Mundial

 
 
 
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O Fórum Mundial da Água é o maior evento global sobre o tema, organizado a cada três anos pelo Conselho Mundial da Água, uma organização internacional que reúne interessados no assunto e tem como missão “promover a conscientização, construir compromissos políticos e provocar ações em temas críticos relacionados à água para facilitar a sua conservação, proteção, desenvolvimento, planejamento, gestão e uso eficiente, em todas as dimensões, com base na sustentabilidade ambiental, para o beneficio de toda a vida na terra”¹. Em 2014, a candidatura do Brasil foi selecionada e Brasília foi escolhida como cidade-sede do evento. Desse modo, o Brasil recebeu em março deste ano, a 8ª edição do Fórum, sendo a primeira vez que o evento ocorreu no Hemisfério Sul.
 
A conferência de Juízes e Promotores teve a participação de 83 juízes, promotores e especialistas de 57 países² e emitiu como documento final a “Carta de Brasília”, disponível apenas em inglês sob o nome “Brasília Declaration of Judges on Water Justice”³. No Subprocesso de Juízes e Promotores do Processo Político, o instituto global do Ministério Público, que reúne membros de Ministérios Públicos de diversas nações do mundo em torno de temas ligados à proteção dos recursos naturais elaborou a “Declaração do Ministério Público sobre o Direito à Água”⁴, que traz os mesmos princípios do documento de Brasília e foi assinada por nove países.
 
O interessante deste documento foi observar princípios já enraizados no direito ambiental brasileiro sendo externados para o mundo, de forma que a unificação se deu especialmente no que já é (ou deveria ser) aplicado atualmente no Brasil. Assim, através deste documento “os juízes” (the judges) se comprometeram a seguir dez princípios fundamentais para administrar a “justiça da água” (water justice) e adjudicar casos relacionados à utilização, manutenção e proteção de todos os recursos de água potável, acesso igualitário aos recursos hídricos e serviços sanitários, os impactos às atividades humanas no meio ambiente e a restauração dos serviços e funções ecológicas. 
 
O primeiro princípio determinou que o Estado deve sempre exercer a gestão sobre toda a água em seu território, protegendo-a em conjunto com sua função ecossistêmica em benefício das presentes e futuras gerações. Considera a água como bem público, impossibilitando sua privatização e exploração com finalidades meramente econômicas sem considerar os impactos ambientais.
 
Como segundo princípio, estabeleceu-se que devido à estreita ligação entre o ecossistema hídrico e a biodiversidade terrestre que a rodeia, qualquer interessado em usufruir de tais recursos, possui a obrigação de manter suas funções ecológicas e a integridade do ecossistema como um todo. A proteção aos recursos hídricos no documento sempre foi trazida de forma a abranger, também, seu respectivo ecossistema relacionado, tendo em vista que qualquer impacto causado no ambiente terrestre, impacta diretamente a água ali presente.
 
O terceiro princípio trata do acesso à água por indígenas, quilombolas, populações tradicionais e outras comunidades que dela dependem⁵. Primeiramente, respeitando o relacionamento desses povos com a água e obtendo seu consentimento quanto à qualquer atividade que afetar os recursos hídricos e seu respectivo ecossistema. Sugere-se também o desenvolvimento e implementação de mecanismos que facilitem à estes povos exercerem a conservação dos recursos hídricos.
 
O documento do Poder Judiciário também tratou do principio da precaução e da prevenção, diferenciando-os, conforme já faz o ordenamento brasileiro, e que não é muito utilizado no restante do mundo. O quarto princípio coloca que a prevenção aos danos futuros deve prevalecer à reparação de danos passados, levando em conta as melhores tecnologias disponíveis e práticas ambientais.
 
O quinto princípio determina a aplicação do princípio da precaução aos conflitos envolvendo recursos hídricos, mesmo com as incertezas ou complexidade científica em relação à existência ou extensão dos riscos de danos sérios ou irreversíveis à água, à saúde humana ou ao meio ambiente, os juízes devem apoiar ou ordenar a adoção das medidas de proteção necessárias, levando em conta as melhores evidências científicas disponíveis.
 
Outro princípio bastante presente no ordenamento brasileiro, o “in dubio pro natura” foi aplicado aos recursos hídricos no sexto princípio do documento, o “in dubio pro aqua”. Em caso de incerteza, as controvérsias envolvendo a água e o meio ambiente devem ser resolvidas e as leis interpretadas de forma a proteger e conservar os recursos hídricos e ecossistemas relacionados.
 
O princípio do “poluidor pagador” e “usuário pagador” também estão presentes no documento, abrangendo, inclusive, a internalização dos custos ambientais externos, de forma que tais fatores devem ser incluídos na avaliação e precificação dos recursos hídricos e seus serviços.
 
O princípio do poluidor pagador, dessa forma, implica a obrigação de suportar os custos de evitar ou corrigir qualquer dano que venha a ser causado ao meio ambiente aos responsáveis pela poluição da agua e degradação dos ecossistemas. Da mesma forma, o princípio do “usuário pagador” determina que aqueles que usam os recursos hídricos e seus serviços no comércio, indústria ou até mesmo uso doméstico, devem pagar preços ou encargos pelo seu fornecimento, sempre observando políticas públicas para aqueles que não podem pagar, garantindo o acesso igualitário aos recursos hídricos.
 
Por fim, o princípio sete prevê a obrigação propter rem, de forma que restaurar as condições ecológicas dos recursos hídricos e seus serviços ecossistêmicos são vinculativo para qualquer usuário do recurso e qualquer proprietário do local do recurso, sendo tal responsabilidade não terminada pela transferência do recurso, uso ou título para terceiro. Ou seja, se alguém comprar uma área danificada, possui a obrigação de reparar o dano ambiental, independente do dano ser anterior à compra.
 
O princípio oito reafirma a necessidade de um judiciário independente na defesa e aplicação do estado de direito, garantindo a transparência, prestação de contas e integridade na governança, bem como a existência de boas leis sobre a água e sua efetiva implementação e cumprimento. Tais práticas são essenciais para a proteção, conservação, proteção e uso sustentável dos recursos hídricos e ecossistemas relacionados.
 
Conforme o nono princípio, as considerações ambientais devem ser integradas na aplicação da “lei da água” e ao julgar casos relacionados à água, os juízes devem ficar atentos à conexão essencial e inseparável que a água tem com o meio ambiente e o uso da terra, devendo-se evitar julgar tais casos isoladamente ou meramente como uma questão setorial relacionada apenas à agua.
 
Neste mesmo sentido, o último princípio trata da Justiça Processual da Água, na qual os juízes devem esforça-se para alcançar o devido processo de justiça hídrica, garantindo que todas as pessoas tenham acesso adequado e acessível às informações sobre recursos hídricos e serviços mantidos pelas autoridades públicas. A oportunidade de participar de forma significativa em processos de tomada de decisão relacionados à agua e acesso efetivo aos processos judiciais e administrativos.
 
Tais declarações, entretanto, não representam um resultado negociado formalmente e não refletem, necessariamente, os pontos de vista de qualquer indivíduo, instituição, Estado ou País representado no Fórum, ou suas posições institucionais em todas as questões, e nem as opiniões de qualquer membro do Poder Judiciário Mundial ou do Instituto Global do Ministério Público (como bem encerram-se os documentos). Contudo, é inegável a importância de termos princípios já difundidos em nosso ordenamento sendo discutidos e levantados como aqueles que devem ser seguido para se manter a saúde ambiental e hídrica mundial, reforçando, principalmente, sua aplicação dentro do território pátrio, como diretriz nas resoluções de conflitos envolvendo tais recursos.
 
¹ http://www.worldwaterforum8.org/pt-br/8º-fórum-mundial-da-água-18-23-de-março-de-2018
² http://www3.ana.gov.br/portal/ANA/noticias/brasil-sedia-maior-edicao-do-forum-mundial-da-agua-e-cumpre-objetivos
³https://www.iucn.org/sites/dev/files/content/documents/brasilia_declaration_of_judges_on_water_justice_21_march_2018_final_as_approved.pdf
⁴ http://www.worldwaterforum8.org/en/file/3172/download?token=FFJO50mq
⁵ No texto, trata-se de “indigenus and tribal peoples and mountain and other peoples in wathersheds”, rezumindo-se para “comunidades tradicionais” devido à ampla aplicação do termo em nosso ordenamento.