Coluna do Meio

8 de maio de 2019

Perspectiva Buen Vivir e o fim da iniciativa no Parque Yasuní-ITT no Equador

 

 

Em novembro de 2018, o rascunho de um decreto presidencial emitido pelo atual presidente do equador, Lenin Moreno, foi divulgado , contendo permissões para a extração de petróleo na zona de amortecimento do parque Yasuní-ITT, uma área que, até então, não permitia extrações.
 
Uma década antes, o Parque Nacional do Yasuní era uma empolgante promessa de cooperação global e governança ambiental. O ex-presidente Rafael Correa ofereceu manter mais de 900 milhões de barris de petróleo contidos no parque intactos, desde que a comunidade internacional, em retorno, oferecesse uma compensação monetária por serviços ambientais (PSA). A iniciativa foi baseada na recente constituição do Equador (datada de 2008) e um de seus princípios fundamentais, o Buen Vivir. Esta filosofia, incorporada dos ancestrais indígenas equatorianos, pretende (pelo menos formalmente) criar um contrato social interligando cidadãos, governo e mercado, através de uma “economia social” baseada na cooperação e modelos de produções associativos, na intenção de atingir equidade, solidariedade e sustentabilidade por meio de uma democracia econômica.
 
Com a terceira maior reserva de Petróleo da América do Sul, esta é a fonte primária de exportação do Equador, representando 50% de tudo que é exportado. A produção chega a quase 500.000 barris por dia , sendo o quinto maior produtor de petróleo da América do Sul. Esse combustível também é o responsável por manter a segurança energética do país, com uma dependência de 76%  do consumo total. Todo o estoque de petróleo e a maioria das empresas responsáveis pela sua extração são, exclusivamente, estatais, com bastante restrição para investimentos estrangeiros. 
 
Em 1998, o país viveu sua pior crise econômica, após danos causados pelo El Niño e o baixo preço do petróleo, o resultado foi o crescimento da taxa de pobreza e desigualdade social. Movimentos indígenas tomaram força nesse contexto e propunham a volta de valores tradicionais baseados no Buen Vivir, que reconhece o meio ambiente como parte da sociedade e não de domínio, devendo ser preservada para futuras gerações. Esses movimentos, através da Confederación de nacionalidades indígenas del Ecuador (CONAIE), apoiou Rafael Vicente Correa, eleito em 2007 sob o lema “socialismo do Buen Vivir”, com um forte discurso contra-reformas neoliberais e promoção de direitos indígenas.
 
Seu primeiro ato foi promulgar uma nova constituição em 1998, introduzindo conceitos extremamente avançados de proteção ambiental. Um deles é o Pachamama, que declara a natureza como sujeito de direito, possuindo personalidade jurídica para todos os efeitos. Este conceito se insere dentro do contrato social de Buen Vivir que o Equador busca atingir, onde a harmonia com a natureza deveria prevalecer. Desse objetivo surgiu o Plan Nacional para el Buen Vivir, que pregava a qualidade de vida e o bem social acima do crescimento econômico exacerbado.
 
Neste contexto surge a iniciativa do Yasuní-ITT, primeiramente buscando (na teoria) alterar a dependência do país em combustíveis fósseis; segundo, reduzir a pobreza e reforçando equidade social, através de investimentos em saúde e educação; e, por último, estabelecer uma nova forma de democracia, estreitando a relação entre sociedade civil e governo.
 
A área de Ishpingo-Tambococha-Tiputini (ITT), no Parque Nacional do Yasuní, na Amazônia, leva o nome de Bloco 43, contendo aproximadamente 846 milhões de barris de óleo. A intenção era manter esse petróleo inexplorado, baseado na filosofia do Buen Vivir. O parque, declarado como uma reserva da biosfera da UNESCO desde 1989,  cobre uma área de 10.000 km², na fronteira com o Peru, sendo um dos lugares mais diversos do mundo, contendo, inclusive, diversas tribos indígenas isoladas. Através da iniciativa, o Equador deveria receber em 13 anos, o equivalente a 50% do preço das reservas de petróleo ($3.6 bilhões de dólares). O valor seria depositado numa conta gerenciada pelo Programa Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD) e aplicado de acordo com o Plan Nacional para el Buen Vivir. Esta iniciativa deveria evitar novas emissões de carbono prevenindo a produção de novos combustíveis fósseis. 
 
Considerada a “jóia da coroa” das iniciativas pós protocolo de Kyoto, a Yasuní-ITT “mantenha o petróleo sob o solo” obteve apoio de organizações não governamentais internacionais e da comunidade científica. Contudo, desde sua apresentação na Confederação das Nações Unidas pelas mudanças climáticas em Copenhague, em 2009, a atuação do presidente Rafael Correa se mostrou contraditória. Primeiro, se recusando a assinar o MOU de garantias com o PNUD, afirmando que, se tratando de pagamento por melhorias ambientais, seriam eles (o Equador) quem deveria colocar condições, e não a comunidade internacional. Seguido pela suspeita renúncia de toda a equipe internacional junto com o ministro de relações exteriores, o ecologista Fander Falconí. 
 
Além disso, a iniciativa foi apresentada com um Plano A, “mantenha o petróleo no solo” e um Plano B, que propunha a extração de parte da reserva, com “mínimo impacto ambiental” caso a comunidade internacional se recusasse a oferecer o valor requisitado. Este Plano B permitiu que grandes companhias de petróleo se tornassem parte do projeto de governo, competindo com aqueles atores a favor da preservação da área. A dinâmica que se formou nesse cenário é uma perfeita ilustração do complexo jogo de poder entre instituições tradicionais, baseadas na busca desenfreada de recursos naturais e outras instituições, como ONGs, que buscam por novas forma de governança.
 
Em 2010, o ministro de finanças do Equador, a empresa estatal Petroecuador, a empresa Chinesa Petrochina e o Banco Chinês Desarollo assinaram o Acuerdo de Cuatro Partes”, onde o Banco chinês acordou em pagar 100 milhões de dólares troca de 36 mil barril de petróleo por um preço abaixo do mercado. Em 2013, ano de extinção oficial da iniciativa, a estimativa era de que 80% de toda exportação de óleo do Equador era feita pela Petrochina e, de acordo com este contrato, todos os depósitos direcionados à Petrochina deveriam ser direcionados à uma conta do Banco Chinês para pagamento do débito inicial.
 
A postura do governo contra a iniciativa foi se tornando cada vez mais clara à medida que organizações contrárias à extração do óleo começaram a se organizar. Além de diversos atos inconstitucionais perante as populações que habitam a área, houve interferência direta por parte do governo na contagem de assinaturas recolhidas pela campanha Amazonía por la vida e o movimento YASunidos, meio de atuação da sociedade civil prevista na nova Constituição, rejeitando qualquer proposta de retratação. Violência policial se intensificou no país, resultando na prisão de diversos ambientalistas, inclusive líder do movimento indígena, Pepe Acacho. O cenário era de evitar qualquer possível diálogo ou intervenção no prosseguimento do Plano B por parte do Presidente Correa.
 
O que se observa, portanto, é a formação de um complexo paradoxo de dois objetivos completamente contraditórios. A apresentação do Plano A à comunidade internacional ao mesmo tempo que o governo permitiu a forte atuação de empresas estrangeiras e a perseguição de movimentos contrários à extração de óleo, numa clara tentativa de aplicação do Plano B. O simples fato desse segundo plano (e atos) serem uma opção, demonstra que as filosofias propostas pela Constituição de 2008 não foram suficientes para embasar a iniciativa do Yasuní-ITT, findando-se na extração de petróleo e lucro através de um dos maiores hot spots globais.