FUNDÃO DE BRUMADINHO

A TRAGÉDICA ANUNCIADA

4 de fevereiro de 2019

O saldo até o décimo dia de busca em Brumadinho – 121 mortos, 107 deles identificados, e 212 desaparecidos – é de sofrimento, aflição, angústia, consternação e medo.

 

 

Precisamente às 12h40m do dia 5 de janeiro, a barragem da Mina do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, se rompeu. Era mais uma tragédia anunciada. Após o estrondo do rompimento da barragem, um mar de lama varreu mais de 300 pessoas, casas, pousadas, plantações, riachos e o belo vale verde de outrora. Mais de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos invadiram terras, bem feitorias e o coração de cada brasileiro. Uma tragédia! Funcionários da mineradora VALE estavam no refeitório no momento do acidente. Turistas ocupavam pousadas. Ônibus e carros transitavam e foram engolidos pelo inferno de lama. Animais pastavam tranquilamente e se viram, de repente, engolidos pelo lamaçal. E o número de mortos se acumula conforme avançam os trabalhos das equipes de resgate. O raio da displicência, da negligência, da omissão e das promessas não cumpridas caiu pela segunda vez em Minas Gerais. Mariana e Brumadinho choram uma destruição de vidas e de bens materiais que podiam ser evitadas. 

 

 

 

ATÉ QUANDO VAI VALER ESSE JOGO, OH CATILINA? 

 
A mineração brasileira tem que dar um basta à ganância e à improvisação para assumir responsabilidades e compromissos com a vida e o meio ambiente. O saldo até o décimo dia de busca – 121 mortos, 107 deles identificados, e 212 desaparecidos – é de sofrimento, aflição, angústia, consternação e medo. Mais: famílias separadas, contaminação do solo e de rios, casas destruídas, rebanhos dizimados e matas devastadas. Quantas esperanças e sonhos foram enterrados pelo torpor político e por uma gestão irresponsável? Chorar já não basta. O grito de socorro ecoa por outras 3.386 barragens de risco espalhadas pelo país que ainda podem fazer mais vítimas e causar mais transtornos irreparáveis. É tempo de reflexão. É tempo de uma tomada de decisão política duríssima com o novo Parlamento que se instalou e de uma ação judicial exemplar porque para a VALE só vale satisfazer dividendos e lucros para acionistas e ganhos na Bolsa de Valores. Até quando vai valer esse jogo, oh Catilina?
 

 

 

MINERAÇÃO NO BRASIL: 

300 ANOS DE UMA TRAGÉDIA HUMANA
 
 
 
 
 
Cristina Serra – Jornalista e autora do livro Tragédia em Mariana.
 
Há um grito parado no ar. Preso na garganta. Durante toda a tarde assisti às imagens da lama em Brumadinho, uma repetição perturbadora do desastre de Mariana, três anos atrás. Um pesadelo que se desdobra até hoje em dor, destruição do meio ambiente e impunidade. Se o figurino for mantido, Brumadinho seguirá o mesmo curso. No livro que escrevi sobre a barragem de Fundão, em Mariana, pesquisei os primórdios da mineração em Minas Gerais. Tristemente, a história revela que ontem, como hoje, na extração do ouro ou do minério de ferro, os trabalhadores são tratados como material descartável. A seguir, um trecho de "Tragédia em Mariana", que explica a repetição histórica dessa barbárie:
 
"A história registra que a mineração do ouro no Brasil foi uma máquina de moer gente. Os escravos morriam de exaustão, doenças associadas à insalubridade e alimentação precária, ou nos corriqueiros desabamentos. Em 1717, o conde de Assumar registrou, no seu diário, sobre a mineração em Vila Rica: “(…) os negros faziam uns buracos muito profundos aonde se metem e pouco a pouco vão tirando a terra para a lavar; porém esta sorte de tirar ouro é muito arriscado porque sucede, muitas vezes, cair a terra e apanhar os negros debaixo deitando-os enterrados vivos (…)”.
 
Um dos casos mais emblemáticos é o da mina de ouro de Cata Branca, em Itabira, do grupo de capital inglês The Brazilian Company Ltda., que chegou a ter 450 escravos. Em 1844, o desmoronamento da galeria principal soterrou um número até hoje impreciso de pessoas, com relatos variando de 30 a 100 mortos. Quem não morreu no desabamento, morreu afogado, depois que os administradores ingleses desistiram dos trabalhos de resgate e desviaram um curso d’água para inundar a mina. O político e escritor mineiro Antônio Olynto dos Santos Pires descreveu a cena da maneira como a imaginou: “Conta-se que durante alguns dias ouviam-se nas entranhas duríssimas da rocha os gemidos de muitas dessas vítimas soterradas pelos desmoronamentos. Frustrados todos os serviços de socorro, quando não houve mais esperanças de salvar os vivos sepultados pela catástrofe, por impossibilidade absoluta de atravessar a massa rochosa que os separavam de fora, a solução mais humana que se encontrou, para minorar os seus sofrimentos, foi inundar a mina com as águas das máquinas exteriores e fazer perecer por asfixia os que teriam de morrer por inanição”.
 
 
EX- MINISTRO COMENTA
 
 
 
 
José Carlos Carvalho – ex-Ministro do Meio Ambiente e ex-Secretário de Meio Ambiente de Minas.
 
“Na qualidade de ex-ministro e ex-Secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais, minhas críticas devem ser revestidas de autocrítica. Com essa declaração, quero dizer que o setor mineral não pode continuar operando sem profundas mudanças nos seus atuais modelos de extração e produção de minério. Sem novas tecnologias construtivas de barragens hidráulicas, sem novos e severos protocolos de segurança e gestão de riscos, transparentes e submetidos a amplo controle social, tragédias como a de Brumadinho hoje e a de Mariana, há mais de 3 anos, continuarão se repetindo”.
 
 
MUNDÃO DE DESAPARECIDOS
 
 
 
 
Por Roberta Rebouças 
 
“Não, gente. Não são 400 desaparecidos! São milhões. Está na hora de deixar para trás essa mania idiota de achar que só existe a espécie humana. São 400 humanos pelos quais temos que chorar, buscar, fazer justiça sim. Mas também são centenas de cães, gatos e outros mamíferos, milhares de répteis, anfíbios e aves, bilhões de invertebrados, trilhões espécies vegetais e incontáveis outros seres vivos unicelulares que sustentavam ecossistemas no solo e hoje morreram sem serem pranteados, sem serem valorizados, sem sequer serem lembrados por alguém”.
 
 
BARRAGEM DE CONGONHAS DO CAMPO
 
 
 
 
Thais De Mendonça Jorge, jornalista.
 
A Folha de S. Paulo deu matéria sobre a situação de Congonhas: “Tensão cresce em cidade colada a barragem. Na histórica Congonhas (MG), que abriga obras de Aleijadinho, casas ficam a apenas 250m de reservatório de rejeitos”. A barragem já está condenada há muito tempo. Quando aconteceu a tragédia de Mariana, falou-se nisso. Nasci por acaso nesta cidade. Meu pai era o médico local e minha mãe, diretora do Grupo Escolar. Fui batizada na igreja de Bom Jesus de Matosinhos. O que estão esperando? Não gostaria que minhas memórias fossem soterradas em lama.