Coluna do Meio

2 de janeiro de 2019

A importância ambiental da região do Delta do Parnaíba: E o Conhecimento tradicional local

 

 

Primeiramente, vale salientar que o município de Ilha Grande, região do Delta do rio Parnaíba, localizado no território piauiense, é conhecido como um importante polo de confecção da renda de bilro, um artesanato tradicional.
 
A Casa das Rendeiras, por exemplo, importante polo de conhecimento tradicional, localiza-se nos Morros da Mariana, no município de Ilha Grande, no estado do Piauí, Brasil, na região do Delta do Parnaíba. Antes de adentrarmos, ao estudo referente ao conhecimento tradicional, no caso, a renda de bilro, e a importância da sua valorização como meio sustentável e como patrimônio cultural do nosso país, precisamos saber um pouco sobre a importância ambiental que possui a região. 
 
A mesma detém grande valor ambiental e econômico para o Brasil e o mundo, uma vez que é uma importante área da zona costeira brasileira por formar o único delta em mar aberto das Américas, com mais de 75 ilhas e por ser um santuário de reprodução de diversas espécies de peixes, caranguejos, lagostas e camarões¹.
 
 
 
Figura: 1.1: Localização APA Delta do Parnaíba

Fonte: Imagem disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/visitacao1/unidades-abertas-a-visitacao/9411-area-de-protecao-ambiental-delta-do-parnaiba  Acesso em: 13 agosto 2018

 
 
Ademais, quando falamos em conhecimento tradicional estamos também nos referindo a populações tradicionais ou comunidade locais, que por sua vez, encontram-se, quase sempre, no Brasil, em áreas isoladas, remotas, de difícil acesso e carentes de educação, de acesso à tecnologia, de saúde, meios de transporte e oportunidade de negócios. Ou seja, são comunidades que residem em áreas que, no geral, estão inseridas em espaços territoriais especialmente protegidos (ETEPs).
 
A primeira coisa que associamos ao falarmos de conhecimento tradicional, é, então, a ideia de um conhecimento que determinada comunidade detêm/possui, passada de geração em geração, tornando-se artesões que utilizam de recursos florestais locais ou recursos da sua região para realizar seu trabalho e sobreviverem desta renda. Todo o material que eles necessitam, encontram-se na sua região, desta forma, eles não precisam sair do seu local de origem e podem ser incluídos na proteção e conservação ambiental local.  Nurit Bensusan² defende a tese de que o melhor caminho é adotar uma estratégia de aproximação e formar alianças com as populações, em prol do desenvolvimento sustentável de uma região e, assim, alcançarmos êxito na problemática que é a busca pela eficácia das unidades de conservação. 
 
O município de Ilha Grande está inserido dentro dos limites da Área de Proteção Ambiental (APA) Delta do Parnaíba³. Trata-se de uma unidade de conservação aonde a população pode usar de modo controlado o ambiente e a área tem grande importância ambiental por proteger os deltas dos rios Parnaíba, Timonha e Ubatuba, com sua fauna, flora e complexo dunar, e econômica já que tem por objetivo a proteção dos remanescentes de mata aluvial, dos recursos hídricos, a melhoraria da qualidade de vida das populações residentes, mediante orientação e disciplina das atividades econômicas locais, a fomentação do turismo ecológico e educação ambiental, com a preservação das culturas e tradições locais⁴.
 
Quanto à exploração de atividades econômicas, tem-se que a APA abrange quase a totalidade do litoral do Estado do Piauí, abarcando municípios que têm como principal atividade econômicas o turismo, com complexos hoteleiros e instalação de usinas eólicas e carcinicultura, já implantadas⁵, bem como o artesanato que atrai muitos turistas (estilistas de todo o mundo, comerciantes da indústria da moda) à região pela sua famosa renda de bilro. 
 
Porém, observamos, que a unidade de conservação indica carência na sua  infraestrutura no tocante a benfeitorias, meio de transporte e atendimento de emergência, havendo deficiência de informação no Cadastro acerca dos fatores bióticos e abióticos da UC, bem assim da situação fundiária da Unidade, que por se encontrar em linha de praia abrange terras da União, dos municípios envolvidos, Estado e particulares⁶. Esta carência impacta a comunidade em diversas formas.
 
Verifica-se pelo Plano de Gerenciamento da APA do Delta, que a unidade se localiza na integralidade em ambiente litorâneo, estando afetada pelo plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, instituído pela Lei 7661/88, documento no qual chama atenção a relevância ambiental do ecossistema e a sua fragilidade⁷, constando do decreto de criação da unidade, notadamente do seu artigo 5º as atividades proibidas e /ou restringidas na APA⁸.
 
Além da APA, temos uma Reserva Extrativista Marinha, que insere também o município de Ilha Grande,  entre as cidades de Araioses (MA) e Ilha Grande (PI), numa área total de 27 mil há, destinada a controlar pesca do caranguejo, principal atividade extrativista praticada nos mangues do Delta.⁹A reserva extrativista Marinha do Delta do Parnaíba foi criada pelo Decreto s/n de 16 de novembro de 2000 e encontra-se inserida dentro da APA do Delta.
 
Nada obstante a importância ecológica da área, a APA não detém o necessário Plano de Manejo, o que vem causando sérios problemas quando do licenciamento de atividades em sua área, de grande extensão territorial e potencial econômico.¹⁰ Observa-se, esses problemas não só em face da unidade ter sido criada em 1996, portanto há quase vinte anos, ultrapassado em muito o prazo fixado no art. 27,§3º da Lei 9.985/2000, mas porque a ausência de um documento orientador das várias atividades que disputam espaço na APA é  essencial para a proteção do meio ambiente e  desenvolvimento sustentado da área, omissão que vem sendo parcialmente suprida pela comunidade e pela atuação de ONGs ambientais. Esta situação é muito comum nas unidades de conservação brasileira, que passam por sérios desafios de implementação¹¹.
 
Com o desenvolvimento e a valorização desse trabalho das rendeiras, o município e o governo do Estado,  em conjunto com a ajuda de algumas ONGs entre outros, vislumbrando o turismo e o giro da economia local, em 2009 inauguraram a sede própria para a Casa das Rendeiras, com um acervo e catalogação de rendas realizadas, bem como o Museu das Rendas de Bilro, e, sucessivamente, vendo a necessidade de ampliar e melhorar a infraestrutura, construíram estacionamento e uma lanchonete. A valorização é importante para ambos, tanto para o município que vê seu desenvolvimento ocorrer quanto para a comunidade local que tem mais oportunidades profissionais e aumenta sua renda familiar.¹² O desenvolvimento da produção artesanal e do design, incrementa a percepção consciente a respeito do produto brasileiro bem como promove sua produção cultural e media processos culturais, incentiva a pesquisa e a troca de informações entre diversas instituições¹³.
 
Outrossim, a região do Delta possuí projetos de pesquisas e de educação ambiental em busca de desenvolver a  sustentabilidade, patrocinados pela Petrobrás através do programa Socioambiental, tais como: a “Pesca Solidária”, que se utiliza de diversas formas lúdicas para apresentar a biodiversidade da APA à comunidade, bem como,  o projeto “Biomade” no qual as artesãs (as rendeiras) participaram de oficinas de designer. A ideia era que os moldes dos animais marinhos encontrados na APA Delta do Parnaíba, ganhassem formas nas mãos das rendeiras. Ou seja, Cavalo-marinho, tartaruga marinha, peixe-boi, golfinho viraram aplicações para peças diversas.¹⁴ Uma forma divertida de envolver a comunidade para estimular a mensagem da conservação pelo artesanato local, confeccionado na renda de bilro, e de profissionalizar ainda mais as rendeiras locais. 
 
A solução para a conservação não está somente na proteção de espaços limitados, mas também na ideia de que a biodiversidade envolve os espaços territoriais, a fauna, a flora, e as populações que habitam as imediações desses espaços e as que se beneficiam de seus serviços ambientais¹⁵.
 
FRANCO, Márcia; Leuzinger, Márcia (org). Áreas de Proteção Ambiental do Brasil. UNICEUB. Biblioteca central. Brasília. 2018.
 
BENSUSAN, Nurit. Conservação da Biodiversidade, em áreas protegidas. Ed: FVG. Rio de Janeiro. Brazil. 2006
 
ICMBIO. Plano de gestão e diagnóstico geo-ambiental e socioeconômico da APA do Delta do Parnaíba, p. 22. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/docs-planos-de manejo/pm_apa_delta_parnaiba.pdf. Acesso em: 13 agosto 2018.
 
MMA. Cadastro nacional de unidade de conservação- CNUC. Relatório Parametrizado – Unidade de Conservação.  Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba. Disponível em:http://sistemas.mma.gov.br/cnuc/index.php?ido=relatorioparametrizado.exibeRelatorio&relatorioPadrao=true&idUc=19
 
BRITO, Moraes. Viagens e turismo.: Delta do Parnaíba. Disponível em: http://deltarioparnaiba.com.br/delta-parnaiba-historia/ Acesso em: 13 agosto 2018. 
 
VOZ DE ILHA GANDE. .Biomade realiza capacitação para rendeiras do Delta do Parnaíba. Edição do Jornal do Parnaíba. Pub: 18/12/2014. Disponível em: http://vozdeilhagrande.blogspot.com/2014/12/biomade-realiza-capacitacao-para.html Acesso em: 13 agosto 2018
 
PROPARNAÍBA. Projeto Cultura e Renda: preservação e difusão da renda de bilro. Pub:10/07/2009. Disponível em: http://www.proparnaiba.com/emfoco/projeto-cultura-e-renda-preservacao-e-difusao-da-renda-de-bilro.html Acesso em: 13 agosto 2018.
 
 
 

 

 

¹ICMBIO.  Plano de gestão e diagnóstico geo-ambiental e socioeconômico da APA do Delta do Parnaíba. p. 22. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/docs-planos-de manejo/pm_apa_delta_parnaiba.pdf. Acesso em 11 agosto 2018.
 
²BENSUSAN, Nurit. Conservação da Biodiversidade: em áreas protegidas. Editora: FGV. Rio de Janeiro. 1ª ed: 2006. Pg. 27.
 
³A unidade foi criada pelo Decreto nº s/n , de 28 de agosto de 1996, visando a proteção do bioma cerrado bem assim o delta dos rios Parnaíba, Timonha e Ubatuba  ,   detendo 3.075,9050 km² de extensão. A área está situada nos Estados do Piauí, Ceará e Maranhão, abrangendo os municípios de Araioses/MA; Barroquinha/CE; Cajueiro da Praia/PI; Chaval/CE; Ilha Grande/PI; Luis Correia/PI; Parnaíba /PI, Paulino Neves/MA; Tutóia/MA e Água Doce do Maranhão/MA.
 
FRANCO, Márcia; Leuzinger, Márcia (org) e outros.  Em Áreas de Proteção Ambiental do Brasil. UNICEUB. Biblioteca central.   Brasília. 2018.
 
FRANCO, Márcia; Leuzinger, Márcia (org) e outros.  Em Áreas de Proteção Ambiental do Brasil. UNICEUB. Biblioteca central.   Brasília. 2018.
 
MMA. CNCU. Cadastro nacional de unidade de conservação- CNUC. Relatório Parametrizado – Unidade de Conservação.  Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba . Disponível em:http://sistemas.mma.gov.br/cnuc/index.php?ido=relatorioparametrizado.exibeRelatorio&relatorioPadrao=true&idUc=19. Acesso em: 13 agosto 2018. 
 
ICMBIO. Plano de gestão e diagnóstico geo-ambiental e socioeconômico da APA do Delta do Parnaíba, p. 22. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/docs-planos-de manejo/pm_apa_delta_parnaiba.pdf. Acesso em: 13 agosto 2018. 
 
“Art. 5° Ficam proibidas ou restringidas na APA Delta do Parnaíba, entre outras, as seguintes atividades: I – implantação de atividades salineiras e industriais potencialmente poluidoras, que impliquem danos ao meio ambiente e afetem os mananciais de água; II – implantação de projetos de urbanização, realização de obras de terraplenagem, abertura de estradas e de canais e a prática de atividades agrícolas, quando essas iniciativas importarem em alteração das condições ecológicas locais, principalmente das zonas de vida silvestre; III – exercício de atividades capazes de provocar erosão ou assoreamento das coleções hídricas; IV – exercicio de atividades que impliquem matança, captura ou molestamento de espécies raras da biota regional, principalmente do Peixe-boi-marinho; V – uso de biocidas e fertilizantes, quando indiscriminados ou em desacordo com as normas ou recomendações técnicas oficiais; VI – despejo, no mar, nos manguezais e nos cursos d'água abrangidos pela APA, de efluentes, resíduos ou detritos, capazes de provocar danos ao meio ambiente; VII – retirada de areia e material rochoso nos terrenos de marinha e acrescidos, que implique alterações das condições ecológicas locais. “
 
BRITO, Moraes. Viagens e Turismo: Delta do Parnaíba. Disponível em: http://deltarioparnaiba.com.br/delta-parnaiba-historia/ Acesso em: 13 agosto 2018.
 
¹FRANCO, Márcia; Leuzinger, Márcia (org) e outros.  Em Áreas de Proteção Ambiental do Brasil. UNICEUB. Biblioteca central.   Brasília. 2018.
 
¹¹FRANCO, Márcia; Leuzinger, Márcia (org) e outros.  Em Áreas de Proteção Ambiental do Brasil. UNICEUB. Biblioteca central.   Brasília. 2018.
 
¹²PROPARNAÍBA. Projeto Cultura e Renda: preservação e difusão da renda de bilro. Pub:10/07/2009. Disponível em: http://www.proparnaiba.com/emfoco/projeto-cultura-e-renda-preservacao-e-difusao-da-renda-de-bilro.html Acesso em: 13 agosto 2018. 
 
¹³VOZ DE ILHA GANDE. .Biomade realiza capacitação para rendeiras do Delta do Parnaíba. Edição do Jornal do Parnaíba. Publicado em  18/12/2014. Disponível em: http://vozdeilhagrande.blogspot.com/2014/12/biomade-realiza-capacitacao-para.html Acesso em: 13 agosto 2018
 
¹VOZ DE ILHA GANDE. Biomade realiza capacitação para rendeiras do Delta do Parnaíba. Edição do Jornal do Parnaíba. Publicado em  18/12/2014. Disponível em: http://vozdeilhagrande.blogspot.com/2014/12/biomade-realiza-capacitacao-para.html Acesso em: 13 agosto 2018
 
¹BENSUSAN, Nurit. Conservação da Biodiversidade: em áreas protegidas. Editora: FGV. Rio de Janeiro. 1ª ed: 2006. Pg. 139
 

 

 

 

 

 

 

 

¹²³