Coluna do Meio
21 de novembro de 2018O Licenciamento Socioambiental: Possíveis Retrocessos e a Portaria Interministerial nº 60, 2015.
Para que serve o licenciamento ambiental? Por que um processo de licenciamento precisa demorar tanto? Este instrumento consegue cumprir o seu papel de antever os danos ambientais e evitar, compensar ou mitigá-los? As populações e comunidades impactadas podem ser beneficiadas pelo licenciamento ambiental e estariam incluídas na ideia de dano ambiental?
Estas são algumas perguntas constantemente feitas no tema ambiental mais controvertido do momento: o licenciamento ambiental. Os antropocentristas, assim como os desenvolvimentistas, veem o licenciamento ambiental como um entrave ao desenvolvimento brasileiro. Prova disso são algumas Propostas em trâmite no Congresso Nacional que visam reduzir prazos de análise ou inviabilizar a suspensão das licenças como maneira de tornar o licenciamento mais “efeito”.
A Proposta de Emenda da Constituição nº 65, de 2012 busca acrescentar o §7º ao art. 225 da Constituição Federal para assegurar a continuidade de uma obra pública após a concessão da licença ambiental, dispondo que a apresentação do estudo prévio de Impacto Ambiental importa autorização da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente. Porém, quais impactos práticos decorrentes da aprovação desta PEC?
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é um estudo técnico que leva em consideração o meio ambiente e aspectos socioeconômicos antes da realização de obras e da tomada de decisões. Serve como um instrumento de planejamento, uma vez que determina a melhor alternativa de localização da atividade e verifica a viabilidade ambiental, estabelecendo os principais impactos e suas respectivas medidas mitigadoras. Contudo, é público e notório que o estudo prévio não consegue abarcar todos os prejuízos decorrentes de um empreendimento, especialmente grandes obras como normalmente são as obras públicas.
A PEC já foi aprovada na CCJ do Senado em abril de 2016 e foi apelidada de “PEC da Samarco”, por ter sido proposta seis meses após a tragédia em Mariana, e não houve movimentação expressiva desde então.
O Projeto de Lei do Senado nº 654, de 2015, de autoria do Senador Sérgio Jucá, busca criar o licenciamento ambiental especial, procedimento administrativo específico destinado a licenciar empreendimentos de infraestrutura estratégicos. Em resumo, cria um “rito sumário” de cerca de oito meses, para o licenciamento ambiental de obras consideradas estratégicas para o governo.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA)¹, “o prazo estipulado pelo projeto torna inviável análises de impactos ambientais com profundidade e segurança necessárias, aumentando os riscos inerentes às grandes obras”.
No quesito socioambiental, a proposta não prevê a realização de audiências públicas, excluindo as comunidades atingidas por esses empreendimentos da oportunidade de conhecer suas consequências a apresentar reinvindicações. Além disso, o PL propõe que, caso algum órgão publico consultado sobre o licenciamento não se pronuncie nos prazos definidos, será considerado que ele dá seu aval ao empreendimento.
O PLS 654/2015 se encontra com o Relator, Senador Jorge Viana, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e faz parte da “Agenda Brasil”, conjunto de projetos propostos pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) para supostamente combater a crise econômica. O Ministério Público Federal (MPF) já elaborou um parecer que aponta inconstitucionalidade do PLS 654. Um manifesto contra o projeto também foi assinado por 135 organizações da sociedade civil e movimentos sociais. A Associação Brasileira de Avalição de Impacto Ambiental (ABAI) também elaborou uma nota contrária à proposta.
Outro texto bastante polêmico em tramitação no congresso é o chamado “lei geral de licenciamento”, PL 3729/2004, a qual, com pontos positivos e negativos, devido sua longa tramitação, sofreu diversas modificações, distorcendo totalmente o projeto inicial. O objetivo geral da nova lei seria “descomplicar” o licenciamento para atrair investidores que temem a paralização de suas obras já em andamento por alguma análise técnica minuciosa posterior, constatando uma lesão grave ao meio ambiente ou a uma comunidade que não pôde ser aferida anteriormente.²
O licenciamento ambiental é um processo que tem como objetivo a prevenção dos danos, uma vez que as condicionantes precisam ser pautadas em estudos prévios de impactos. Essas condicionantes, posteriormente, devem ser cumpridas pelo empreendedor, garantindo- se o desenvolvimento sustentável, o que exige o componente socioambiental. Porém, uma critica muito severa, e que embasa muito desse movimento de “flexibilização do licenciamento”, é que o empreendedor, por muitas vezes, assumiria uma responsabilidade além daquela referente ao empreendimento, realizando verdadeiras politicas públicas na forma de condicionantes socioambientais.
A fim de reduzir estes problemas, foi instituída a Portaria interministerial MMA-MS- MJ-MC nº 60, de 2015, no âmbito federal, que estabelece como encargo do Ibama avaliar se as exigências técnicas feitas pelos órgãos intervenientes guardam relação com os impactos da atividade em processo de licenciamento. O objetivo de se eleger o Ibama como órgão ambiental discricionário seria para garantir a visão holística e equilibrada da matriz de impactos, tornando o processo de licenciamento mais eficiente.
Essa Portaria, ao permitir a participação de diversos órgãos interessados, serve como referência para responder o problema das condicionantes socioambientais no processo de licenciamento. Isso porque o Ibama deve, no início do procedimento de licenciamento, solicitar informações do empreendedor sobre possíveis intervenções em “terra indígena, em terra quilombola, em bens culturais acautelados e em áreas ou regiões de risco ou endêmicas para malária”, sob pena de responsabilidade no caso de omissão ou intercidade dessas informações. Uma vez identificadas as necessidades nos estudos ambientais, os órgãos intervenientes teriam prazos céleres para resposta, devendo ser analisados pelo Ibama na qualidade de autoridade licenciadora e, caso este não reconheça relação entre a medida solicitada e o empreendimento, comunicará à direção máxima do órgão ou entidade envolvido para que justifique ou reconsidere sua manifestação no prazo de cinco dias consecutivos.
A proposta é, portanto, bastante equilibrada no sentido de considerar os aspectos socioeconômicos dentro do licenciamento ambiental enquanto componentes indispensáveis da avaliação de impactos, contudo, sem que fique a encargo do empreendedor a execução de uma politica publica propriamente dita.
O caráter dinâmico e variável do meio ambiente exige que o processo de licenciamento seja rápido e célere, a fim de que a mitigação dos impactos ambientais causados por um empreendimento seja alcançada. Dessa forma, além da complementação dos estudos ambientais ao longo do processo, devem ser fixadas, também, novas condicionantes, o que envolve o socioambiental, mas precisa ser organizado pelo órgão ambiental condutor do processo.
O licenciamento ambiental, mesmo com suas fragilidades tem se comportado como um instrumento importante porque consegue prever, mesmo que em parte, impactos futuros causados por um empreendimento ou atividade, sendo possível impor mitigações a fim de reduzi-los. Desse modo, ao se buscar celeridade e dinamicidade no licenciamento, o objetivo não deve ser simplesmente acelerar o processo, mas sim, garantir uma análise eficaz dos danos ambientais e conflitos sociais gerados pelo empreendimento, sem comprometer sua viabilidade. Este artigo espera ser um primeiro passo em uma discussão que precisa ser desenvolvida.
¹ Disponível em: <https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/projeto-que-aumenta-risco-de-impactos-e-desastres-ambientais-pode-ser-votado-no-plenario-do-senado>.
² Disponível em: <https://natcurvina.jusbrasil.com.br/artigos/479155609/a-in-desejada-lei-geral-de-licenciamento-ambiental>.