BAUNILHA DO CERRADO 3

Ponto de vista Cláudia Nasser

4 de novembro de 2020

Formada em Gastronomia e Mestra em Turismo pela UnB, a pesquisadora Cláudia Nasser fala sobre a baunilha do Cerrado. Cláudia explica a relação das pessoas, em Goiás Velho, com a baunilha, e aborda seu uso na doçaria, na medicina e na alta gastronomia.

Da Redação

Baunilha do Cerrado a Joia do Cerrado

BAUNILHA DO CERRADO

 

 

Minha pesquisa foi realizada com recorte na cidade de Goiás Velho. Ao acompanhar a trajetória social desse ingrediente onde analisei o contexto sócio, histórico e cultural que o permeia, fui surpreendida por outros usos e valores que lhe são atribuídos, diferente do que se conhece do seu uso na confeitaria mundial. A Baunilha é considerada uma especiaria pois tem o poder de mudar o sabor e aroma de um preparo. Estamos falando de uma baunilha natural, diferente daquela baunilha artificial que adquirimos no mercado. Sim, aquele vidrinho contém líquido com aroma e sabor artificial de baunilha. É um produto químico que pode ser subproduto de queima de madeira ou mesmo de petróleo. Importante saber: este produto artificial não faz bem à saúde.

 

 

CLÁUDIA NASSER – Formada em Gastronomia, Mestra em Turismo pela UnB e pesquisadora da Baunilha do Cerrado.

 

ORQUÍDEA – As baunilhas são originárias de orquídeas. São as únicas orquídeas que além de flores, produzem frutos. Possuem o formato de uma vagem ou uma banana, dependendo da espécie. São colhidas ainda verdes e em seguida passam por um processo denominado cura, quando apresentam coloração marrom escuro. Nesse estágio, elas estão ricas em sabor e aroma, propriedades que lhes são conferidas através dos pontinhos ou grânulos pretos encontrados em seu interior conhecidos como vanilina.

 

ESPECIARIA – A baunilha é uma especiaria maravilhosa, muito valorizada na confeitaria mundial e sempre que falamos de baunilha, pensamos logo na França e no famoso creme brullé (sobremesa emblemática francesa). Até pouco tempo, nós gastrônomos desconhecíamos nossas baunilhas. Usávamos somente baunilhas importadas de Madagascar e outros países produtores.

 

TRABALHO DE PESQUISA – Há uns cinco anos, tive conhecimento da existência da baunilha do Cerrado e fui a caça delas. Foi daí que surgiu o meu trabalho de pesquisa. Hoje sou uma pesquisadora das baunilhas brasileiras. Lá em Goiás Velho identifiquei outros achados, outros usos para ela, diferente do uso tradicional da confeitaria francesa.

 

PLANTA MILAGROSA – Descobri que na comunidade de Goiás Velho o primeiro uso, o seu maior valor, são pelas propriedades medicinais. Isso mesmo, lá ela é usada na forma de chá e xarope, para tratar doenças respiratórias, bronquite, gripe, tosse e até pneumonia. É usada também em rituais religiosos, na forma de garrafadas, quando são preparadas e enterradas na quarta-feira de cinzas, e desenterradas no sábado de aleluia e degustadas em família.

 

CHÁ DE BAUNILHA – É muito interessante observar a relação da comunidade com a Baunilha. Quando se pergunta sobre o tema, as respostas são unânimes: “Ahhh baunilha, conheço desde criança, era ficar doente e ter que tomar chá de baunilha, é bom prá gripe, tosse, resfriado”, e muitos têm sempre um vidro com “açúcar de baunilha” em casa para te oferecer para um chá! Esse foi um dos dados mais fantásticos revelados dentro da pesquisa pois não se tem conhecimento desse hábito ou uso no Brasil, talvez até no mundo, só se conhecia o uso na confeitaria mundial. E pela pesquisa descobri que, além do uso na doçaria – uma herança dos portugueses que habitaram a região no século XVII – a baunilha tem uso medicinal, terapêutico e até religioso.

 

ALTA GASTRONOMIA – A gente sabe do uso da baunilha na alta gastronomia. Hoje ela é usada não só no preparo de cremes, sorvetes e sobremesas. Por se tratar de uma especiaria, ela pode ser usada em preparos da cozinha quente como em um peixe ou outras carnes e molhos. Pode ser usada inclusive em drinks, fica sensacional.

 

VALOR COMERCIAL X EXTRATIVISMO – A baunilha é um ingrediente muito rico, maravilhoso em sabor e em aroma. Existe a produção comercial em Estados como Bahia, São Paulo e outros. Sabemos que em comunidades tradicionais como Goiás Velho e no Quilombo Kalunga, na Chapada dos Veadeiros, a Baunilha não é cultivada, o que ocorre é o extrativismo. Todo o processo do que poderíamos chamar de uma “cadeia produtiva “ocorre de forma natural, onde a polinização é feita pela natureza, diferente de cultivo onde essa é feita manualmente. Todas as etapas da colheita, secagem ou cura até a conservação, são realizadas de forma empírica, baseado no saber-fazer que é passado de geração para geração. São conhecimentos ancestrais e de grande valor pois foi através deles que se perpetua por exemplo em Goiás Velho o seu uso, suas tradições e suas espécies. Acredito que o alto valor agregado às Baunilhas pode transformar o contexto social e econômico de várias comunidades tradicionais que vivem do extrativismo. Mas há que se proteger essas comunidades, pois, já existem como em Madagascar, atravessadores adquirindo baunilhas dessas localidades a preços aviltantes e comercializando nas redes sociais por preços exorbitantes, além de anunciar se tratar de “fair trade”. Fique de olho ao adquirir Baunilhas naturais provenientes de extrativistas. Compre direto nas comunidades ou exija do seu fornecedor a origem ou procedência e, averigue se o extrativista está sendo valorizado e remunerado justamente.

 

CONHECIMENTO CIENTÍFICO – No momento, estou trabalhando junto à Embrapa em projetos que possibilitem levar a essas comunidades, conhecimentos científicos e técnicos em relação à preservação, ao cultivo, manejo, cura e conservação de baunilhas brasileiras. Dessa forma, aliados aos conhecimentos ancestrais e empíricos que eles possuem, possamos juntos elevar as vantagens agronômicas e tecnológicas dos meios de extrativismo sustentável da baunilha do Cerrado. É uma forma de gerar renda, agregar valores, ter produção em escala e dar oportunidade de uma melhor qualidade de vida a essas comunidades. Afinal, são eles os protagonistas que fazem com que essa joia da nossa biodiversidade chegue até nossos pratos, arrebatando nosso olfato e paladar!

 

A PESQUISA – A dissertação está no repositório da UnB “A trajetória social da baunilha do cerrado na cidade Goiás”.

 

PARA SABER MAIS SOBRE BAUNILHA DO CERRADO
http://repositorio.unb.br/handle/10482/35138
https://www.instagram.com/tv/CA8uFmslOMO/?igshid=1qrci2ep4t9h0
[email protected]
https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/10509