A história das ações governamentais a favor do meio ambiente no Brasil começou com um nome de respeito: Henrique Brandão Cavalcanti. (foto: Juliana Tiraboschi)
Faleceu terça-feira, 28, em Brasília, o ex-ministro do Meio Ambiente Henrique Brandão Cavalcanti, pioneiro do antes no movimento ambientalista brasileiro. Henrique Brandão Cavalcanti nasceu no Rio de Janeiro no dia 11 de abril de 1929, filho do magistrado Temístocles Brandão Cavalcanti. Iniciou os estudos no Colégio Santo Inácio, tendo completado o curso secundário no Colégio Naval, em Angra dos Reis. Formou-se em engenharia civil em 1951 pela Universidade Mc Gill, em Montreal, Canadá.
A história das ações governamentais a favor do meio ambiente no Brasil começou com um nome de respeito: Henrique Brandão Cavalcanti. Aposentado pela Siderbras, Cavalcanti nunca carregou nenhuma carga de vaidade e arrogância na sua trajetória profissional. E mais: estava na trincheira ambiental até essa última terça-feira, dia 28, antes de falecer.
(Acervo da Folha do Meio Ambiente)
VOLTANDO NO TEMPO
Vamos voltar a junho de 1972, quando aconteceu a primeira grande conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentado, em Estocolmo. Brandão Cavalcanti era simplesmente o secretário da delegação brasileira. A Conferência de Estocolmo foi o divisor de águas no posicionamento mundial pelo meio ambiente. Tranquilo, determinado e sério nas suas posições, o professor Henrique, então Secretário-Geral do Ministério do Interior, sempre se preocupou com os assuntos ambientais. Em Estocolmo, teve muito trabalho para mudar a orientação do governo que era, nos idos de 72, claramente contrária a essa história de conservação da natureza. Havia mesmo quem pensasse em conspiração dos países ricos contra o desenvolvimento de países mais pobres. Mesmo diante de tantas dificuldades, em pleno regime autoritário, o Brasil acabou assinando a declaração da Conferência sem nenhuma reserva. O fato é que a delegação brasileira concordou que estava na hora de cuidar do meio ambiente, pois os danos começavam a ocorrer em grande escala. Na criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, em 1974, lá estava Henrique Brandão Cavalcanti. O Ministério do Interior, na época, era um mini governo: todos os órgãos de desenvolvimento estavam lá dentro. Foi Brandão Cavalcanti que chamou Paulo Nogueira-Neto, que também fez parte da delegação em Estocolmo, para ocupar a recém criada Sema. E, então, o Brasil, começou a perceber que qualquer negócio que não incluísse o meio ambiente era negócio estéril. Mas isso ficou mais claro em 1992, na Conferência do Rio de Janeiro. E lá estava o professor Henrique. Ex-presidente da Siderbras, Ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, no governo Itamar Franco, Henrique Brandão Cavalcanti emprestou durante vários anos sua competência e respeito na gestão da Funatura.
BRASIL PERDE UM PIONEIRO
Para o ambientalista Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, com a falecimento do professor Henrique Brandão Cavalcanti, o movimento ambientalista mundial perdeu um pioneiro. E o Brasil perdeu uma das figuras mais importantes de sua história conservacionista. “A Fundação Pró-Natureza FUNATURA – diz Carlos Alberto Xavier – foi seu último trabalho como presidente. Ele também foi um de seus fundadores há mais de 30 anos. Todos lamentam a perda dessa referência responsável pelos primeiros passos do movimento ambientalista brasileiro com a criação da Secretaria de Meio Ambiente, embrião do atual Ministério, ainda no início dos anos 70. Todos devemos um tributo de gratidão ao professor Henrique”.
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier lembra que Henrique Brandão Cavalcanti foi o responsável pela EXPO'98 em Lisboa, quando cumpriu todas as metas e projetos ao construir um enorme pavilhão do Brasil com grande sucesso. Tinha trânsito mundial e era respeitado em todas instituições internacionais.
ÚLTIMA ENTREVISTA
HENRIQUE BRANDÃO CAVALCANTI FALA À FOLHA DO MEIO AMBIENTE
FOLHA DO MEIO – O senhor já ocupou várias posições de governo, inclusive a de Ministro do Meio Ambiente. Gostaria de ter uma avaliação: o que é trabalhar no governo e o que é trabalhar numa ONG?
HENRIQUE BRANDÃO CAVALCANTI – Ambas as situações podem ensejar oportunidades interessantes de trabalho e de realização pessoal, especialmente se o objetivo último é servir ao país e à sua população. O ideal é que governo e sociedade encontrem formas de atuar em parceria, respeitando-se reciprocamente, e buscando cumprir objetivos comuns. Nesse sentido, todas as experiências que tive e tenho são válidas e se complementam.
FMA – O que é conversão da dívida externa em projetos ambientais?
HBC – Trata-se de uma operação que depende de três fatores: a eventual conveniência do governo brasileiro no ingresso de divisas vinculado a uma destinação específica, o interesse de doadores de países que oferecem benefícios fiscais para determinadas aplicações, em adquirir títulos da dívida brasileira por um valor atraente, e colocá-lo à disposição de uma entidade civil do país beneficiado, e a existência de um projeto ambiental ou socioambiental relevante nesse país a cargo da referida entidade.
FMA – Por que esse é um processo tão difícil para se realizar?
HBC – As três condições mencionadas, além de outros aspectos, certamente precisam existir para que a operação se efetive. Na época em que os títulos da dívida eram negociados com apreciável deságio, havia uma vantagem significativa para o doador. Essa situação se modificou na medida em que se conseguiu reduzir o chamado risco Brasil.
FMA – Qual a importância do projeto de conversão da dívida externa para a Funatura?
HBC – Esses recursos oriundos da conversão são depositados no Banco Central por um determinado período, em nosso caso até 2013. Eles geram para a Funatura uma remuneração relativamente modesta, e sujeita a variações cambiais, porém recebida mensalmente com regularidade.
FMA – E para o Parque Nacional Grande Sertão Veredas?
HBC – Os recursos da conversão destinam-se basicamente à implantação do Parque e ensejaram uma parceria histórica da Funatura com o Ibama.
Até hoje, nesses 20 anos de existência da entidade, e dos 120 projetos realizados nesse período, o Parque é o seu principal projeto de proteção ambiental, localizado no Cerrado do Noroeste de Minas e do Sudoeste da Bahia. Cobre uma área equivalente à metade da superfície do Distrito Federal.
FMA – Por que outras ONGs também não conseguiram promover a conversão da dívida em projetos socioambientais?
HBC – Acho que apenas por uma questão de oportunidade.
FMA – O Ministério Público tem feito acompanhamento sério e permanente junto às fundações e ONGs?
HBC – Pelo Código Civil, cabe ao Ministério Público velar pelas Fundações. No caso da Funatura, ele exerce de forma cuidadosa essa atribuição, analisando os programas de trabalhos e as contas da instituição, e sua conformidade com os procedimentos por ele estabelecidos, contribuindo com sugestões e comentários sempre que necessário.
FMA – Qual a importância deste acompanhamento?
HBC – Simples, eu penso que uma entidade sem fins lucrativos, especialmente aquelas declaradas de utilidade pública, amparadas de alguma forma por isenções ou exonerações, precisa ser transparente. E transparente em todos os seus aspectos e atividades.
FMA – Por que o Brasil ainda não conseguiu criar um incentivo fiscal para projetos na área ambiental?
HBC – Veja, está tramitando no Congresso Nacional um Projeto que estabelece uma possibilidade de renúncia fiscal, com limite de valor, para aplicação em projetos de proteção do meio ambiente. Temos acompanhado de perto esta iniciativa e analisado os diversos projetos com essa finalidade, tantos os projetos de origem do Executivo como dos parlamentares. Tenho esperança e acho que podemos ter otimismo em relação à eventual aprovação de um texto satisfatório.
FMA – O senhor não acha que as ONGs tinham que prestar mais conta dos recursos recebidos e dos trabalhos efetuados à sociedade?
HBC – Acho sim, mesmo porque esse trabalho do Terceiro Setor vem tendo uma evolução muito forte. Essa expansão pelo mundo é praticamente um fenômeno. Talvez por isso deve requerer de outros segmentos da própria sociedade, e por sua delegação, também do governo, a formulação de políticas públicas que respondam adequadamente a indagações como essa, sejam elas de caráter político, financeiro, cultural ou de segurança nacional.
FMA – Como o senhor vê os próximos 20 anos?
HBC – Há muito que fazer. Há muitas prioridades. Quanto mais a gente faz, a gente tem a sensação que aparecem mais coisas ainda por fazer. Esses 20 anos foram assim e os próximos 20 anos também serão assim. O importante é fazer bem feito o que tem que ser feito. Um dos desafios é a batalha pela criação de áreas protegidas, principalmente no Cerrado, e sua gestão eficaz de acordo com os respectivos planos de manejo. Isso abrange parcelas de proteção integral, e outras destinadas à pesquisa e ao turismo. Abrange também sua completa regularização fundiária e estrutura administrativa competente. São muitos desafios. O importante é proteger um patrimônio de expressão mundial que tem, pela sua singularidade e relevância biológica, reflexos no bem-estar da população.
Muitas medidas devem ser levadas adiante em consonância com as diretrizes do desenvolvimento nacional, incluindo medidas específicas tais como o zoneamento ecológico-econômico, a expansão planejada da atividade agropecuária, a construção de uma infraestrutura eficiente de transportes terrestres e a universalização dos serviços públicos.
Mas não podemos de ficar atentos aos aspectos humanos, aos serviços básicos e à preservação do patrimônio cultural das comunidades presentes nessas regiões. Em particular no entorno dessas unidades de conservação, tanto públicas como privadas.