Coluna do Meio

Proteção da biodiversidade

18 de outubro de 2018

(In)eficácia na implementação de instrumentos de governança

 

 

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Governança pública engloba uma multiplicidade de significados, derivados de enfoques diferentes. É a forma que se tem de definir objetivos e metas coletivas, de ter coerência entre metas e políticas dos atores envolvidos e da capacidade para implementar os mesmos e avaliar as ações empreendidas e respectivas responsabilidades pelos resultados alcançados¹. 
 
O principal objetivo é analisar as ações governamentais que buscam implementar as políticas de conservação da biodiversidade, principalmente, as relacionadas à gestão das áreas protegidas, quais sejam as Unidades de Conservação (UC). Verificar se existem as condições normativas, institucionais e operacionais necessárias para que as mesmas alcancem seus objetivos, bem como identificar as fragilidades e oportunidades de melhorias para que seja possível uma gestão eficaz dessas unidades.²
 
O poder público institui territórios especialmente protegidos (ETEPs), como por exemplo, o caso das Unidades de Conservação (UC), sob regime especial de administração, com o objetivo de conservação, conforme previsto no Art. 2º inciso I da Lei 9.985/2000. Essas unidades são criadas e tem como principal finalidade, a proteção da biodiversidade, fazendo parte da estratégia mundial de conservação da biodiversidade, ratificada pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)³.
 
Com base no relatório de auditoria das áreas protegidas realizado no TCU, avaliou-se a contribuição efetiva das UCs para a redução da taxa anual de desmatamento e o benefício gerado na redução de emissão de gases de efeito estufa. Esses resultados positivos, melhoram a imagem do país a nível internacional e, assim, traz benefícios financeiros para o Brasil, por exemplo, no caso de redução de desmatamento, o país já se beneficia com recursos externos, de doações originadas do governo norueguês entregues ao Fundo Amazônia.Com base nos dados obtidos pelo relatório do TCU, entre os recursos, proveniente da Alemanha, Petrobras e Noruega, foram depositados em 2013, cerca de R$ 235 milhões e ainda não ingressados da ordem de R$ 1 bilhão.  A negociação no mercado internacional de créditos de carbono advindos da redução de emissão de dióxido de carbono, também se mostra uma boa possibilidade de ganho econômico⁴. 
 
No entanto, apesar dos benefícios acima, o TCU⁵ constatou que essas áreas protegidas não estão atingindo os resultados desejados. Elas estão com baixo aproveitamento do seu potencial econômico, social e ambiental.
 
A Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, estabeleceu as metas de Aichi⁶, sendo necessário que essas áreas protegidas sejam geridas de maneira efetiva. A meta 11 de Ainchi, está entre os compromissos pelo qual o Brasil se comprometeu, em que até 2020, deve destinar 17% do seu território continental e 10% de áreas marinhas e costeiras para o estabelecimento de áreas protegidas, as quais devem ser implementadas e geridas de maneira efetiva.⁷
 
A metodologia aplicada pelo TCU, foi a de Avaliação da Implementação e da Gestão de Áreas Protegidas (a Indimapa), criada para a auditoria das Unidades de Conservação (UCs) do bioma Amazônia. A Indimapa é uma ferramenta georreferenciada de avaliação, comunicação e monitoramento, que utiliza indicadores e índices, que avaliam as áreas protegidas em três níveis de implementação da sua gestão.⁸
 
Neste caso, são analisados os aspectos relacionados à insumos, à articulação e a resultados. Através do Indimapa⁹, verificou-se a ineficácia das políticas públicas direcionadas às unidades de conservação. Este dado, ocorre devido a fragilidade na governança e gestão que dificultam o uso público das áreas, as concessões florestais, o fomento às atividades extrativistas, bem como as atividades de pesquisa e monitoramento.¹⁰
 
Os fatores que comprometem a eficácia da implementação dessas áreas são vários, dentre eles: a insuficiência dos recursos humanos e financeiros. Fato este que dificulta a realização das principais atividades como a proteção, fiscalização e pesquisa.
 
Ao pesquisar as unidades de conservação no Brasil, segundo as informações disponibilizadas nos sites do ICMBio e IBAMA, verifica-se que a maioria dessas áreas protegidas não tem Plano de Manejo¹¹ aprovado, o que impede o devido uso dos recursos.
 
Nesses casos, o custo e a insuficiência do pessoal, são apontados pelos gestores do ICMBio como principal desafio a ser vencido para que se tenha mais planos de manejo aprovados. Quando falamos em custo, podemos exemplificar, na medida em que, a obtenção de informações e diagnostico da unidade é uma fase demorada e dispendiosa, pois envolve conhecimentos diversos, sendo uma fase multidisciplinar, com estudos em biologia, agronomia, geologia, entre outros, realizados por expedições de campo e, geralmente, são feitos por consultorias contratadas pelo órgão público responsável.¹²
 
Diante dessa situação orçamentária, visivelmente carente, que surge o conceito de “parques de papel”, que entram nas contagens oficiais de áreas protegidas e apesar de colaborarem na diminuição das taxas de desmatamento, não podem ser computados como áreas que têm uma efetiva conservação da biodiversidade.¹³
 
Existem sérios problemas de articulação entre os atores envolvidos na gestão das áreas protegidas, que são decorrentes de uma coordenação insuficiente, baixa cooperação e frágil comunicação. O objetivo de um sistema nacional de gestão é estabelecer um conjunto articulado e descentralizado de ações, integrando e harmonizando regras e práticas específicas que se contemplam.¹⁴
 
Conforme verificou o relatório do TCU¹⁵, temos ainda a pouca interação entre a União, os estados e os municípios o que traz prejuízos para a implementação dos mosaicos¹⁶ de unidades de conservação e dos corredores ecológicos.¹⁷
 
Espera-se que o aprimoramento na gestão das unidades de conservação, faça com que essas áreas passem a oferecer mais resultados positivos para a manutenção da biodiversidade e, uma vez bem geridas, contribuam para o desenvolvimento econômico através do turismo e da exploração florestal sustentável.¹⁸
 
Um sistema nacional demanda uma coordenação forte e consistente que, por meio de mecanismos institucionalizados, promova a articulação e a integração intragovernamental e intergovernamental de ações direcionadas à implementação de políticas públicas, incentivando a descentralização da gestão e da repartição de competências entre os diversos atores envolvidos.¹⁹
 
Portanto, é importante a fiscalização coordenada voltada para a proteção do meio ambiente, planejamento em conjunto dos atores envolvidos, intercâmbio de informações, que são instrumentos fundamentais para a eficácia na implementação de instrumentos de governança.
 
O presente tema, de grande relevância ambiental, fez parte de um trabalho realizado por mim e por alguns colegas do Grupo de Pesquisa de Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do UniCeub, apresentado no Congresso da IUCN, que ocorreu em Cebu, Filipinas, em 2017.
 
 
 
 
 
 
¹ TCU. Tribunal de Contas da União. Referencial para avaliação da governança do centro de governo. Brasília, 2016. p. 23.
 
² TCU. Tribunal de Contas da União. Áreas Protegidas, Auditoria Coordenada. Relatório de auditoria coordenada em áreas protegidas da América Latina. Disponível em: <https://uc.socioambiental.org/sites/uc.socioambiental.org/files/Relatório%20de%20Auditoria%20América%20Latina%20TCU%202015.pdf>. Acesso: abr. 2017.
 
³ Acordo multilateral firmado com o objetivo de reduzir a perda da biodiversidade em nível mundial. Essa convenção preceitua que o estabelecimento de um sistema de áreas protegida é medida fundamental para a conservação in situ e para combater a perda da biodiversidade. 
 
⁴ NARDES, João Augusto Ribeiro; ALTOUNIAN, Cláudio Sarian; VIEIRA, Luís Afonso Gomes. Governança Pública: o desafio do Brasil. Ed. Fórum. 2 ed.rev. e atual. Belo Horizonte, 2016, p. 344/345.
 
⁵ TCU. Tribunal de Contas da União. Áreas Protegidas, Auditoria Coordenada. Relatório de auditoria coordenada em áreas protegidas da América Latina. Disponível em: <https://uc.socioambiental.org/sites/uc.socioambiental.org/files/Relatório%20de%20Auditoria%20América%20Latina%20TCU%202015.pdf>. Acesso: abr. 2017.
 
⁶ Metas de Aichi, foram aprovadas no 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10) realizada na Província de Aichi, Japão, foi aprovado o Plano Estratégico de Biodiversidade para o período de 2011 a 2020. Denominadas de metas de aichi para a Biodiversidade, estas proposições são voltadas à redução de perda da biodiversidade em âmbito mundial. As partes da CDB, 193 países, incluindo o Brasil e a União Europeia, se comprometeram a trabalhar juntas. Disponível em: <http://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28727-o-que-sao-as-metas-de-aichi/>. Acesso em: abr, 2017.
 
⁷ Metas de Aichi. O que são as metas de Aichi. Por (o) eco. P. 24/10/2014. Disponível em: <http://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28727-o-que-sao-as-metas-de-aichi/>. Acesso em: abr. 2017.
 
⁸ TCU. Tribunal de Contas da União. Áreas Protegidas, Auditoria Coordenada. Relatório de auditoria coordenada em áreas protegidas da América Latina. Disponível em: <https://uc.socioambiental.org/sites/uc.socioambiental.org/files/Relatório%20de%20Auditoria%20América%20Latina%20TCU%202015.pdf>. Acesso: abr. 2017.
 
⁹ TCU. Tribunal de Contas da União.Auditoria Coordenada Áreas Protegidas. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/pls/apex/f?p=9577:32:143428475131402::NO::P32_ID_NOTICIA,P32_ID_CATEGORIA:95002,542>. Acesso em: abr. 2017.
 
¹⁰ NARDES, João Augusto Ribeiro; ALTOUNIAN, Cláudio Sarian; VIEIRA, Luís Afonso Gomes. Governança Pública: o desafio do Brasil. Ed. Fórum. 2 ed.rev. e atual. Belo Horizonte, 2016, p. 345.
 
¹¹ A equipe de auditoria do TCU, verificou que apenas 45 das 107 unidades de conservação federais do bioma Amazônia, dispõe do seu Plano de Manejo dos quais apenas 5 foram totalmente implementados.  Em muitos casos, temos um lapso temporal de mais de 10 anos, de criação de uma unidade de conservação, e mesmo transcorrido tanto tempo, permanecem sem plano de manejo.
 
¹² NARDES, João Augusto Ribeiro; ALTOUNIAN, Cláudio Sarian; VIEIRA, Luís Afonso Gomes. Governança Pública: o desafio do Brasil. Ed. Fórum. 2 ed.rev. e atual. Belo Horizonte, 2016, p. 345.
 
¹³ NURIT, Bensusan. Conservação da Biodiversidade: em áreas protegidas. Ed. FVG: Rio de Janeiro, 2006,pg. 50. 
 
¹⁴ NARDES, João Augusto Ribeiro; ALTOUNIAN, Cláudio Sarian; VIEIRA, Luís Afonso Gomes. Governança Pública: o desafio do Brasil. Ed. Fórum. 2 ed.rev. e atual. Belo Horizonte, 2016, p. 345.
 
¹⁵ TCU. Tribunal de Contas da União.Auditoria Coordenada Áreas Protegidas. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/pls/apex/f?p=9577:32:143428475131402::NO::P32_ID_NOTICIA,P32_ID_CATEGORIA:95002,542>. Acesso em: abr. 2017.
 
¹⁶ Ou seja, gestão integrada de UCs próximas, sobrepostas ou justapostas.
 
¹⁷ Instrumentos de gestão territorial que busca garantir a conexão entre UCs, a dispersão de espécies e recolonização de áreas degradadas. 
 
¹⁸ TCU. Tribunal de Contas da União. Áreas Protegidas, Auditoria Coordenada. Relatório de auditoria coordenada em áreas protegidas da América Latina. Disponível em: <https://uc.socioambiental.org/sites/uc.socioambiental.org/files/Relatório%20de%20Auditoria%20América%20
Latina%20TCU%202015.pdf>. Acesso: abr. 2017.
 
¹⁹ NARDES, João Augusto Ribeiro; ALTOUNIAN, Cláudio Sarian; VIEIRA, Luís Afonso Gomes. Governança Pública: o desafio do Brasil. Ed. Fórum. 2 ed.rev. e atual. Belo Horizonte, 2016, p. 345