HISTÓRIA E COLONIZAÇÃO

O Brasil saqueado desde 1500

30 de setembro de 2019

A Amazônia devastada, saqueada, não começou agora. Essa exploração a qualquer preço tem 500 anos. Os primeiros saques começaram pela Mata Atlântica na desesperada busca pelo pau-brasil.

 

 

O Brasil começou em 1592, oito anos antes de Pedro Álvares Cabral, com Cristóvão Colombo e Américo Vespúcio. Cristóforo, italiano de Genova, era marinheiro. O barco naufragou, foi esbarrar em Portugal, onde casou com a rica Felipa, estudou os mares, mas ninguém acreditava nele. 
 
Foi para a Espanha, conquistou os reis Fernando e Isabel, de Castela, e, em 1492, chegou à América. Virou “o almirante de todos os mares”, e está  lá, de pé, todo majestoso, no alto da torre, diante do porto de Barcelona. 
Logo, a América devia chamar-se Colômbia e não América. Colombo foi literalmente roubado pelo bancário (depois banqueiro italiano) Américo Vespúcio. Esses banqueiros!
 
 
AMÉRICO VESPÚCIO
 
Américo Vespúcio, de Florença, trabalhava no banco dos Médicis e foi transferido para Sevilha, na Espanha. Era o sub-gerente. O gerente ajudou a financiar a primeira viagem de Colombo, em 1492.  Morreu o gerente, Américo Vespúcio assumiu e continuou financiando Colombo na segunda viagem de 1493 a 1496, na terceira de 1498 a 1500. E na quarta de 1502 a 1506. 
 
Mas Américo Vespúcio já tinha percebido que a América existia mesmo. Melhor: dava dinheiro. Virou também navegador. Em 1501, já o Brasil descoberto, saiu de Lisboa, passou pelo cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, e foi até o Rio de Janeiro, aonde chegou em 1502.
 
Em 1503, passou por Fernando de Noronha e pela Bahia e foi até Cabo Frio. Voltou à Europa, foi à Alemanha, pagou e pôs o continente em seu nome, América e não Colômbia. Está no mapa de Strasburgo, em 1506. 
Passado para trás, Colombo morreu de desgosto em 1506. 
 
 
CARAMURU
 
Depois do Vespúcio, em 1503 e de Caramuru em 1510, foi o Pereira, 25 anos depois. Em 1534, Portugal dividiu a costa do país em Capitanias Hereditárias. Eram 15 lotes, cada um medindo 50 léguas, cerca de 300 quilômetros. O rei doou a Capitania da Bahia a um fidalgo português, Francisco Pereira Coutinho, vindo das Índias, velho e doente, rico e durão, o Rusticão. 
 
Ele reuniu 120 pessoas e veio assumir suas terras, em 1536. Ficou encantado e gabou muito. Mandou dizer ao rei que havia “bons ares”, “boas águas”, “os algodões são os mais excelentes do mundo” e “o açúcar se dará quanto quiserem e a terra dará tudo que lhe deitarem”.
 
Instalou-se na Barra, onde hoje está o farol da Barra. Subindo para a Vitoria, fez um povoado com umas 30 casas, cercou de pau a pique e levantou uma torre de dois andares, garantida por quatro canhões. Era a Vila do Pereira. Caramuru estava ali perto há 30 anos, com a Paraguaçu.  
 
O Pereira não se meteu com Caramuru, mas começou a distribuir terras em volta para sua gente, que veio com ele. Mas aquelas terras tinham donos: 5 ou 6 mil Tupinambás, “homens de peleja”, que começaram a ser escravizados, para trabalharem nas plantações de cana. 
 
 
OS TUPINAMBÁS
 
Em 1540, a guerra estourou. Pereira perdeu o apoio de Caramuru. Duarte Coelho, donatário de Pernambuco (até hoje) queixou-se ao rei: 
 
– “Ele é mole para resistir às doidices e desmandos dos doidos e mal ensinados”. Durante cinco anos a briga com os Tupinambás levou fome,  sede e morte para a Vila do Pereira. Acabaram “encurralados entre o mar e a muralha que protegia a vila”, como brilhantemente conta o historiador Eduardo Bueno:
 
– “Eram uns 100 colonos cercados por mais de mil Tupinambás brandindo tacapes, lançando flechas incendiárias, produzindo nuvens tóxicas com a combustão de pimenta e ervas venenosas”.
 
Bush, ou mesmo, Donald Trump teria logo mandado bombardear pelo uso de armas químicas.
 
Pereira fugiu para Porto Seguro e os índios tomaram conta da Vila do Pereira, destruíram a torre e as casas, saquearam os armazéns. Caramuru, solidário, foi a Porto Seguro e trouxe o Pereira em seu barco, que naufragou na ponta de Itaparica. Deve ter sido coisa do cacique João Ubaldo. Quem não morreu foi preso pelos índios, inclusive o Pereira, “morto ritualmente” por um garoto de 5 anos, cujo irmão tinha matado.
 
Caramuru evidentemente foi poupado. Era o sinal, para Portugal, de que as capitanias não resolviam o problema. E o Pereira mudava a história. 
 
 
OS FRANCESES    
 
Ou Portugal agia rápido ou perdia o Brasil para os franceses. Nicolas Durand de Villegaignon chegou com força total no Rio de Janeiro. Esses foram os primeiros grandes inimigos, durante mais de meio século, de 1500, no Descobrimento, a 1567, quando foram expulsos do Rio.   
 
Seus navios piratas cortavam a costa de norte a sul, do Maranhão a São Vicente, trocando, comprando, roubando, levando sobretudo pau-brasil. Também já havia o comércio de escravos e cana-de-açúcar, mas começando.  O grande negócio da época era o pau-brasil. 
 
Por falar em pau-brasil, se você quer conhecer uma das mais belas cidadezinhas do mundo, vá a Honfleur, de apenas 8 mil habitantes, a 200 quilômetros de Paris, na foz do Senna, norte da França, entre Trouville e Havre. 
 
Aquela joia universal é tão francesa quanto brasileira. Com seu porto profundo, diante do grande porto do Havre, durante dezenas de anos os navios franceses despejaram o pau-brasil negociado, tomado, roubado dos índios e de traficantes portugueses. A entrada da bela baia de Todos os Santos, hoje Farol da Barra, para os franceses era o “Point de Carammorou”.
 
A Amazônia devastada, saqueada, não começou agora. Tem 500 anos. Chamava-se Mata Atlântica, com seu pau-brasil.
 
 
 
SEBASTIÃO NERY
Jornalista e escritor ([email protected]