THOMAS LOVEJOY – UM BIÓLOGO AMAZÔNICO

LOVEJOY

1 de janeiro de 2022

O TOM MAIOR DO LEGADO DA SUSTENTABILIDADE

Silvestre Gorgulho

 

O Brasil perdeu um grande amigo, o desenvolvimento sustentado perdeu um mestre e a Floresta Amazônica perdeu um de seus mais importantes e dedicados pesquisadores: faleceu em Washington, aos 80 anos, Thomas Lovejoy. Biólogo e ambientalista, aluno brilhante da Milbrook School e formado pela Universidade de Yale, Tom Lovejoy foi um dos principais nomes em defesa da preservação da Amazônia e da biodiversidade da região. Conheci Tom Lovejoy por meio de um amigo comum, tão importante na área ambiental quanto ele: Paulo Nogueira-Netto.

 

O Brasil deve a Tom Lovejoy o maior e mais antigo experimento sobre a floresta amazônica (foto: Silvestre Gorgulho)

 

QUEM É THOMAS LOVEJOY

Thomas Lovejoy é um pesquisador especial. Norte-americano de nascimento, mas brasileiríssimo pelos trabalhos realizados na Amazônia e pelas amizades construídas em todo Brasil. Chegou à Amazônia em 1965. Em 1979, plantou próximo a Manaus, uma ARIE – Área de Relevante Interesse Ecológico, com o nome de Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais. Agora, 42 anos depois, o projeto passou a colher uma supersafra de estudos técnicos, explicações científicas e respostas importantíssimas que vão direcionar a correta e eficiente ocupação e proteção da floresta. É com essa responsabilidade de quem pesquisou muito e estudou profundamente o solo e as condições climáticas que Tom Lovejoy é considerado um dos mais importantes pesquisadores da Florestga Úmida Tropical.

 

Thomas Lovejoy e um grupo de pesquisadores em visita ao Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, uma área degradada a 60 quilômetros ao norte de Manaus.

 

DOUTORADO NA AMAZÔNIA

Desde 1965, o biólogo Thomas Lovejoy desenvolve estudos sobre a floresta tropical. Sua paixão pela Amazônia começou ainda nos bancos escolares da Universidade de Yale, quando Lovejoy fez a sua pesquisa de doutorado na Amazônia nos anos 60 e fincou raízes definitivas no Brasil.

“Sempre fui fascinado por diversidade biológica e imaginava ter uma vida cheia de aventuras científicas. A Amazônia era esse mundo selvagem inacreditável e tropical. Era como se eu tivesse morrido e chegado ao Paraíso. Era fascinante, e aos poucos passei de simplesmente fazer ciência. A fazer ciência e conservação ambiental”, explicou Tom Lovejoy quando viajamos juntos em 2001 para conhecer seu PDBFF – Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, em 1979, numa área da Suframa a 60 quilômetros ao norte de Manaus.

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

A trajetória profissional de Thomas Lovejoy também ficou marcada por contribuir com vários governos dos Estados Unidos. Foi conselheiro dos ex-presidentes dos Estados Unidos Ronald Reagan e Bill Clinton. Acompanhou e assessorou o vice-presidente dos Estados Unidos e Prêmio Nobel da Paz, Al Gore.

Foi diretor do Smithsonian Museum e fundador do Amazon Biodiversity Center e do Biological Dynamics of Forest Fragmentation Project (BDFFP). Ajudou a criar a TV Futura e chefiou pesquisas para o Banco Mundial e para as Nações Unidas.

 

TOM LOVEJOY: BIODIVERSIDADE

É BIBLIOTECA DE VIDA

O Brasil vive um paradoxo. Veja que o Brasil é um dos lugares do mundo onde há a maior concentração da biodiversidade. Mas também é o país onde há grandes concentrações de espécies sob ameaça de extinção.

Em 2005, Thomas Lovejoy deu a seguinte entrevista à Folha do Meio Ambiente

 

Folha do Meio – Qual a amplitude do termo biodiversidade?
Lovejoy –
Nós temos que pensar na biodiversidade pela lente da evolução em que uma única espécie dá origem a muitas outras em uma radiação evolucionária. Podemos pensar, também, como o número total de espécies no planeta Terra. Mas o que é certo, mesmo, é que ainda pouco sabemos sobre essa fantástica biodiversidade, sobre as espécies que compartilham o nosso Planeta. Hoje, um dos grandes projetos científicos deveria ser o inventário de toda a variedade de vida existente no mundo. O que é chamado árvore da vida está mais para arbusto, pois a estimativa em relação ao número de espécies varia entre 10 a 100 milhões.

FMA – O homem tem muito ainda para estudar e pesquisar…
Lovejoy –
Olha, a biodiversidade do mundo é mais ou menos igual a uma grande biblioteca. É fundamental para as ciências da vida. Há séries contínuas de descobertas e de introspecções sobre como os sistemas biológicos funcionam que vieram de fontes imprevisíveis da natureza. Por exemplo, vamos pegar os antibióticos. Eles surgiram de uma placa de cultura de laboratório contaminada com o “Penicillium” do queijo roquefort. Outro exemplo, a descoberta do sistema da angiotensina de regulagem da pressão sanguínea através dos estudos realizados no Instituto Butantan com o veneno da cobra surucucu.  É importante salientar o interesse de tratar esta biblioteca viva, que é a biodiversidade, com o mesmo respeito, interesse e proteção que tratamos as bibliotecas de livros escritos pelo homem.

FMA – E como o homem está influindo na biodiversidade?
Lovejoy –
Há que ter um alerta para o descaso com que o homem trata o seu habitat. Não é nenhum segredo que a biodiversidade está sendo perdida rapidamente em quase toda parte do mundo e que nós estamos no começo do que poderá ser a sexta grande extinção na história da vida na Terra. O homem está afetando a biodiversidade de várias formas. Uma delas, que ele chama de “colheita excedente”, está relacionada às atividades humanas ligadas à alimentação, como pastagens, pesca e plantações.
Outra força destrutiva é a fragmentação do habitat, com a destruição de florestas e extinção de espécies. Por exemplo, a devastação da Mata Atlântica na Bahia e de parte da floresta Amazônica, provocada pelo povoamento humano. Uma outra maneira que nós afetamos a biodiversidade é facilitando, frequentemente de forma não intencional, o transporte das espécies a lugares onde não ocorrem naturalmente. É o caso das águas-vivas do litoral do Atlântico, que são transportadas pelas águas de lastro dos navios até o Mar Negro, fazendo com que sua biomassa provoque um “curto-circuito” no ambiente. Aí começam os problemas, no caso prejudica a pesca da anchova. A poluição e o uso de agrotóxicos na lavoura são outros fatores que contribuem para impactar a biodiversidade no mundo.

FMA – E como promover a proteção da biodiversidade?
Lovejoy –
De várias formar. Um elemento chave para a conservação da biodiversidade é a proteção de áreas, como o Brasil adota sob o nome de Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Colocando de lado os problemas de gestão do projeto, o objetivo deve ser a manutenção de um sistema para proteger a área de biodiversidade do País como um todo. O ideal seria adotar uma ação similar para cada um dos estados.

FMA – Como o senhor vê a questão da biodiversidade no Brasil, em relação ao trabalho de preservação?

Lovejoy – Conheço, admiro, sou fascinado e até me considero muito brasileiro. Mas o Brasil vive um paradoxo. Veja que o Brasil é um dos lugares do mundo onde há a maior concentração da biodiversidade. Mas também é o país onde há grandes concentrações de espécies sob ameaça de extinção. Eu gosto de dizer que são nestes lugares que “action teams” [equipes de ação] da conservação devem agir primeiro. Mata Atlântica e Cerrado são prioridades para a ação de conservação no Brasil. Os responsáveis pelos governos têm um papel preponderante neste processo de proteção ao meio ambiente, mas devem depender da consciência pública como condição básica para sua vontade política.

FMA – As estratégias de conservação no mundo de hoje são corretas?
Lovejoy –
Olha, as estratégias de conservação devem ser intensificadas na agenda ambiental de cada país, tendo em vista a perspectiva de mudança climática, com o aquecimento global e aumento de poluição.

FMA – E em relação ao efeito estufa?
Lovejoy –
Em relação ao efeito estufa, acredito que esse seja um dos itens mais importantes para evitar a interferência perigosa nos ecossistemas. Minha suposição é que o limite das emissões deve ser menos que as 450 partes por milhão estipuladas. Isso será algo difícil de se conseguir pela tendência e relutância dos governos para fazer estas mudanças, aliás, como é o caso dos Estados Unidos.
Outro importante fator a ser controlado é a queima de biomassa. A última contagem colocava o Brasil como a nação que mais emite. A boa notícia é que o reflorestamento e a redução do desmatamento podem fazer contribuições importantes para reduzir as emissões e limitar concentrações do gás carbônico (CO2). Acredito que seja importante salientar que os oceanos já são até certo ponto ácidos, em razão das altas concentrações de CO2 na atmosfera. Uma mudança extremamente importante que afeta os recifes de coral e os diversos organismos que formam o esqueleto de carbonato de cálcio, um equilíbrio que depende do PH.

FMA – E a questão da biopirataria?

Lovejoy – Essa é uma questão várias vezes levantadas e eu tenho minha opinião. E sou sempre enfático quando discuto essa questão. A verdade é que o Brasil perde muito mais biodiversidade com o desmatamento e com a queima da floresta, que se esvai em CO2, do que com a biopirataria. Mas, felizmente, o Brasil que tem uma parte tão fabulosa da diversidade da vida, é um líder na produção científica e na política ambiental global. Veja, por exemplo, a participação do Brasil como anfitrião da RIO-92 e também a proposição brasileira para o MLD ou o Mecanismo Limpo do Desenvolvimento, apresentado na Convenção da Mudança Climática. Foram ações brasileiras de vanguarda e que trouxeram e ainda vão trazer grandes contribuições para a humanidade. A melhor defesa contra a biopirataria é justamente o Brasil construir um vibrante, sério e profundo trabalho de pesquisa e um programa de desenvolvimento sustentado nesta região.