SUSTENTABILIDADE & MANEJO
Parque Nacional das Sempre-Vivas
1 de abril de 2020Vale a pena ler de novo: uma conversa com rodrigo zeller sobre os muitos conflitos que envolvem parques, gestores e visitantes.
O engenheiro florestal Rodrigo Zeller chama atenção: "Muitos conflitos envolvendo UCs poderiam ser evitados com uma comunicação mais clara entre gestores e vizinhos. Afinal, o estabelecimento de um parque depende de um diálogo contínuo com os vizinhos."
Foto: Felipe Ribeiro/Associação Montanhas do Espinhaço
O nome do Parque é referência às variadas espécies de “sempre-vivas”, pequenas flores típicas da região. Os conflitos de terra e de cultura ainda estão presentes em muitos parques nacionais no Brasil. E, no caso do Parque Nacional das Sempre-Vivas, os conflitos de uso ainda representam um desafio para sua implantação, o que levou à formação de um grupo de trabalho associado ao conselho consultivo do parque para tratar a questão.
ENTREVISTA – Rodrigo Zeller
Engenheiro florestal do Instituto Biotrópicos, Rodrigo Zeller é membro do conselho consultivo do Parque Nacional das Sempre-Vivas e trabalha há anos com o manejo de unidades de conservação.
FMA – Quais usos ocorrem no parque, que acabam gerando conflitos de interesses?
Rodrigo Zeller – Os usos realizados no parque por comunidades locais, a grande maioria instalada fora da UC, são em áreas de “uso comum”, em terra sem dono bem definido, sendo que os principais são o aproveitamento de campos como pastagens e a coleta de flores de sempre-vivas, que ocorrem naturalmente na região com diversas espécies, parte delas com valor ornamental. Além disso, ocorre caça de animais silvestres que deveriam encontrar refúgio no parque, o que pode diminuir as populações de animais mesmo sendo apenas para consumo.
FMA – Esses usos são sustentáveis? São capazes de manter as famílias no campo em longo prazo?
Rodrigo Zeller – Não! A extração de flores, por exemplo, não traz lucros realmente atraentes e depende de uso regular do fogo, modificando bordas de matas e levando a um empobrecimento florístico, além de poder prejudicar a própria regeneração natural das populações de sempre-vivas, quando a coleta antecede a liberação de sementes. O preço pago pelas flores é baixo o que força as pessoas a se deslocarem por áreas enormes para uma receita que continua baixa. Segundo Felipe Ribeiro, guia turístico familiarizado com o parque e seus usuários, além de membro do conselho consultivo, uma família extraiu, em uma só temporada, cerca de 600 kg de sempre-vivas em uma área de aproximadamente 3.000 hectares.
A beleza das flores e das aguas
FMA – O que é uma temporada?
Rodrigo Zeller – É época da colheita. É uma temporada curta, com auge em abril e maio. E olha que as famílias se expõem a diversas dificuldades não só de acesso, mas também de alimentação e acidentes. Ainda sem qualquer direito ou benefício assegurado. Tudo isso para ganhar cerca de 5 ou 6 mil reais por ano, no caso daquela família que se deslocou por 3 mil hectares.
FMA – No parque, o uso do campo como pastagens é sustentável?
Rodrigo Zeller – Não! O uso dos campos como pastagens também tende a causar alterações ambientais que desvalorizam a região, como compactação do solo, erosão, assoreamento de cursos d’água, empobrecimento biológico, sem contar que boa parte já é Área de Preservação Permanente, conforme lei válida a todo o Brasil para cabeceiras e margens de cursos d’água, o que também tende a comprometer a viabilidade econômica da atividade. Essas atividades não têm boas perspectivas socioeconômicas e ambientais e as principais causas disso não estão associadas ao parque, mas sim às técnicas adotadas e a aspectos conjunturais mais amplos.
FMA – E o que vai acontecer com as famílias que moram no parque?
Rodrigo Zeller – Não há comunidades residindo dentro da unidade, todas estão instaladas no entorno, mas elas usam áreas do parque. Dentro do parque há, sim, ocupações em caráter permanente, mas elas são mínimas, envolvendo cerca de 10 famílias espalhadas, que não são de origem quilombola e precisarão ser contempladas por um programa de regularização fundiária, segundo a chefia do parque.
Quando as famílias não conseguem comprovar o domínio da terra como determina a lei e para fins de indenização com base no preço atual de mercado, uma opção é a realocação, o que pode inclusive beneficiar a vida das pessoas, quando elas saem de um isolamento complicado e passam a ter acesso a serviços de saúde, educação, entre outros, o que pode ser feito com muitos cuidados, até o de manter as relações de vizinhança originais.
FMA – Mas essas ações não contribuem para o êxodo rural?
Rodrigo Zeller – Essa é outra discussão que já foi levantada no “grupo de trabalho de conflitos territoriais”. Ao contrário do que se argumentou em reuniões anteriores, a proposta dos parques para essas situações, e para a adequação legal no entorno, é completamente diferente daquela que leva ao êxodo rural, causado por outros fatores de contexto presentes, inclusive, nos outros 97% do Brasil que não é parque.
FMA – Há quem defenda uma alternativa que seria fazer a recategorização, ou seja, mudar a categoria de parque para reserva extrativista, se não o todo da área, pelo menos parte dela. É uma solução?
Rodrigo Zeller – Existem sim outros tipos de UC que não exigem desapropriação e que permitem o uso de recursos. Mas essas UCs não parecem viáveis para o contexto e nem para a região, pois tais comunidades não vivem apenas da coleta extensiva de sempre-vivas. Esta atividade não seria capaz de sustentar as famílias no campo. E outras atividades tradicionais para complementação de renda, como pecuária ou garimpo manual, não seriam permitidas também em uma Reserva Extrativista. Nem mesmo numa Reserva de Desenvolvimento Sustentável. No âmbito de uma UC de Uso Sustentável, provavelmente se aumentariam os conflitos, ao criar expectativas locais difíceis de serem atendidas com o que a natureza tem a oferecer na região. Isso pode comprometer os avanços socioeconômicos desejáveis e suas necessidades ambientais, enquanto que existem todos os elementos locais e regionais para justificar a escolha da categoria parque.
FMA – Uma das contestações contra o parque é pela falta de consultas públicas amplas para a sua criação. Qual a importância de consultas públicas para a implantação de um parque?
Rodrigo Zeller – É complicado contestar a legitimidade de um parque pela falta de consultas públicas para a sua criação. A maioria dos parques brasileiros foi criada sem esses processos, pois este é um protocolo mais recente, mas isso não os impediu de terem, hoje, um papel benéfico também para a vida das pessoas ao seu redor. Essas consultas auxiliam, sim, na definição de uma proposta de UC e a direcionar os primeiros momentos do manejo, mas a criação de um parque já depende, antes, de um estudo técnico que considera o quadro socioeconômico, além dos aspectos ambientais, com levantamentos de campo e análises realizadas por técnicos familiarizados com o assunto. Assim, dificilmente essas consultas levam a mudanças bruscas na proposta, desde que as pessoas consultadas sejam bem informadas.
FMA – No caso do Parque das Sempre-vivas, quais os benefícios de sua criação?
Rodrigo Zeller – O Parque Nacional das Sempre-Vivas é uma área de enorme importância, com amostras representativas de campos rupestres da Cadeia do Espinhaço em Minas Gerais. É reconhecido pelo seu alto grau de endemismo, além de outros ambientes naturais. É um campo fértil também para pesquisadores, que documentam sua riqueza biológica única, atesta a equipe do parque, feliz pela área ser escolhida com frequência para prestar serviço tão importante à Ciência e à sociedade. Muitas nascentes e cursos d’água correm limpos no parque e, uma vez fora da unidade, 201garantem o abastecimento de muitas famílias, viabilizando atividades produtivas na região e o divertimento da população. Existem também registros pré-históricos na área, na forma de pinturas rupestres, fora a beleza cênica da paisagem.
FMA – O que o Parque representa em termos de proteção da região?
Rodrigo Zeller – O parque representa 64% da área de proteção integral do Mosaico de Áreas Protegidas do Espinhaço: Alto Jequitinhonha-Serra do Cabral, uma iniciativa recente para ajudar a manter um patrimônio natural essencial para o presente e futuro de nossas famílias na região. Pelos seus atributos e serviços ambientais, o Parque Nacional das Sempre-Vivas tem um valor inestimável para a sociedade como um todo, para a região onde se insere e, sobretudo, para as comunidades e famílias próximas. Enfim, existem muitos elementos para viabilizar um trabalho importante de Conservação associado ao incentivo por um desenvolvimento regional integrado e duradouro.
FMA – E como o parque pode estimular um desenvolvimento regional duradouro?
Rodrigo Zeller – Em muitos parques nacionais e estaduais estão sendo construídas referências positivas neste sentido, que poderiam ser adaptadas. Por exemplo, há inúmeras referências de pesquisas científicas que geram informações de grande valor prático para o desenvolvimento do entorno, constituindo processos importantes para formação de pessoal através de universidades, valorizando a região e atraindo mais projetos, constituindo outra fonte de renda temporária para vizinhos.
Rodrigo Zeller está sempre atento às grutas e às belezas naturais dos Parques brasileiros especialmente da Serra do Espinhaço em Minas Gerais.
FMA – E em termos de oferta de trabalho, quem vive no entorno do parque tem opções?
Rodrigo Zeller – Olha, sempre a implantação de parques leva a oferta direta e indireta de trabalho. No caso do Parque Nacional das Sempre-Vivas, anualmente, muitos vizinhos são contratados por seis meses como brigadistas. Isso numa região onde as restrições de trabalho são consideráveis. Ainda, há muitos casos em que, graças à existência de parques, é incentivada a atuação de entidades que desenvolvem e disseminam práticas e técnicas produtivas melhores, além do turismo de natureza e outras modalidades econômicas, que, no conjunto e pela diversidade, têm levado prosperidade a muitos vizinhos de UCs.
E tem mais. Graças à existência do Parque Nacional das Sempre-Vivas ocorre uma valorização da região como um todo, facilitando melhorias tão necessárias às comunidades do entorno, como nos acessos, educação, trabalho, saúde, questões relacionadas ao saneamento básico, esgotamento e resíduos, além do desenvolvimento de melhores técnicas e opções de cultivo, beneficiamento e comercialização de produtos, com amparo legal e, consequentemente, com maior segurança financeira às famílias.
Felipe Ribeiro/Associação Montanhas do Espinhaço
O turismo ecológico continua na pauta de ambientalistas e dos visitantes dos vários estados.
FMA – Voltando aos conflitos, como superá-los?
Rodrigo Zeller – Muitos conflitos envolvendo UCs poderiam ser evitados com uma comunicação mais clara entre gestores e vizinhos. Afinal, o estabelecimento de um parque depende de um diálogo contínuo com os vizinhos, como a gestão atual do Parque das Sempre-Vivas tem feito, individualmente e através de reuniões. Há um diálogo constante para levar informações de qualidade a essas famílias sobre a proposta real do parque e os reflexos positivos sobre a vida dessas comunidades.
FMA – E por que tantos conflitos hoje?
Rodrigo Zeller – Os conflitos nasceram com a proposta do parque, que interfere em atividades de renda de comunidades locais, e foram agravados por uma gestão anterior que foi turbulenta, mas que vive ainda na cabeça de alguns, incluindo pessoas que não são vizinhas do parque, que não simpatizam com UCs de Proteção Integral e que acabam agregando valor à sua bandeira ideológica. Para avançar, são necessários acordos e parcerias para explorar como as comunidades locais podem ser beneficiadas da existência e até da imagem do parque, ao invés de duvidar se ele deveria existir tal como é. É necessário que os envolvidos na questão entendam as muitas possibilidades e benefícios locais do parque e explorem esses caminhos. Os parques são projetos de longo prazo, seus benefícios diretos e indiretos devem ser construídos, passo a passo, e é fundamental somar esforços locais no rumo certo.
FMA – Comunicação e boa política de vizinhança. É isso?
Rodrigo Zeller – Sim, é isso. No contexto político em que vivem nossas UCs, o caminho já não é curto, e tende a ser bem mais complicado depois que se chega próximo ao extremo de exploração da natureza. A verdade é uma só: as unidades de conservação têm objetivos comuns, sociais, econômicos, ambientais e culturais. Parque é um investimento para a preservação e também para a sociedade como um todo, incluindo os vizinhos.
SEMPRE-VIVA
Um parque para viver sempre
PARQUE NACIONAL DAS SEMPRE VIVAS
Diploma legal de criação: Decreto s/n° de 13 de dezembro de 2002.
Bioma CERRADO – Serra do Espinhaço
Nome científico: Helichrysum bracteatum
Família: Compositae (Asteraceae)
Minas Gerais – Municípios: Olhos-d'Água, Diamantina, Buenópolis e Bocaiúva
Área: 124.000 hectares
Endereço sede:
Rua João Evaristo, nº 232 / 101. Diamantina – MG
Contatos: Tel: (38) 3531-3266
Parque Nacional das Sempre Vivas faz preparativos para trilha de longo curso. (foto: Bruno Vinicius)
São muitas as variedades da sempre-viva. A família Eriocaulaceae apresenta 10 gêneros e possui cerca de 1200 espécies que se distribuem em várias regiões do mundo. Nos Campos Rupestres do Brasil ocorrem pelo menos 600 espécies. A sempre-viva não é uma planta grande. Ela cresce de 0,7 a 1,2 m de altura, suas flores são pequenas, mas bastante chamativas. E as folhas são bastante delicadas. Suas flores têm uma característica importante e peculiar: são extremamente duráveis por conservarem a cor e a forma por um longo período de tempo. Daí a sua excelente aplicação comercial, inclusive para exportação. Suas flores secas são lindas e dão um toque campestre a arranjos florais e aos ambientes. A sempre-viva é tolerante a temperaturas mais baixas, mas pode também ser cultivada em climas mais quentes.
Em meio ao horizonte formado por um conjunto de serras, destaca-se a Serra do Galho. (Foto: Bruno Vinícius)
HISTÓRICO
Seu nome deriva da pequena flor conhecida popularmente como “sempre-viva”. A Unidade de Conservação está inserida em uma região de elevada importância histórico-cultural, o que levou a UNESCO a declarar o município de Diamantina, Patrimônio Cultural da Humanidade.
O Parque das Sempre-Vivas foi criado em dezembro de 2002 e tem áreas com mata densa de fundo de vale, campos rupestres de altitude e uma grande concentração de nascentes, entre elas a do rio Jequetinhonha. Atualmente o parque ainda está em fase de implantação e permanece fechado à visitação pública, qualquer incursão nesta área dever ser autorizada pela chefia da unidade em Diamantina.