NATURALISTA VIAJANTE

Casamento e a Poligamia entre os Indígenas – Parte 10

9 de outubro de 2018

      E a história de Jean de Léry (1536-1613) continua. Léry é aquele que entrou de gaiato no navio, ao acreditar na balela do poderoso Nicolas Durand de Villegaignon, embarcando em um dos navios franceses que vieram colonizar a porção Antártica da França. O relato que o artesão e futuro pastor calvinista deixou… Ver artigo

 

 

 

E a história de Jean de Léry (1536-1613) continua. Léry é aquele que entrou de gaiato no navio, ao acreditar na balela do poderoso Nicolas Durand de Villegaignon, embarcando em um dos navios franceses que vieram colonizar a porção Antártica da França. O relato que o artesão e futuro pastor calvinista deixou aos brasileiros é precioso. Nesta Parte 10, Jean de Léry conta como os índios promovem seus casamentos e as regras para conseguir uma esposa. Explica, também, como acontece a cerimônia matrimonial.
 
 
SOBRE O CASAMENTO E OS GRAUS DE PARENTESCO
 
“Devo dizer com relação ao casamento dos nossos americanos que eles observam tão somente três graus de parentesco; ninguém toma por esposa a própria mãe, a irmã ou filha, mas o tio casa com a sobrinha e em todos os demais graus de parentesco não existe impedimento. A cerimônia matrimonial é a seguinte: quem quer ter mulher, seja viúva ou donzela, indaga de sua vontade e em seguida dirige-se ao pai ou na falta deste, ao parente mais próximo, para pedi-la em casamento. Se lhe respondem afirmativamente leva consigo a noiva como legítima mulher sem que se lavre nenhum contrato. Se, porém recebe um não o pretendente desterra-se sem se sentir humilhado. (…) 
 
Note-se que sendo a poligamia permitida podem os homens ter quantas mulheres lhes apraz e quanto maior o número de esposas mais valentes são considerados, o que transforma, portanto o vício em virtude. Vi alguns com oito mulheres, cuja enumeração era feita com a intenção de homenageá-los. O que me parece admirável é que havendo sempre uma, entre elas, mais amada do marido, não se revoltem as outras e nem sequer demonstrem ciúmes; vivem em paz, ocupadas no arranjo das casas, em tecer redes, limpar a horta e plantar suas raízes. E deixo aos meus leitores considerarem se, ainda que não fosse proibido por Deus ter mais de uma mulher, se acomodariam as européias com esse regime matrimonial. Melhor seria condenar um homem às galés do que metê-lo no meio de tanta intriga e ciumeira”. 
 
É testemunha de um parto literalmente ao natural e observa a maneira de disfarçarem o sangramento das mocinhas, durante a menstruação: “Quanto ao parto, eis o que presenciei: Pernoitando com outro francês em uma aldeia, certa ocasião, ouvimos, quase à meia-noite, gritos de mulher, e pensamos que estivesse sendo atacada pelo jaguar, essa fera carniceira que descrevi. Acudimos imediatamente e verificamos que se tratava apenas de uma mulher em horas de parto. O pai recebeu a criança nos braços, depois de cortar com os dentes o cordão umbilical e amarrá-lo. Em seguida, continuando no seu ofício de parteira, esmagou com o polegar o nariz do filho como é de praxe entre os selvagens do país. (…) Apenas sai do ventre materno, é o menino bem lavado e pintado de preto e vermelho pelo pai, o qual sem enfaixá-lo, deita-o em uma rede de algodão. Se for macho, dá-lhe logo um pequenino tacape e um arco miúdo com flechas curtas de penas de papagaio; depois de colocar tudo isso junto do menino, beija-o risonho e diz: ‘Meu filho, quando cresceres serás destro nas armas, forte, valente e belicoso para te vingares dos teus inimigos’. (…) Tal como fazemos com nossos cachorros e outros animais, dão eles às crianças nomes de coisas ou bichos. (…) A alimentação da criança consiste em certas farinhas mastigadas e carnes tenras juntamente com o leite materno; a mãe fica de resguardo um dia ou dois; em seguida pendura o filho no pescoço por uma cinta de algodão e vai tratar da horta como de costume. (…) Acrescentarei, entretanto que embora as mulheres desse país não tenham fraldas para limpar o traseiro dos filhos e que nem sequer se sirvam de folhas de árvores, que possuem em abundância são tão caprichosas que com pauzinhos em forma de pequenas cavilhas os limpam com muito asseio; e tão bem o fazem que jamais os vereis emporcalhados. Já que estou a discorrer sobre essa matéria suja, direi ainda que os meninos selvagens, depois de crescidos, urinam em geral no meio das casas e se estas não exalam mau cheiro isso se deve ao fato de serem areadas e às fogueiras ou acendem por toda parte; quanto aos excrementos, costumam as crianças deitá-los longe das casas. (…) Permanecemos quase um ano nesse país, visitando amiúde os selvagens e suas aldeias, mas nunca percebemos nas mulheres sinais de menstruação. Penso que as afastam ou empregam modos de sangrar diversos das europeias, pois vi meninas de doze a quatorze anos cujas mães ou parentas as punham de pés juntos sobre uma pedra e com um dente afiado de animal lhes faziam incisões no corpo desde o sovaco até as coxas e os joelhos; e as raparigas, com grandes dores, sangravam assim por certo espaço de tempo. Creio que procedem deste modo desde o início para que não lhes vejam as impurezas”.
 
 
 
 
 
 
PRÓXIMA EDIÇÃO 296 – Novembro de 2018 – Parte 11
 
SOBRE OS DESENTENDIMENTOS PARTICULARES
 
“Se acontece brigarem dois indivíduos (o que é tão raro que durante a minha permanência de quase um ano entre eles só me foi dado presenciar duas vezes) não procuram os outros separá-los ou apaziguá-los; deixam-nos até furarem os olhos mutuamente sem dar palavra. Entretanto se um deles é ferido prendem o ofensor, que recebe dos parentes próximos do ofendido ofensa igual e no mesmo lugar do corpo; e ocorrendo morrer a vítima, os parentes do defunto tiram a vida ao assassino.”