meio ambiente

Pesquisa da Unicamp descobre pererecas-irmãs separadas pelo Rio São Francisco e nova espécie faz homenagem a Luiz Gonzaga

18 de novembro de 2020

Pithecopus gonzagai, como foi batizada, e Pithecopus nordestinus vivem atualmente de lados opostos do Velho Chico, no Nordeste. Neto do compositor gravou clipe em homenagem ao anfíbio;

Por Patrícia Teixeira, G1 Campinas e Região

 

Perereca da espécie recém-descoberta por pesquisadores da Unicamp, Pithecopus gonzagai — Foto: Rayany Gonçalves

Perereca da espécie recém-descoberta por pesquisadores da Unicamp, Pithecopus gonzagai — Foto: Rayany Gonçalves

 

Irmãs separadas por um grande rio há muitos anos que se reencontram com a ajuda da ciência. O que poderia ser enredo de filme traduz o resultado de um estudo da Unicamp, em Campinas (SP), que identificou uma nova espécie de perereca ao norte do Rio São Francisco. Longe das suas “irmãs” no lado sul, o pequeno anfíbio superou a barreira geográfica do “Velho Chico” e ganhou nome de Rei do Baião em homenagem à cultura nordestina.

Pithecopus gonzagai, como foi batizada, tem cores vivas, baixa estatura e diferenças acústicas e genéticas da Pithecopus nordestinus que foram essenciais na descoberta, publicada no último dia 10 na revista internacional, European Journal of Taxonomy, especializada na ciência da classificação de espécies.

E a homenagem a Luiz Gonzaga não ficou só no nome do bicho. A história da perereca localizada em Limoeiro (PE) – pernambucana como Gonzagão – é contada em um clipe exclusivo. Um baião que ganha vida na voz do cantor, compositor e instrumentista Daniel Gonzaga, neto do Rei e filho de Gonzaguinha.

O estudo da Unicamp foi concluído em parceria com as universidades federais do Paraná (UFPR) e de Uberlândia (UFU), após uma extensa expedição por 27 localidades do Nordeste, em média 150 km distantes umas das outras, e análises minuciosas em laboratório.

“Chegamos num nível de estudos muito profundo com a nossa fauna brasileira, principalmente a de anfíbios. Chegamos nas espécies crípticas, que são aquelas indistinguíveis morfologicamente.”, explica o doutor em biologia animal pela Unicamp e primeiro autor da pesquisa, Felipe Andrade.

Geografia e reprodução

Junto com Andrade, assinam o artigo Isabelle Aquemi Haga (UFU), Johnny Sousa Ferreira (UFPR), Shirlei Maria Recco-Pimentel (Unicamp), Luís Felipe Toledo (Unicamp) e Daniel Pacheco Bruschi, professor do departamento de genética da UFPR, que, em seu doutorado, desenhou a estratégia da expedição para buscar as variações genéticas nos animais.

As análises e as percepções começaram anos atrás, em 2012, em meio à desconfiança de que o isolamento geográfico das populações pelo “Velho Chico” pudesse ter originado uma espécie nova ao longo de muitos anos. A reunião dos estudos ocorreu em 2019, e os pesquisadores verificaram que as duas espécies-irmãs são reprodutivamente isoladas.

“Analisamos sequências de DNA mitocondrial e DNA nuclear, e conseguimos constatar essa diferenciação entre as duas espécies”, afirma Bruschi.

 

Pithecopus gonzagai, espécie-irmã de perereca encontrada na região Nordeste do Brasil — Foto: Michel de Aguiar Passos

Pithecopus gonzagai, espécie-irmã de perereca encontrada na região Nordeste do Brasil — Foto: Michel de Aguiar Passos

 

“Quando populações se reproduzem entre si, essas variações genéticas que surgem acabam se espalhando na espécie como um todo. Quando o fluxo gênico entre elas é interrompido, cada espécie passa a evoluir de maneira independente, acumulando variações genéticas que isolam uma das outras reprodutivamente.”, completa o pesquisador.

Com auxílio da população local nas diversas cidades que visitaram, cerca de 200 pererecas foram coletadas; todas posteriormente depositadas em coleções científicas, segundo Bruschi. “Completamos com amostras depositadas em bancos de tecidos e coleções científicas brasileiras, que foram fundamentais nessa estratégia”, afirma.

Além de Pernambuco, a gonzagai também ocorre nos estados de Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

 

Pesquisador Daniel Bruschi durante busca por pererecas para estudo sobre variação genética em lados opostos do Rio São Francisco — Foto: Arquivo pessoal

Pesquisador Daniel Bruschi durante busca por pererecas para estudo sobre variação genética em lados opostos do Rio São Francisco — Foto: Arquivo pessoal

 

Felipe Andrade ressalta as diferenças no canto da espécie e também em dados estatísticos encontradas ao longo da pesquisa, nas análises morfométricas.

“O canto, a gente encontrou uma diferença ou outra em relação à sua espécie-irmã. Acusticamente, elas são semelhantes. Em relação à morfologia externa, os bichos são muito parecidos, mas encontramos diferenças estatísticas importantes em relação ao tamanho corpóreo da gonzagai. Ela é menor do que a sua espécie-irmã”, ressalta o taxonomista.

Futuro incerto

Com a transposição do Rio São Francisco, que tem o objetivo de direcionar água para regiões mais secas do Nordeste, Andrade alerta que a mudança geográfica poderá impactar, no futuro, na conservação da nova espécie e da espécie-irmã já conhecida. Será preciso observar o comportamento delas ao longo de anos para traçar um diagnóstico.

“No artigo, fizemos duas predições: ou a transposição pode diminuir a eficácia do rio em atuar como uma barreira geográfica, que é o que observamos hoje, ou, ainda, pode criar novas barreiras artificiais em outros lugares. Sugerimos uma pesquisa de vários anos para avaliar, com uma base de dados espaçados no tempo.”.

 

Felipe Andrade, taxonomista e doutor em biologia animal pela Unicamp — Foto: Arquivo pessoal

Felipe Andrade, taxonomista e doutor em biologia animal pela Unicamp — Foto: Arquivo pessoal