AS PÉROLAS DO RIO TAPAJÓS 4

OS MUNDURUKUS E A EXPEDIÇÃO LANGSDORFF

3 de novembro de 2021

Em 1826, a Expedição Langsdorff percorreu no total 6 mil km pelos rios brasileiros.

Silvestre Gorgulho, de Santarém-PA

 

Para falar sobre os índios Mundurukus, vale antes falar da Expedição Langsdorff.  Esta foi a maior expedição que se fez no Planeta e, no seu final, em Santarém, teve um longo contato com os índios Mundurukus. A Expedição Langsdorff foi financiada por dois países: pela Rússia, com o Czar Alecsander I, e pelo Brasil, por D. Pedro I. Seu filho, D. Pedro II, só assumiu como Imperador em 7 abril de 1831.

 

Georg Heinrich von Langsdorff nasceu em Wöllstein, na Alemanha, em 8 de abril de 1774. Médico e explorador, deixou o conforto europeu, pelos idos de 1800, para pesquisar e documentar o sertão brasileiro. Contratou documentaristas de primeira grandeza para eternizar, em imagens, terras e florestas por onde passava. São os desenhistas Rugendas, Adrien Taunay e Hercule Florence. O barão assumiu a nacionalidade russa como Ivanovitch Langsdorff.

 

 

Os índios mundurukus desenhado por Hercule Florence em 1826.

 

A Expedição Langsdorff seria hoje como uma complexa expedição à Marte. O Brasil estava sendo redescoberto em suas entranhas. Langsdorff, um médico alemão naturalizado russo, falava português (trabalhou 2 anos em Portugal) fez pelo Brasil uma jornada de oito anos, de 1821 a 1829. Ele trouxe da Europa três “fotógrafos” para documentar – em desenhos – toda expedição: Rugendas, Taunay e Florence. Percorreu seis estados em duas etapas. Uma terrestre (1821-1825) e outra fluvial (1826-1829), a mais importante.

Dos 39 homens da tripulação, apenas 12 chegaram vivos ao destino. Um foi atacado por uma onça. O pintor Adrien Taunay desapareceu nas águas do rio Guaporé. O próprio Langsdorff perdeu o juízo, depois de contrair malária, em plena selva. A epopeia está toda documentada com desenhos e relatórios, enviados à Academia de Arte e Ciência de São Petersburgo.

Antes de mostrar o que a Expedição Langsdorff escreveu sobre os Mundurukus, apenas mais um detalhe importante.

A Expedição partiu em 22 de junho de 1826, do porto no rio Tietê, Porto Feliz. Trajeto: Rios TietêParanáPardo, Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço, Cuiabá, Preto, Arinos, JuruenaTapajós, Amazonas. Só entre São Paulo e Cuiabá, foram sete meses de viagem, percorridas 530 léguas (3.180 km) e vencidas 114 cachoeiras.

Langsdorff percorreu no total 6 mil km pelos rios brasileiros. Isso em 1826. É mole?!

Com cerca de 15 mil indivíduos, os Mundurukus são os povos indígenas de maior população do Brasil. Eles dominam o vale do rio Tapajós, próximo a Santarém, Jacareacanga e estão, também, no Mato Grosso e Amazonas.

 

A EXPEDIÇÃO LANGSDORFF

E OS MUNDURUKUS

Há 193 anos: um relato da Expedição Langsdorff

 

Devido à doença do Langsdorff, Hercule Florence assumiu a chefia da Expedição Langsdorff quando adentrou o território dos índios Mundurukus. Florence continuou a produzir os relatos que Langsdorff fazia para a Academia de Ciências de São Petersburgo, na Rússia, compromisso assumido com o Czar Alecsander I.

 

 

Interior da cabana dos Mundurukus. À esquerda, duas mulheres se ocupam de espremer a massa pilada pelas duas ao centro. Em primeiro plano, a mulher seca a massa numa grande panela de barro. À porta, os negociantes. Desenho de Florence, que provavelmente se inclui, de barba, como o primeiro negociante.

 

É interessante sentir como, em junho de 1828, portanto há mais de 193 anos, depois de percorrerem durante mais de um ano as entranhas do Brasil, esses pesquisadores descreviam os índios Mundurukus.

“No meio d’aqueles mundurukus fui assentar uma espécie de tenda de negociante, buscando trocar facas, machados e colares de todas as cores, por galinhas, patos e raízes nutritivas; única coisa que pude, apesar dos esforços, conseguir. Entretanto, a privação daqueles alimentos nos era extremamente sensível”.

 

FLORENCE DESENHA ALGUNS INDIVÍDUOS E DESCREVE A CONSTRUÇÃO DE SUAS CABANAS:

 “Como as mais choupanas de mundurukus e, aliás, as casas de pobres de todo o Brasil, essa era construída de paus-a-pique colocados juntinhos uns aos outros com um trançado horizontal de tiras de palmeiras ou taquaras amarradas com cipós, grade que, tapada com terra amassada n’água, forma muros e tapumes perfeitamente fechados. Fácil é, porém, conceber a pouca duração de tudo aquilo pelo que depressa se formam buracos e inúmeros interstícios, em que aninham múltiplos e nojentos insetos. A coberta é feita de sapé ou folhas de palmeira”.

 

FLORENCE ANOTA DETALHES DA ECONOMIA EXTRATIVA:

 “Espontâneos são em sua maior parte os produtos de exportação; a salsaparrilha que os colhedores vão buscar do Pará nas matas do Tapajós, a borracha fonte de grande riqueza futura; (…) o guaraná, tão procurado da gente de Cuiabá, e que um dia juntará uma beberagem fresca e aromática ao luxo dos botequins das cidades da Europa”.

 

Vista de Santarém, em 1826, onde o rio Tapajós deságua no rio Amazonas. Ilustração de Hercule Florence.

 

PARTIDA: 18 DE JUNHO DE 1828, VELAS ABERTAS PARA CONTINUAR A VIAGEM. DEIXA O RIO TAPAJÓS E VAI PELO RIO AMAZONAS ATÉ BELÉM.

“Como a goleta estava prestes a seguir viagem, não perdemos esse excelente ensejo de comodamente alcançarmos Santarém. Dissemos então adeus à nossa camaradagem, e adeus eterno, pois ela, naquelas mesmas canoas, devia regressar para o lugar de onde tinha saído, afrontando novamente os perigos de que nos víamos livres; e, agradecendo ao comandante sua amável hospitalidade, abrimos no dia 18 de junho de 1828 as velas à bonançosa brisa, no meio de salvas que de terra e água saudavam nossa partida. Tão fraco se achava o Sr. Langsdorff, que só carregado em rede é que pode ser embarcado”.