Amazônia
Como esforços na Amazônia brasileira estão salvando tartarugas da extinção
15 de novembro de 2018Pesquisa publicada na revista científica 'Nature Sustainability' aponta que, desde 1977, cerca de 70 mil filhotes de tartaruga conseguem nascem todos os anos por causa de programa de preservação e proteção tocado por ONGs e institutos de meio ambiente. Conhecida como tartaruga-da-amazônia, a 'Podocnemis expansa' tem sobrevivido: 70 mil filhos… Ver artigo
Pesquisa publicada na revista científica 'Nature Sustainability' aponta que, desde 1977, cerca de 70 mil filhotes de tartaruga conseguem nascem todos os anos por causa de programa de preservação e proteção tocado por ONGs e institutos de meio ambiente.
Conhecida como tartaruga-da-amazônia, a 'Podocnemis expansa' tem sobrevivido: 70 mil filhos nascem às margens do Rio Juruá — Foto: Camila Ferrara
Esforços comunitários e vigilância da população local, os ribeirinhos, contra caçadores estão permitindo que as praias fluviais da Amazônia voltem a ficar cheias de tartarugas.
No caso da Podocnemis expansa, gigante e sensível espécie chamada popularmente de tartaruga-da-amazônia, os números impressionam: de 1977 para cá, a cada ano são 70 mil filhotes a mais que conseguem nascer nas áreas monitoradas às margens do Rio Juruá, um importante afluente do Amazonas.
Comparado a 40 anos atrás, nove vezes mais tartarugas estão realizando a desova nas areias da região.
Os dados, resultados de uma pesquisa realizada pelas universidades inglesas de East Anglia e Anglia Ruskin e das federais brasileiras de Alagoas e do Amazonas, estão publicados na edição desta terça-feira do periódico científico "Nature Sustainability".
"Após declínios populacionais severos e de longo prazo causados pela superexploração histórica, as praias de nidificação de tartarugas, localmente conhecidas como tabuleiros, têm sido sistematicamente protegidas da captura de ovos e adultos por guardas informais das comunidades locais e, ao mesmo tempo, monitoradas com sucesso para a nidificação, especialmente para a Podocnemis expansa, espécie de alto valor e dependente da areia", ressaltam os pesquisadores, no artigo.
Além da tartaruga-da-amazônia, resultados positivos também foram observados em espécies como a tracajá (Podocnemis unifilis) e a pitiú (Podocnemis sextuberculata). E nem só quelônios têm sido recuperados. Graças aos trabalhos de conservação, populações do jacaré-açu (Melanosuchus niger), do boto (Inia geoffrensis), da iguana verde (Iguana iguana) e de muitas aves e peixes também estão sendo beneficiadas.
"Nossa pesquisa destaca o valioso serviço de conservação fornecido pelas comunidades locais não apenas para as tartarugas, mas para o ecossistema mais amplo. Reconhecer a importância desse trabalho nos mostra o potencial para ações de conservações eficazes, mesmo fora de áreas formalmente protegidas", afirma o pesquisador Joseph Hawes, da Universidade Anglia Ruskin.
Recuperação
O estudo mostra que, atualmente, há cerca de 2 mil ninhos de tartarugas nas praias, às margens do Juruá, protegidas pelas comunidades locais. Destes, anualmente, apenas 2% são atacados por caçadores. Em outras praias analisadas, caçadores violam e coletam ovos de 99% dos ninhos.
No caso da tartaruga-da-amazônia, a população passou a ter uma quantidade consistente de exemplares sobretudo nos últimos 15 anos. No mesmo período, de acordo com os pesquisadores, 19 praias não protegidas foram reportadas como sendo locais de declínio de espécimes de tartaruga.
Quanto aos ninhos recentemente verificados pelos pesquisadores, foram encontrados 584 da tartaruga-da-amazônia nas praias protegidas e apenas 10 nas não participantes do projeto de conservação. Das outras espécies de tartarugas, foram 786 contra 161.
Estudo aponta cerca de 2.000 ninhos de tartaruga nas praias às margens do rio Juruá, na Amazônia — Foto: Camila Ferrara
Caça predatória
Tartarugas são historicamente alvo de caçadores na região amazônica, principalmente por conta do consumo da carne e dos ovos.
A legislação ambiental brasileira protege esses animais desde 1967, mas a fiscalização governamental nunca foi eficiente. Nos anos 1970, quando esses projetos comunitários foram iniciados, as populações de tartarugas apresentavam níveis alarmantes na região.
"Ao incluir moradores locais nas práticas de conservação, podemos aumentar a efetividade dos resultados de conservação e melhorar o bem-estar local", acredita o cientista João Campos-Silva, do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Alagoas, um dos autores da pesquisa.
O rio Juruá nasce no Peru e deságua na região em que o Amazonas é mais conhecido como Solimões. Tem 3 mil quilômetros e é muito sinuoso. Os pesquisadores analisaram um trecho 1,5 mil quilômetros. O programa de proteção de praias ao longo do Juruá faz parte do maior esforço de conservação de base comunitária da Amazônia.
As praias são protegidas por vigilantes locais 24h por dia durante toda a época reprodutiva das tartarugas – cinco meses por ano.
"Nosso estudo demonstra claramente a eficácia do empoderamento de ações de gestão local em locais de conservação", afirma o professor Carlos Peres, da Escola de Ciências Ambientais da Universidade de East Anglia, um dos autores do trabalho. "Praias protegidas por comunidades locais se transformam em ilhas barulhentas de alta biodiversidade cercadas por praias desprotegidas e sem vida, vazias e silenciosas", compara.
"Delegar a um punhado de funcionários do governo, geralmente residentes em centros urbanos, a proteção de 5 milhões de quilômetros quadrados de rios e florestas amazônicas é, na melhor das hipóteses, uma batalha perdida", compara Peres. Ele diz acreditar que as evidências do presente estudo ajudem a convencer as esferas governamentais a subsidiar cada vez mais programas comunitários de preservação – segundo o professor, "fundamentais para o sucesso da restauração ecológica".
"Acionadas e subsidiadas, essas poderosas alianças 'ganha-ganha' com comunidades locais podem garantir o bem-estar delas e manter a vigilância coletiva em busca da integridade da maior região tropical do mundo", completa.
Os projetos que hoje funcionam na Amazônia são organizados por ONGs e pela autarquia federal Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Os ribeirinhos participantes recebem ajuda de custo, na forma de cestas básicas, para atuar na conservação.
De acordo com os acadêmicos, que entrevistaram 40 participantes do projeto, a ajuda atual é de uma cesta básica por mês. O que, considerando os cinco meses do programa, equivale a US$ 110 por vigilante. Os pesquisadores calculam que, portanto, nos últimos cinco anos, cada filhote de tartaruga brasileira custou apenas 3 centavos de dólar ao governo e às instituições parceiras de projetos assim.
A região do Médio Juruá também é atendida pelo programa governamental Bolsa Verde, instituído pelo governo de Dilma Rousseff em 2011. Os participantes devem promover atividades de conservação ambiental para ganharem R$ 300 a cada três meses.