Coluna do Meio
1 de junho de 2020Programa de Compliance Ambiental: ferramenta auxiliar no gerenciamento dos riscos ao meio ambiente.
O termo “compliance” vem do verbo inglês “to comply”, que significa cumprir, executar, concordar, adequar-se, satisfazer o que lhe foi imposto. É o dever de cumprir e estar em conformidade com as diretrizes estabelecidas na legislação, normas e procedimentos determinados, interna e externamente, para uma empresa, de forma a mitigar riscos relacionados à reputação e aos aspectos regulatórios. Já a expressão “risco de compliance”, implica o risco de sanções legais ou regulatórias, de perda financeira ou de reputação, que uma empresa pode sofrer como resultado da falha no cumprimento da aplicação de leis, normas e procedimentos estabelecidos¹.
No Brasil, o Decreto nº 8.420/2015², ao regulamentar a Lei nº 12.846/2013 (lei anticorrupção brasileira), optou pelo termo programa de integridade, ao invés de programa de compliance, que é o termo mais utilizado internacionalmente. O artigo 41 desse decreto define programa de integridade, no âmbito de uma pessoa jurídica, como:
- Conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Na esfera ambiental a matéria carece de regulamentação. Contudo, em 9 de outubro de 2019, os Deputados Rodrigo Agostinho e Prof. Luís Flávio Gomes, eleitos por São Paulo, apresentaram, à Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 5.442/2019³ tratando sobre o tema. Esse projeto teve inspiração a partir do desastre de Brumadinho, em Minas Gerais, e visa regulamentar os programas de conformidade ambiental em empresas públicas e privadas que exploram atividade econômica potencialmente lesiva ao meio ambiente.
Os autores desse projeto de lei optaram pelo termo “conformidade” e, em alinhamento com o conceito dado no Decreto nº 8.420/2015, conceituam programa de conformidade ambiental, no âmbito de uma pessoa jurídica, nos seguintes termos:
- Conjunto de mecanismos e procedimentos internos de conformidade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar, prevenir e sanar irregularidades e atos ilícitos lesivos ao meio ambiente.
A função principal de um programa de conformidade ambiental seria ampliar as possibilidades de gerenciamento dos riscos ambientais, de modo a prevenir a ocorrência de desastres (como o de Brumadinho, por exemplo) e os consequentes prejuízos. Nesse sentido, Shimshack e Ward⁴, defendem que dada uma manutenção adequada, as violações convencionais de poluentes raramente são o resultado de uma falha catastrófica do equipamento, implicando em que violações verdadeiramente acidentais são incomuns. Eles interpretam as violações como uma variável de escolha, influenciada pelo nível de produção, manutenção de equipamentos, mix de produtos e decisões de atenção humana. Por outro lado, as violações implicam em custo marginal que é a sanção esperada pelo não cumprimento das normas e procedimentos.
A proposta original do Projeto de Lei nº 5.442/2019 não prevê a obrigatoriedade da implementação, mas sim incentivos, nos seguintes termos: a) atenuante: existência de programa de conformidade efetivo como atenuante de eventuais sanções penais e administrativas impostas com base na legislação ambiental; b) proibição de fomento estatal: caso a empresa não detenha um programa de conformidade ambiental efetivo não usufruirá de: (i) subvenções econômicas; (ii) financiamentos recebidos de estabelecimentos oficiais públicos de crédito; (iii) incentivos fiscais; e (iv) doações; c) proibição de contratação com o Poder público: empresa que não possua programa de conformidade ambiental efetivo não poderá contratar com a União, com os Estados, com o Distrito Federal e com os Municípios, relativamente à: (i) obra e serviço, cujo valor do contrato seja superior a R$ 10.000.000,00; (ii) concessão e permissão de serviço público, cujo valor do contrato seja superior a R$ 10.000.000,00; e (iii) parceria público-privada.
As diretrizes para avaliação da efetividade do programa de conformidade ambiental, previstas no Projeto de Lei nº 5.442/2019, incluem, dentre outras: i) comprometimento da alta direção da empresa, incluídos os conselhos; ii) análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade; iii) independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de conformidade e fiscalização de seu cumprimento; iv) canais de denúncia de irregularidade, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé; v) procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados; vi) monitoramento contínuo do programa de conformidade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
Caso a Vale S/A dispusesse de um programa de conformidade ambiental efetivo, com base, tão somente, nas diretrizes “comprometimento da alta direção”, “canais de denúncia de irregularidade, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé” e “procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados”, teria sido possível evitar o desastre de Brumadinho ou, caso não evitado, que tivesse tido proporções de menor monta.
Essa assertiva baseia-se no fato de que existiam fragilidades nos controles internos da barragem, que poderiam ter sido sanadas em melhor tempestividade, tais como: i) em relação à exploração da Mina Córrego do Feijão, onde se inclui a Barragem 1, foi efetuada a concessão da primeira licença ambiental ad referendum, quando já estava em construção o terceiro alteamento da barragem; ii) quanto à Barragem 1, foi constatado que funcionou por 14 meses, sem amparo de qualquer licença ambiental; e iii) depoimento prestado à CPI da barragem de Brumadinho, em 11/4/19, por Maria Teresa Viana de Freitas Corujo, aponta que o Complexo Feijão-Jangada já vinha com situações de falta de controle ambiental e problemáticas há tempos, sendo do conhecimento da comunidade do entorno⁵.
Em termos econômicos, a implantação de um programa de conformidade ambiental é relevante porque, embora o custo marginal seja a sanção esperada pelo não cumprimento das normas regulatórias, os custos pecuniários diretos das multas podem não ser a única penalidade econômica. Há, ainda, os custos indiretos resultantes, tais como: a má publicidade e a degradação das relações com o regulador. E, além disso, a possibilidade de que o regulador aumente as sanções para reincidentes⁶.
Sobre esse aspecto é importante lembrar que para o STJ na apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, “equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem”⁷. Portanto, ter um programa de conformidade implica em ter mais uma ferramenta para auxiliar no gerenciamento dos riscos, devendo englobar os riscos ambientais do negócio, dos parceiros de negócio, dos fornecedores e dos prestadores de serviços.
Assim, entende-se bastante oportuno o Projeto de Lei nº 5.442/2019 sobre conformidade ambiental, cuja celeridade do trâmite deverá ser buscada, tanto pelos empresários de atividades econômicas potencialmente lesivas ao meio ambiente, como pela sociedade.
1. LAMBOY, Christian K. de; RISEGATO, Giulia G.A. Pappalardo; COIMBRA, Marcelo de Aguiar. Introdução ao Corporate Compliance, Ética e Integridade. In: LAMBOY, Christian K. de (Coord.). Manual de Compliance. São Paulo: Via Ética, 2018. Disponível em: <https://viaetica.com/images/Manual-de-Compliance-Amostra.pdf>. Acesso em 21 de maio 2020.
2. BRASIL. Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8420.htm>. Acesso em 21 de maio 2020.
3. BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 5.442/2019. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2224581>. Acesso em 21 de maio 2020.
4. SHIMSHACK, Jay P.; WARD, Michael B. Regulator reputation, enforcement, and environmental compliance. Journal of Environmental Economics and Management. v. 50, Issue 3, p. 519-540, November 2005. Disponível em: <https://mpra.ub.uni-muenchen.de/25994/1/enforcement.pdf>. Acesso em 22 de maio 2020.
5. MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais – ALMG. CPI da barragem de Brumadinho – Relatório Final, aprovado em 12/9/2019. Relator Deputado André Quintão. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/56a-legislatura/cpi-rompimento-da-barragem-de-brumadinho/documentos/outros-documentos/relatorio-final-cpi-assembleia-legislativa-mg>. Acesso em 11 fev. 2020
6. SHIMSHACK, Jay P.; WARD, Michael B. Regulator reputation, enforcement, and environmental compliance. Journal of Environmental Economics and Management. v. 50, Issue 3, p. 519-540, November 2005. Disponível em: <https://mpra.ub.uni-muenchen.de/25994/1/enforcement.pdf>. Acesso em 22 de maio 2020.
7. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. REsp nº 650.728/SC (2003/0221786-0). Relator Ministro Herman Benjamin. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8637993/recurso-especial-resp-650728-sc-2003-0221786-0/inteiro-teor-13682613?ref=juris-tabs>. Acesso em 23 de maio 2020.
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