BRASÍLIA

Pauta para os próximos 60 anos

1 de abril de 2020

      Inaugurada em 21 de abril de 1960, Brasília foi marco na geopolítica brasileira. A construção de Brasília fez o Brasil colher um novo país do Centro-Oeste, do Cerrado e da Amazônia. Nos tempos de JK, o Brasil colheu efervescência cultural. O Brasil colheu a primeira Copa do Mundo, colheu Bossa Nova e… Ver artigo

 

 

 

Inaugurada em 21 de abril de 1960, Brasília foi marco na geopolítica brasileira. A construção de Brasília fez o Brasil colher um novo país do Centro-Oeste, do Cerrado e da Amazônia. Nos tempos de JK, o Brasil colheu efervescência cultural. O Brasil colheu a primeira Copa do Mundo, colheu Bossa Nova e colheu alegria. O povo brasileiro colheu o sentimento de que é capaz de construir o que parece impossível. 
JK plantou Democracia. E o Brasil colheu Paz!
 
 
Pensando bem, uma cidade de apenas 60 anos ainda está na placenta da História, mas é também verdade que a fadiga dos metais chegou. Urge repensar, revisitar, reparar, atualizar ou até mesmo realinhar alguns pontos do urbanismo do Plano Piloto. Toda intervenção mais profunda em Brasília é polêmica e nunca encontrará consenso entre os seis poderes da república distrital: Executivo, Judiciário, Legislativo, Iphan, Imprensa e o Governo de Brasília. Assim, ao pensar como serão os próximos 60 anos de Brasília, me veio logo à cabeça a propaganda do biscoito Tostine, com slogan criado em 1984 pelo publicitário Ênio Mainardi: “Tostines é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?”. 
 
“Brasília é uma sessentona que precisa de recauchutagem ou Brasília precisa de recauchutagem porque é uma velha de 60 anos?
 
Exemplos de intervenção que um dia virão: saída direta subterrânea da Esplanada dos Ministério para a L-4, acabando com o terrível “Cotovelo do tráfego” na Praça dos Três Poderes, bem em frente ao Palácio do Planalto; O caso dos estacionamentos na Esplanada, onde cada organismo defende a vaga para sua sardinha; O Senado quer de um jeito, a Câmara de outro e o Supremo diferente; Ocupação dos terrenos tanto no Eixo Monumental como ao lado dos Ministérios, adensando de forma acelerada a ocupação do solo e tirando os “vazios” de Brasília. 
 
Todos concordam que Brasília precisa de uma profunda intervenção para facilitar a mobilidade e melhorar a harmonia entre cidadãos, construções, locomoções e proteção de áreas verdes. Mas toda e qualquer grande intervenção é polêmica. Sem consenso. Como o foi a própria construção e mudança da capital. O que fazer? Deixar que a omissão faça o que ocorreu em volta do Plano Piloto onde mais de 600 condomínios irregulares se instalaram? Onde muitas cidades satélites nasceram à revelia da União? Omissão federal e distrital. 
 
Não é possível um orçamento tão favorável ser tão mal aplicado. Não é possível uma Cidade-Estado tão rica, com substancial ajuda do governo federal, ver os serviços públicos de Saúde, Educação e Segurança serem tão degradados. 
 
 
Para simples comparação: 
 
O Rio de Janeiro tem um orçamento de 72,6 bilhões de Reais para 18 milhões de habitantes. São 5 mil de Reais por habitante.
 
A Bahia tem 49,2 bilhões de Reais para uma população de 15 milhões de habitantes. São 3 mil de Reais por habitante. 
 
O Pará tem orçamento anual para 2020 de R$27,9 bilhões e possui uma população de 9 milhões de habitantes.
 
Já o Brasília tem um orçamento de 43,1 bilhões de Reais para 3 milhões de habitantes. São 14 mil de Reais para cada habitante.
 
O Distrito Federal tem dinheiro. Qual será o compromisso, como será a gestão e a governança para os próximos 60 anos?
 
Brasília teve muitas intervenções no Eixo Monumental. A começar pelo Centro de Convenções construído à revelia de Lucio Costa e Oscar Niemeyer. O adensamento do Eixo Monumental trouxe bônus e ônus. Para o urbanismo, mais ônus do que bônus. Depois, com a Copa do Mundo de 2014, vieram as mudanças nas vias de acesso por causa construção do estádio Mané Garrincha. Outras demandas entraram no pacote: a intenção de se construir a Quadra 901; a construção de memoriais ao longo no Eixo Monumental; a questão dos estacionamentos na Esplanada e, impactado pelo grande fluxo de carros em direção à Praça dos Três Poderes, sobretudo depois da construção da nova Ponte JK, a construção do túnel saindo da Esplanada em direção à L4. A própria arborização desregulada da Esplanada dos Ministérios, com o plantio de árvores amazônicas como o mogno, hoje encobrindo totalmente alguns prédios, haverá de estar na pauta dos próximos 60 anos. Afinal, na sombra das árvores, nasceram bancas de jornais, postos de loteria e pequenos quiosques de comida a quilo. Um dia terá de ser contida a favelização no coração do Plano Piloto.
 
O fato é que Brasília tem demandas urbanísticas, estruturais e culturais urgentes. Cada vez mais sérias e improteláveis.
 
São várias iniciativas isoladas – de Ministérios, da Câmara Federal, do Senado, do Itamaraty (que está fazendo um anexo) e da Justiça-STF – com intervenções para resolver problemas de espaço, de estacionamento e de trânsito. Na Câmara Federal há até mesmo o projeto de construção de um famigerado Parlashopping.
 
Vejo mais do que madura a ideia de formar uma Comissão Especial para estudar uma intervenção urbanística definitiva e global na área do Plano Piloto, sobretudo na área central da Esplanada dos Ministérios. Reestudar o passado para pensar o futuro da cidade. Evidente que há que ter uma decisão política e firme dos “seis poderes”.
 
Talvez seja mais pauta para este governo (federal e distrital) que ainda tem três anos de mandato. Mas, sem talvez, deve ser um compromisso da cidade-estado para salvar a cidade-capital.  
 
Sugestão: há que ser formada uma comissão especial de alto nível comandada pela Presidência da República com nove ou 11 membros para estudar todas as questões polêmicas e dar uma resposta definitiva em pouco tempo para cada item proposto.
 
A formação da Comissão Especial traz três vantagens incontestes:
 
1) Evita soluções isoladas por cada ocupante da Esplanada; 
 
2) Busca um consenso a favor da cidade e da sociedade; 
 
3) Dilui egos e responsabilidades.
 
 
Poderia ser formada, por exemplo, assim:
 
1 – Governo Federal – Secretaria-Geral do Palácio do Planalto
 
2 – Governo do GDF – Secretário de Obras ou quem o governador indicar.
 
3 – Um representante do Supremo Tribunal Federal
 
4 – Um representante do Senado Federal
 
5 – Um representante da Câmara Federal
 
6 – Um representante da UnB (talvez o diretor da Faculdade de Arquitetura)
 
7 – IPHAN
 
8 – O arquiteto que participou de todas as etapas da construção, Carlos Magalhães da Silveira, que dirigiu por
muito tempo o Escritório de Oscar Niemeyer.
 
9 – A arquiteta Maria Elisa Costa, guardiã da Casa Lucio Costa.
 
10 – Ministério Público Federal
 
11 – Representante do CREA e/ou IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil
 
 
Não é apenas a fadiga dos metais que chegou depois do início da construção, há seis décadas. É muito mais: É o repensar a Esplanada, Eixos Monumental e Rodoviário, Tombamento, gestão das cidades satélites e entorno do Distrito Federal. Urge uma tomada de posição dura, antes que cada um resolva por si só suas próprias necessidades. Ou pior: antes que a omissão tome conta de vez ou o mercado encontre uma solução para uma decisão política e administrativa que tem de ser do Estado.
Toda gestão incompetente é sempre cara a qualquer preço.