Naturalistas Viajantes

Jean de Léry – Parte 7

3 de julho de 2018

A volúpia dos europeus Pelo pau-brasil

 

 

Jean de Léry (1536-1613) – só para relembrar – acreditou na balela do poderoso Nicolas Durand de Villegaignon e embarcou em um dos navios franceses que vieram colonizar a porção Antártica da França. O relato que o artesão e futuro pastor calvinista deixou aos brasileiros é precioso. Nesta Parte 7, Jean de Léry conta sobre as árvores e a volúpia dos europeus pelo pau-brasil.
 

 

 

Escreve Jean de Léry:

“Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu ‘arabutã’ (pau-brasil). Uma vez um velho perguntou-me: ‘Por que vindes vós outros, mairs e pêros (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra?’ Respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com seus cordões de algodão e suas plumas. Retrucou o velho imediatamente: ‘E porventura precisais de muito?’ – Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. ‘Ah’, retrucou o selvagem, ‘tu me contas maravilhas’, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: ‘Mas esse homem tão rico de que me falas não morre?’ – Sim, disse eu, morre como os outros. Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: ‘E quando morrem para quem fica o que deixam?’ – Para seus filhos, se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. – ‘Na verdade’, continuou o velho, que como vereis, não era nenhum tolo, ‘agora vejo que vós outros ‘maírs’ sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados’. (…) Os tupinambás, como já disse, odeiam mortalmente os avarentos e prouvera a Deus que estes fossem todos lançados entre os selvagens para serem atormentados como por demônios, já que só cuidam de sugar o sangue e a substância alheia. Era necessário que eu fizesse essa digressão, como vergonha nossa, a fim de justificar os selvagens pouco cuidadosos nas coisas deste mundo”.
 
 
EIS COMO LÉRY DESCREVE A BANANEIRA:
 
 
 
 
 
 
“A ‘pacoére’ é um arbusto que tem em geral de dez a doze pés de altura; o tronco, embora às vezes da grossura de uma coxa de homem é tão mole que com uma espada bem afiada pode ser cortado de um só golpe. O fruto, a que os selvagens chamam ‘pacó’, tem mais de meio pé de comprimento e se assemelha ao pepino, sendo como este amarelo, quando maduro. Crescem de vinte a vinte e cindo unidos em um só cacho e os nossos americanos colhem tantas pencas quantas podem carregar nas mãos para as suas casas. A fruta é boa; quando chega à maturidade tira-se-lhe a casca como o figo fresco e sendo gomosa como este parece que se saboreia um figo. Por essa razão nós franceses dávamos às pacovas o nome de figo; é verdade que são mais doces e mais saborosos do que os melhores figos de Marselha. Deve portanto a pacova figurar entre as frutas melhores e mais lindas do Brasil”.
 
 
ABACAXI OU ANANÁ
 
 
 
 
 
O abacaxi, que tanta impressão causou nos primeiros viajantes a ponto da palavra indígena ‘ananás’ ser adotada pelos franceses, é assim descrito: “Em primeiro lugar vou assinalar a planta que produz o fruto chamado ananá. Assemelha-se à espadana, tendo as folhas um pouco côncavas, estriadas nos bordos e muito parecidas com as dos aloés. Cresce em touceiras, como grandes cordas, e o fruto, do tamanho de um melão mediano e do feitio da pinha, sai da planta como as alcachofras, sem pender para os lados. Ao amadurecer torna-se amarelo azulado e rescende tão ativamente a framboesas que de longe o sentíamos nas matas onde cresce; é muito doce e o reputo o fruto mais saboroso da América”.
 
 
FUMO OU PETIN
 
 
 
 
 
 
Sobre o fumo, que os tupinambás chamavam ‘petin’, palavra que deu origem ao verbo ‘pitar’, assim se expressa nosso cronista: “A respeito das ervas medicinais encontráveis no Brasil, uma existe a que os nossos tupinambás chamam ‘petin’. Tem a forma da azedeira, embora seja um pouco maior, e folhas muito parecidas com as da consólida maior. Em vista das virtudes que lhes são atribuídas, goza essa erva de grande estima entre os selvagens; colhem-na e a preparam em pequenas porções que secam em casa. Tomam depois quatro ou cinco folhas que enrolam em uma palma como se fosse um cartucho de especiaria; chegam ao fogo a ponta mais fina, acendem e põem a outra na boca para tirar a fumaça que, apesar de solta de novo pela ventas e pela boca, os sustenta a ponto de passarem três ou quatro dias sem se alimentar, principalmente na guerra ou quando a necessidade os obriga à abstinência. (…) Enquanto conversam costumam sorver a fumaça, soltando-a pelas ventas e lábios como já disse, o que lembra um turíbulo. O cheiro não é desagradável. Não vi porém mulheres usá-la e não sei qual seja a razão disso mas direi que experimente a fumaça do ‘petin’ e verifiquei que ela sacia e mitiga a fome”. 
 
 
AMENDOIM E O PIMENTÃO
 
 
 
 
O amendoim e o pimentão são também componentes do cardápio nativo: “Os selvagens também possuem frutos chamados ‘manobi’. Crescem dentro da terra como as trufas, ligando-se entre si por meio de filamentos delgados. A vagem tem caroço do tamanho de uma avelã cujo sabor imita; é de cor parda e a casca tem a dureza da ervilha. Embora tenha comido muitas vezes esse fruto não posso dizer, por não ter observado e nem me recordar, se a planta tem folhas e pevides. Também existe em abundância o pimentão de que os nossos negociantes só se servem para a tinturaria. Os selvagens, entretanto o pilam com sal, que sabem fabricar retendo a água do mar em valos. A essa mistura chama ‘ionquet’ e a empregam como empregamos o sal; entretanto não salgam os alimentos, carne, peixe, etc., antes de pô-los na boca. Tomam primeiro o bocado e engolem em seguida uma pitada de ‘ionquet’ para dar sabor à comida”. 
 
 
 
PRÓXIMA EDIÇÃO PARTE 8
 
AS GUERRAS TRIBAIS E COMO TRATAM OS PRISIONEIROS
 
“Os selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns aos outros, porquanto sobejam terras para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se com os despojos dos vencidos ou o resgate dos prisioneiros. Nada disso os move. Confessam eles próprios serem impelidos por outro motivo; o de vingar pais e amigos presos e comidos, no passado. (…) E são tão encarniçados uns contra os outros que quem cai no poder do inimigo não pode esperar remissão”.