Naturalistas Viajantes

‘Marapê-Dererê, Marapê-Dererê’ (Como te chamas?)

3 de dezembro de 2018

JEAN DE LÉRY FAZ A PRIMEIRA VISITA AOS TUBINAMBÁS (Parte 12)

 

 

Estamos na Parte 12 dessa viagem espetacular sobre o início da História do Brasil, num relato impressionante de Jean de Léry (1536-1613). Léry é aquele que entrou de gaiato no navio, ao acreditar na balela do poderoso Nicolas Durand de Villegaignon, embarcando em um dos navios franceses que vieram colonizar a porção Antártica da França. O relato que o artesão e futuro pastor calvinista deixou aos brasileiros é precioso. Nesta Parte 12, Jean de Léry conta sobre sua visita aos índios pela primeira vez três semanas depois de sua chegada à ilha de Villegaignon.
 
 
RESUMO GERAL
 
Estamos na Parte 12. Acho que o leitor gostaria de ter um resumo das onze partes anteriores, se bem que pode buscar no site Folha esta história de Jean de Léry e de vários outros Naturalistas Viajantes.  O relato que o artesão e futuro pastor calvinista deixou aos brasileiros é precioso e deveria ser leitura obrigatória em nossas escolas.
 
 
PARTE 1 – ABERTURA (Edição 285 – Janeiro de 2018) – Lévi-Strauss explica: “A leitura de Jean Léry me ajuda a escapar de meu século, a retomar contato com o que eu chamaria de ‘sobre-realidade’, não aquele de que falam os surrealistas, mas uma realidade ainda mais real do que aquela que testemunhei. Léry viu coisas que não têm preço, porque era a primeira vez que eram vistas e porque foi a quatrocentos anos”.
 
PARTE 2 (Edição 286 – Fevereiro de 2018) – Jean Léry aporta pela primeira vez ao norte de Espírito Santo no final de fevereiro de 1557 e tem a oportunidade de observar de perto os índios, durante um escambo.
 
PARTE 3 (Edição 287 – Março de 2018) – Léry observa e anota o que permanecerá por séculos como documento raro do reencontro de seres humanos, separados há 40 mil anos, desde que deixaram a África para dominar o planeta. 
 
PARTE 4 (Edição 289 – Abril de 2018) – O incômodo que as mulheres nativas demonstram em cobrir o corpo talvez seja a gênese da tendência moderna dos exíguos acessórios indumentários femininos praticados no Rio de Janeiro:
 
PARTE 5 (Edição 290 – Maio de 2018) – Léry explica como os índios fazem o avati, a bebida do milho. São as mulheres que preparam, mastigando as raízes ou o milho.
 
PARTE 6 (Edição 291 – Junho de 2018) – Jean de Léry conta que “as abelhas da América não se parecem com as europeias. Antes se assemelham às pequenas moscas pretas que temos no tempo das uvas. 
 
PARTE 7 (Edição 292 – Julho de 2018) VOLÚPIA DOS EUROPEUS PELO PAU-BRASIL – Os tupinambás admiram porque os estrangeiros se dão ao trabalho de vir buscar o seu ‘arabutã’ (pau-brasil).
 
PARTE 8 (Edição 293 – Agosto de 2018) – AS GUERRAS TRIBAIS E COMO TRATAM OS PRISIONEIROS – “Quem cai no poder do inimigo não pode esperar remissão”.
 
PARTE 9 (Edição 294 – Setembro de 2018) – A festa canibalesca entre os Tupinambás. Move-os a vingança. Para satisfazer o seu sentimento de ódio, devoram tudo do prisioneiro.
 
PARTE 10 (EDIÇÃO 295 – Outubro de 2018) SOBRE O CASAMENTO E A POLIGAMIA ENTRE OS INDÍGENAS. Como os índios promovem seus casamentos e as regras para conseguir uma esposa e como acontece a cerimônia matrimonial.
 
PARTE 11 (EDIÇÃO 296 – Novembro de 2018) COMO RESOLVER DESENTENDIMENTOS. Entre os índios é vida por vida, olho por olho e dente por dente.
 
 
 
 
 
 
VISITA A ALDEIAS NO CONTINENTE
 
Pela primeira vez os indígenas conhecem alguém com nome de gente: “Os nossos tupinambás recebem com muita cordialidade os estrangeiros que os vão visitar; como estes, porém nãos entendem a língua, ficam a princípio meio esquerdos entre eles. Visitei esses selvagens pela primeira vez três semanas depois de nossa chegada à ilha de Villegaignon e fui em companhia de um intérprete a três ou quatro aldeias do continente. Visitamos em primeiro lugar a aldeia de Jaburaci, chamada pelos franceses de Pépin por causa de um navio que ali carregara outrora e cujo mestre tinha esse nome. Essa aldeia distava apenas duas léguas de nossa fortaleza e quando ali entrei vi-me logo rodeado por inúmeros selvagens que me perguntavam: ‘Marapê-dererê, marapê-dererê’, isto é, ‘como te chamas?’. Mas eu entendia isso como entendo grego e fiquei na mesma. Um deles tomou então o meu chapéu e o pôs na cabeça; outro pegou na minha espada e cinto e os cingiu; outro tirou-me o casão e o vestiu; e todos me aturdiam com seus gritos enquanto corriam pela aldeia com os meus trajes e no meio dessa confusão eu já nem sabia onde me encontrava. Meu enleio provinha entretanto de ignorar que assim fazem com todos os estrangeiros , o que pude verificar posteriormente, sobretudo com aqueles a que nunca viram. Mas depois de se divertirem bastante com os objetos alheios eles os restituem a seus donos.
 
 
 
 
 
 
 
OS ÍNDIOS QUERIAM SABER MEU NOME
 
O intérprete me avisara de que os selvagens iriam principalmente querer saber o meu nome. Dizer-lhes que me chamava Pedro, Guilherme ou João parecia-me inútil, pois não conseguiriam reter o nome na memória nem pronunciá-lo corretamente; e assim de fato ocorreu quando trocaram o ‘Jean’ por ‘Nian’. Fazia-se necessário, portanto dar um nome que eles conhecessem e como ‘Léry’ em sua língua quer dizer ostra, disse chamar-me ‘Léryy-açu’, isto é, ‘Ostra Grande’. 
 
Mostraram-se os selvagens muito satisfeitos, rindo-se entre exclamações e dizendo: ‘Em verdade eis um bonito nome e ainda não vimos nenhum ‘mair’ com nome igual’. Posso garantir que nunca Circe metamorfoseou em homem tão linda ostra e que Ulisses não discreteou com ela mais sutilmente do que eu fiz com os selvagens desde então. E note-se que os selvagens têm tão boa memória que nunca mais esquecem o nome dado nem que fiquem cem anos sem rever a pessoa”.
 
 
PRÓXIMA EDIÇÃO 298 – Janeiro de 2019 – Parte 13
 
Jéan de Lery conta uma experiência estarrecedora. Diz ele: “Ao chegarmos (o intérprete e eu) na aldeia dos Tupinambás, pouco antes do pôr do sol, encontramos os selvagens dançando e bebendo cauim em homenagem a um prisioneiro morto seis horas antes e cujos restos ainda pudemos ver no moquém. Naturalmente fiquei estarrecido diante de semelhante tragédia”. Explica Léry que o intérprete foi tomar cauim com os índios e o deixou sem instruções. “Com a bulha que faziam os selvagens dançando e assobiando e festejando a matança do prisioneiro não me foi possível dormir; eis que de repente um dos convivas traz-me na mão um pé assado e moqueado da vítima e se aproxima de mim perguntando se desejava comer…”