O AGRO NA SAÚDE HUMANA

Os ovos das vacinas

1 de maio de 2021

Dos 48 bilhões de ovos de galinha por ano, o Agro brasileiro destina parte da produção para fabricação de vacinas.

da redação

 

Evaristo de Miranda – Evaristo de Miranda é colaborador da Folha do Meio, escritor, doutor em Ecologia, pesquisador e diretor do Centro de Pesquisa Embrapa Territorial –  [email protected]

 

O agro brasileiro não deixou de produzir alimentos saudáveis, diversificados e em quantidade, tão essenciais à saúde dos brasileiros. Forneceu algodão para máscaras e roupas de proteção individual e álcool em gel. Agora será também uma peça fundamental no combate direto à epidemia de Covid-19. De um lado, produtores começam a participar do fornecimento de matéria-prima para uma nova vacina do Butantan. Do outro, as indústrias de saúde animal também poderão rapidamente fabricar centenas de milhões de vacinas.

 

O Brasil produz 48 bilhões de ovos de galinha por ano, mas uma parte disso não é para consumo como alimento. Nos últimos 15 anos, ovos especiais são produzidos com alta tecnologia pelo agro como insumo para fabricação de diversas vacinas destinadas a humanos e animais.

 

Anualmente, de 60 milhões a 70 milhões de ovos embrionados são fornecidos pelo agro entre os meses de setembro e abril para produzir vacinas contra a influenza nas campanhas contra a gripe. Além desses, outros ovos também são matéria-prima para as vacinas contra a febre amarela, entre outras. Agora, esses ovos galados ajudarão no combate à Covid-19.

 

 

OS TESTES COM A VACINA DO COVID

 

Desde março de 2020, a empresa GloboBiotech, de Cascavel, no Paraná, produziu pequenos lotes de ovos embrionados para testes com a nova vacina do Instituto Butantan contra o coronavírus: a ButanVac. Ao contrário da CoronaVac, ela utiliza ovos embrionados para inoculação do vírus morto no processo de fabricação. Agora, em nova etapa, mais de 500 mil desses ovos férteis foram acrescentados à linha de produção diária da GloboBiotech para atender ao Butantan. Se tudo correr bem, cerca de 25 milhões de ovos embrionados serão destinados à produção da ButanVac.

SOFISTICAÇÃO TECNOLÓGICA DAS GRANJAS

 

Poucos imaginam a sofisticação tecnológica das granjas fornecedoras de ovos para laboratórios. Elas ficam em locais isolados e altamente protegidos da passagem de pessoas e veículos no meio rural. Só para chegar até as galinhas, dois banhos de higienização, com mudança de traje, são necessários aos técnicos e trabalhadores.

E não são quaisquer galinhas. As linhagens dessas aves provêm das melhores empresas de genética mundial. Elas são adaptadas a essa finalidade e com genética específica para a produção de ovos controlados. E são recriadas em aviários totalmente automatizados, com sistemas de climatização e rígido controle sanitário, inspecionados por órgãos do Ministério e das Secretarias Estaduais de Agricultura.

A ração fornecida para esse tipo de ave é exclusiva. Existem fórmulas próprias de ração, em função da cepa viral a ser injetada nos ovos. A profilaxia das galinhas é total. Não pode haver nenhum resíduo de vacinação das aves no soro produzido. As rações são produzidas com os melhores ingredientes, com vitaminas e minerais balanceados, por fornecedores reconhecidos no mercado e previamente selecionados. Isso garante o teor nutricional específico e a qualidade para a produção dos ovos embrionados.

OVOS DEVEM SER GALADOS

Poucos imaginam a sofisticação tecnológica das granjas fornecedoras de ovos para laboratórios.

 

Todos os ovos devem ser galados. Para cada dez galinhas, existe um galo de serviço, especialmente selecionado para garantir os ovos fecundados. Dependendo do vírus inoculado no ovo, o embrião pode até morrer. Para garantir sua resistência, a alimentação adequada da galinha é decisiva. O transporte da ração é feito em caminhões próprios e exclusivos, diretamente das fábricas para as granjas. Todas as etapas de produção e todas as matérias-primas utilizadas são rastreáveis, para total segurança do processo.

As galinhas são criadas em granjas suspensas do chão com ambiente climatizado, oxigenação controlada e cuidados extremos de higiene e bem-estar, com garantias adicionais de sanidade absoluta. Os ninhos, as bandejas, e a coleta dos ovos são totalmente mecanizados, sem intervenção humana direta. Para se ter uma ideia, até a casa dos empregados é inspecionada. Eles não podem criar nenhuma ave, de espécie alguma.

A empresa conta com centros de incubação com rigoroso controle de produção, estrita biossegurança sanitária e boas práticas de fabricação. O pessoal, altamente qualificado, dedica-se exclusivamente a essa atividade. No incubatório, os ovos são selecionados por peso e tamanho. Essa central conta com toda a infraestrutura necessária para a inoculação direta dos antígenos que comporão a produção das vacinas.

 

TRANSPORTE ESPECIALÍSSIMO

Com 11 dias, os ovos embrionados e incubados são transportados para os laboratórios de produção de vacinas em caminhões exclusivos, desenvolvidos para essa finalidade. Com temperatura e umidade controladas, são verdadeiras máquinas incubadoras, conduzidas por profissionais treinados para garantir a segurança dos ovos até o seu destino no Butantan ou na Fiocruz.

Não apenas esses dois laboratórios públicos podem ajudar no combate à Covid-19. A indústria de saúde animal brasileira produz vacinas de altíssima biossegurança, em quantidades muito expressivas. As indústrias de produção de vacinas para bovinos, suínos, equinos, cães, gatos e aves podem fabricar imunizantes. Três unidades industriais, em Minas Gerais e São Paulo, com nível de biossegurança NB+3, produzem anualmente, entre outras, milhões de vacinas contra o vírus da febre aftosa, tanto para o país como para a venda no exterior.

Com o acesso à tecnologia do coronavírus inativado, essas indústrias poderiam em 90 dias produzir 200 milhões de doses de vacinas para humanos. Uma proposta do Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para a Saúde Animal foi entregue ao Senado Federal nesse sentido.

O Brasil exportou 1 milhão de toneladas de carne suína e mais de 2 milhões de toneladas de carne bovina em 2020. Essa exportação segue rigorosos protocolos internacionais, inclusive no tocante à vacinação, e atesta a seriedade e a qualidade no trato da saúde animal. As indústrias de saúde animal podem ser adaptadas rapidamente para fabricar vacinas contra a Covid-19.

A imunização contra a Covid não será resolvida rapidamente. Com o surgimento de novas variantes, talvez ela se torne um desafio crônico, como a influenza. O Brasil, a partir da indústria da saúde animal, pode produzir em poucos meses a vacina da Covid-19. E garantir plataformas adicionais para se tornar rapidamente independente, com a produção dos insumos no país (IFA). A Anvisa pode agilizar protocolos e aspectos regulatórios para essa operacionalização. Cabe lembrar: os maiores laboratórios de saúde humana no mundo são também organizações de saúde animal. A União Química, candidata a produzir a vacina russa Sputnik V no Brasil, por exemplo, atua em saúde animal. E a indústria de saúde animal já possui cadeia do frio e de logística para levar as vacinas aos pontos mais remotos do Brasil rural.

A melhor resposta a quem defende os próprios interesses protecionistas apontando o dedo para supostos problemas causados pela atividade agropecuária nacional ainda é colocar a eficiência a serviço da população brasileira.