Índios tupinambás tinham antídono para picada de escorpiões
Jean de Léry (1536-1613) – só para relembrar – acreditou na balela do poderoso Nicolas Durand de Villegaignon e embarcou em um dos navios franceses que vieram colonizar a porção Antártica da França. O relato que o artesão e futuro pastor calvinista deixou aos brasileiros é precioso. Nesta Parte 6, Jean de Léry conta que “as abelhas da América não se parecem com as nossas (europeias); antes se assemelham às pequenas moscas pretas que temos no estio e, principalmente, no tempo das uvas. Fazem seu mel e sua cera, produtos que os selvagens sabem aproveitar, em paus das florestas. Às colmeias, chamam os selvagens ‘ira-ictic’, de ‘ira’, mel e ‘ietic’, cera. (…) Acrescentarei ainda que sob as pedras encontram-se no Brasil escorpiões, os quais menores que o da Provença, são venenosos e mesmo mortais, como verifiquei.”
A PICADA DO ESCORPIÃO
“Costuma esse animal procurar os objetos claros e aconteceu que tendo eu mandado lavar a minha rede e estendê-la à moda dos selvagens, apareceu um escorpião que se ocultara em uma dobra. Ao deitar-me, sem o ter visto, enfiou-me o ferrão no dedo grande da mão esquerda e este inchou tão rapidamente que se não tivesse recorrido logo a um dos nossos boticários, que possuía alguns desses animais em conserva de azeite em uma garrafinha, o veneno se teria espalhado rapidamente por todo o corpo. Não obstante esse remédio, considerado o mais poderoso para o mal, fiquei em tal aflição durante vinte e quatro horas que não podia suportar a violência da dor. Os selvagens, quando mordidos, usam da mesma receita, isto é, matam o escorpião e o esmagam sobre a parte ofendida imediatamente”.
EXÍMIOS NADADORES
A índole dos indígenas e o pouco valor que dão aos bens materiais são reafirmados por Léry ao longo de seu depoimento: “Os selvagens, como já disse, são muito vingativos e se enfurecem contra tudo o que os ofende; se dão uma topada, mordem a pedra a dentadas como cães enraivecidos. Por isso perseguindo os animais daninhos libertam deles o país”.
“Cabe observar que na América tanto os homens como as mulheres sabem nadar e são capazes de ir buscar a caça ou a pesca dentro d’água como um cão. Também os meninos apenas começam a caminhar já se metem pelos rios e pelas praias, mergulhando como patinhos. Basta dizer que certo domingo pela manhã, quando passeávamos na plataforma de nosso fortim, vimos virar uma canoa que se dirigia para o nosso lado, com mais de trinta selvagens entre homens e meninos. Pressurosos fomos em socorro dos náufragos com um escaler, mas encontramos todos risonhos nadando. E disse-nos um deles: ‘Para onde ides tão apressados, mair?’ (assim chamam os franceses). ‘Vínhamos salvar-vos e tirar-vos da água’, respondemos. Mas o selvagem replicou: ‘Agradecemos a vossa boa vontade, mas pensáveis que por termos caído no mar estávamos em perigo de afogar-nos? Ora, sem tomar pé nem chegar à terra ficaríamos oito dias em cima d’água. Temos muito mais medo de sermos pegados por um peixe grande que nos puxe para o fundo do que de afogarmos’. E os demais selvagens que, todos, nadavam como verdadeiros peixes, advertidos pelo companheiro da causa de nossa vinda, puseram a zombar e tanto riam que nos davam a impressão de um bando de golfinhos a soprar e roncar em cima d’água. E com efeito, embora estivéssemos ainda a mais de um quarto de légua do forte, somente quatro ou cinco quiseram entrar no bote, assim mesmo mais para conversar que de temor. Verifiquei que os outros, nadando às vezes mais depressa do que o barco, não só o faziam galhardamente mas ainda sabiam descansar sobre as águas quando lhes aprazia. Quanto às redes de algodão, víveres e outros objetos que traziam na canoa, sua perda não os incomodava mais do que a nós a uma maçã; aliás afirmavam que em terra tinham outras coisas iguais”.
TROCA-TROCA DE FERRAMENTAS
Assim como nos Andes costumava-se dizer que os espanhóis, por terem trazido a tesoura, poderiam levar toda a prata que quisessem, Léry também registra como algumas ferramentas facilitaram a vida dos nativos: “Depois que os franceses começaram a traficar com o Brasil, os selvagens colheram vantagens das mercadorias que começaram a receber. Por isso louvam os traficantes; pois outrora eram obrigados a se servir de espinhas em vez de anzóis e agora gozam das vantagens dessa bela invenção que é o anzol de ferro. Daí terem os rapazes dessa terra aprendido a dizer aos estrangeiros que encontram: ‘de agorarem amabe pindá’, isto é, dá-me anzóis, pois ‘agotarem’ em seu idioma quer dizer bom, ‘amabe’ dá-me, e ‘pindá’ anzol. Se não dão o que pedem, (…) repete com insistência: ‘de angaipá ajucá’, isto é: tu não prestas, devemos matar-te.
Portanto, quem quiser ser amigo, tanto dos velhos como das crianças, nada deve negar-lhes. Verdade é que não são ingratos, principalmente os velhos, pois quando menos pensamos no obséquio, eles se lembram do donativo e o retribuem com qualquer coisa. Observei que os selvagens amam as pessoas alegres, galhofeiras e liberais, aborrecendo os taciturnos, ao avaros e os neurastênicos. Posso pois assegurar aos sovinas, e aos avarentos, aos que comem dentro da gaveta, que não serão bem-vindos entre os tupinambás, porquanto detestam tal espécie de gente”.
PRÓXIMA EDIÇÃO 291 – Julho de 2018 – JEAN DE LÉRY – Parte 7
VOLÚPIA DOS EUROPEUS PELO PAU-BRASIL – “Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu ‘arabutã’ (pau-brasil). Uma vez um velho perguntou-me: ‘Por que vindes vós outros, mairs e pêros (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra?’