Naturalistas Viajantes

Jean de Léry (Parte Final)

1 de julho de 2019

O navio de Léry chega a Nantes. Mas as dificuldades continuaram em terra firme.

 

 

Jean de Léry (1536-1613) foi o primeiro estrangeiro a fazer um relato sobre o Brasil recém Descoberto. É aquele escritor francês que entrou de gaiato no navio, ao acreditar na balela do poderoso Nicolas Durand de Villegaignon, embarcando em um dos navios franceses que vieram colonizar a porção Antártica da França. É muito interessante e emocionante ler o primeiro relato jornalístico de um intelectual europeu sobre os índios brasileiros que habitavam, em 1556, as terras do Rio de Janeiro. O relato que o artesão e futuro pastor calvinista deixou aos brasileiros é precioso. Jean de Léry descreve jornalisticamente as peripécias da viagem de volta à França em maio de 1558. Foram salvos por milagre, depois da extrema penúria na volta do navio. A situação chegou a tal ponto que o comandante do navio já pensava em sortear alguém, sem aviso, para servir de alimentação dos outros. Em terra firme, em Nantes, os problemas continuaram.

 

 

ANTES UM RESUMO GERAL DAS PARTES ANTERIORES

 
Estamos na Parte 19. Acho que o leitor gostaria de ter um resumo das 18 partes anteriores, se bem que pode buscar no site Folha [www.folhadomeio.com.br] a fantástica história de Jean de Léry e de vários outros Naturalistas Viajantes.  O relato que o artesão e futuro pastor calvinista deixou aos brasileiros é precioso e deveria ser leitura obrigatória em nossas escolas.
 
PARTE 1 – ABERTURA (Edição 285 – Janeiro de 2018) – Lévi-Strauss explica: “A leitura de Jean de Léry me ajuda a escapar de meu século, a retomar contato com o que eu chamaria de ‘sobre-realidade’, não aquele de que falam os surrealistas, mas uma realidade ainda mais real do que aquela que testemunhei. Léry viu coisas que não têm preço, porque era a primeira vez que eram vistas e porque foi a quatrocentos anos”.
 
PARTE 2 (Edição 286 – Fevereiro de 2018) – Jean de Léry aporta pela primeira vez ao norte de Espírito Santo no final de fevereiro de 1557 e tem a oportunidade de observar de perto os índios, durante um escambo.
 
PARTE 3 (Edição 287 – Março de 2018) – Léry observa e anota o que permanecerá por séculos como documento raro do reencontro de seres humanos, separados há 40 mil anos, desde que deixaram a África para dominar o planeta. 
 
PARTE 4 (Edição 289 – Abril de 2018) – O incômodo que as mulheres nativas demonstram em cobrir o corpo talvez seja a gênese da tendência moderna dos exíguos acessórios indumentários femininos praticados no Rio de Janeiro:
 
PARTE 5 (Edição 290 – Maio de 2018) – Léry explica como os índios fazem o avati, a bebida do milho. São as mulheres que preparam, mastigando as raízes ou o milho.
 
PARTE 6 (Edição 291 – Junho de 2018) – Jean de Léry conta que “as abelhas da América não se parecem com as europeias. Antes se assemelham às pequenas moscas pretas que temos no tempo das uvas. 
 
PARTE 7 (Edição 292 – Julho de 2018) VOLÚPIA DOS EUROPEUS PELO PAU-BRASIL – Os tupinambás admiram porque os estrangeiros se dão ao trabalho de vir buscar o seu ‘arabutã’ (pau-brasil).
 
PARTE 8 (Edição 293 – Agosto de 2018) – AS GUERRAS TRIBAIS E COMO TRATAM OS PRISIONEIROS – “Quem cai no poder do inimigo não pode esperar remissão”.
 
PARTE 9 (Edição 294 – Setembro de 2018) – A festa canibalesca entre os Tupinambás. Move-os a vingança. Para satisfazer o seu sentimento de ódio, devoram tudo do prisioneiro.
 
PARTE 10 (EDIÇÃO 295 – Outubro de 2018) SOBRE O CASAMENTO E A POLIGAMIA ENTRE OS INDÍGENAS. Como os índios promovem seus casamentos e as regras para conseguir uma esposa e como acontece a cerimônia matrimonial.
 
PARTE 11 (EDIÇÃO 296 – Novembro de 2018) COMO RESOLVER DESENTENDIMENTOS. Entre os índios é vida por vida, olho por olho e dente por dente.
 
PARTE 12 (EDIÇÃO 297 – Dezembro de 2018) Léry conta sobre sua visita aos índios pela primeira vez três semanas depois de sua chegada à ilha de Villegaignon.
 
PARTE 13 (EDIÇÃO 298 – Janeiro de 2019) Jean de Léry conta uma experiência estarrecedora sobre a morte de um prisioneiro e o canibalismo.
 
PARTE 14 (EDIÇÃO 299 – Fevereiro de 2019) Jean de Léry é recebido pelos índios e descreve jornalisticamente como os Tupinambás recebem seus hóspedes.
 
PARTE 15 (EDIÇÃO 300 – Março de 2019) Jean de Léry escreve sobre o tratamento de doentes e como os índios choram os seus defuntos.
 
PARTE 16 (EDIÇÃO 301 – Abril de 2019) Após a expulsão dos franceses da Guanabara, os padres jesuítas José de Anchieta e Manuel da Nóbrega teriam instigado o Governador-Geral Mem de Sá a prender Jacques Le Balleur, e a condená-lo à morte.
 
PARTE 17 (EDIÇÃO 302 – Maio de 2019) Jean de Léry escreve sobre a trágica volta à França.  O erro do piloto em calcular a posição do navio “fez com que em fins de abril já estivéssemos inteiramente desfalcados de todos os víveres.
 
PARTE 18 (EDIÇÃO 303 – Junho de 2019) Extrema penúria na volta do navio. A situação chegou a tal ponto que o comandante do navio já pensava em sortear alguém, sem aviso, para servir de alimentação dos outros.
 
PARTE 19 ou ÚLTIMA PARTE (EDIÇÃO 304 – Julho de 2019) “Para cúmulo de misérias, ao chegarmos a Nantes tivemos os sentidos transtornados por completo e passamos quase oito dias com o ouvido ao duro e a vista tão ruim, que pensei ficar surdo e cego. Todavia, excelentes médicos e notáveis personalidades que continuamente nos visitavam, com tanto cuidado nos trataram que, quanto a mim, cerca de um mês mais tarde já tinha a vista e o ouvido perfeitos”.
 

 

 

 

JEAN DE LÉRY SE RECUPERA EM NANTES

Com a saúde abalada, Jean de Léry é atendido por médicos para depois seguir seu caminho.
 
“Para cúmulo de misérias, ao chegarmos a Nantes tivemos os sentidos transtornados por completo e passamos quase oito dias com o ouvido ao duro e a vista tão ruim, que pensei ficar surdo e cego. Todavia, excelentes médicos e notáveis personalidades que continuamente nos visitavam, com tanto cuidado nos trataram que, quanto a mim, cerca de um mês mais tarde já tinha a vista e o ouvido perfeitos. (…) Depois de recuperarmos as nossas forças em Nantes, onde, como já disse fomos muito bem tratados, cada um de nós seguiu o seu caminho”.
 
 
O LIVRO PRECIOSO DE LÉRY
 
 
 
 
 
 
O livro ‘Viagem à Terra do Brasil’, escrito por Léry, consta do catálogo da Editora Itatiaia, de Belo Horizonte. Léry anota um ‘Colóquio de Entrada ou Chegada ao Brasil, entre a Gente do País Chamada Tupinambá e Tupiniquim, em Linguagem Brasílica e Francesa’, seguido de observações gramaticais, restaurado, traduzido e anotado pelo filólogo paulistano Plínio Ayrosa (1895-1961). O professor Ayrosa, ex-professor de Etnografia e dialeto tupi-guarani da USP, considerava de enorme interesse e importância esse colóquio, que é apresentado como o capítulo final do livro.
 
Em 1564, Jean de Léry foi nomeado ministro religioso. Durante os conflitos religiosos que ocorreram na França, a pequena cidade de Sancerre se manteve fiel à Igreja Reformada e foi sitiada pelos católicos, em 1573. Léry encontrava-se na cidade e sua experiência mostrou-se útil. Ensinou os guardas a usarem as redes brasileiras, que permitiam o repouso sem abandonar as armas e mostrou aos sitiados como atenuar a fome mediante o cozimento do couro de seus calçados. Em seu livro, Léry ainda afirma que “embora a fome sofrida durante o sítio de Sancerre, em 1573, deva ser colocada entre as mais terríveis de que jamais se ouviu falar, como se pode ver em minha narrativa impressa, não foi ela tão rigorosa como a de que aqui se trata: pois em Sancerre não só não nos faltou água nem vinho, como ainda sempre tivemos algumas raízes, ervas silvestres, rebentos de videiras e outras coisas que a terra dá. (…) Devo declarar agora que se viesse a ser assediado em defesa de uma boa causa jamais me renderia pela fome, enquanto houvesse cabeções de couro de búfalo, vestes de camurça ou outras coisas em que exista suco ou umidade”.
 
Após os eventos de Sancerre, Léry se exilou na Suíça e morreu em Berna em 1611.