Estudo aponta que falta de saneamento prejudica mais de 130 milhões de brasileiros
26 de março de 2022Quase 35 milhões de pessoas no Brasil vivem sem água tratada e cerca de 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto, resultando em doenças que poderiam ser evitadas, e que podem levar à morte por contaminação. Esse é o cenário quase dois anos depois de entrar em vigor o Novo Marco Legal do… Ver artigo
Quase 35 milhões de pessoas no Brasil vivem sem água tratada e cerca de 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto, resultando em doenças que poderiam ser evitadas, e que podem levar à morte por contaminação. Esse é o cenário quase dois anos depois de entrar em vigor o Novo Marco Legal do Saneamento, sancionado na Lei 14.026 de 2020, quando os investimentos no setor atingiram R$ 13,7 bilhões — valor insuficiente para que sejam cumpridas as metas da legislação atualizada.
Somente 50% do volume de esgoto do país recebe tratamento, o que equivale a mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura sendo despejadas diariamente na natureza. Municípios dos estados do Paraná, São Paulo e Minas Gerais ocupam as primeiras posições do ranking, liderados por Santos (SP). Entre os 20 piores estão municípios da região Norte, alguns do Nordeste e Rio de Janeiro. A última posição é ocupada por Macapá (AP).
Os dados constam da 14ª edição do Ranking do Saneamento, publicado pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, com foco nos 100 maiores municípios brasileiros. Divulgado na terça-feira (22), quando se comemorou o Dia Mundial da Água, o relatório faz uma análise dos indicadores de 2020 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. O estudo busca mostrar quais são os desafios que o Brasil ainda enfrenta para cumprir com os compromissos nacionais e internacionais em água tratada, coleta e tratamento de esgoto.
Ao comparar as 20 melhores cidades do ranking contra as 20 piores, o estudo aponta diferenças nos indicadores de acesso. Enquanto 99,07% da população das 20 melhores têm acesso a redes de água potável, 82,52% da população dos 20 piores municípios têm esse serviço.
O estudo também aponta discrepância na porcentagem da população com rede de coleta de esgoto: 95,52% da população nos 20 melhores municípios têm os serviços; enquanto somente 31,78% dos moradores nos 20 piores municípios são abastecidos com a coleta do esgoto.
20 municípios com maior percentual da população atendida por redes de água e esgoto |
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Município | UF | % da população com acesso a água | % da população com acesso a esgoto |
Santos | SP | 100 | 99,93 |
Uberlândia | MG | 100 | 98,22 |
São José dos Pinhais | PR | 99,99 | 81,96 |
São Paulo | SP | 99,3 | 96,3 |
Franca | SP | 100 | 99,6 |
Limeira | SP | 97,02 | 97,02 |
Piracicaba | SP | 100 | 100 |
Cascavel | PR | 99,99 | 99,99 |
São José do Rio Preto | SP | 96,03 | 93,49 |
Maringá | PR | 99,99 | 99,98 |
Ponta Grossa | PR | 99,99 | 99,98 |
Curitiba | PR | 100 | 99,98 |
Vitória da Conquista | BA | 97,66 | 82,96 |
Suzano | SP | 100 | 93,09 |
Brasília | DF | 99 | 90,9 |
Campina Grande | PB | 99,73 | 91,98 |
Taubaté | SP | 100 | 99,7 |
Londrina | PR | 99,99 | 99,98 |
Goiânia | GO | 99,07 | 92,71 |
Montes Claros | MG | 83,71 | 84,92 |
20 municípios com menor percentual da população atendida por redes de água e esgoto |
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Município | UF | % da população com acesso a água | % da população com acesso a esgoto |
Macapá | AP | 37,56 | 10,78 |
Porto Velho | RO | 32,87 | 5,88 |
Santarém | PA | 50,9 | 4,14 |
Rio Branco | AC | 53,16 | 21,29 |
Belém | PA | 73,41 | 17,14 |
Ananindeua | PA | 33,8 | 30,18 |
São Gonçalo | RJ | 90,12 | 33,49 |
Várzea Grande | MT | 96,71 | 29,88 |
Gravataí | RS | 95,24 | 38,17 |
Maceió | AL | 89,61 | 43,03 |
Duque de Caxias | RJ | 88,72 | 37,47 |
Manaus | AM | 97,5 | 21,95 |
Jaboatão dos Guararapes | PE | 79,76 | 21,78 |
São João do Meriti | RJ | 100 | 60,38 |
Cariacica | ES | 84,67 | 34,69 |
São Luís | MA | 85,73 | 49,78 |
Teresina | PI | 96,23 | 35,74 |
Recife | PE | 89,45 | 44,01 |
Belford Roxo | RJ | 100 | 43,23 |
Canoas | RS | 100 | 46,66 |
Fonte: 14ª edição do Ranking do Saneamento, do Instituto Trata Brasil, com base em informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS)
Doenças
O estudo foi lançado no Dia Mundial da Água, comemorado em 22 de março. Na mesma data, em sessão no Senado, ao comentar o relatório do Instituto Trata Brasil, o senador Paulo Paim (PT-RS) destacou que problemas de saúde como a disenteria, além da doença de Chagas, poderiam ser evitadas com o aumento da cobertura e com a qualidade dos serviços de saneamento.
Paim ainda citou dados do IBGE apontando que a falta de saneamento mata 11 mil pessoas por ano no Brasil. Desse número, há uma grande quantidade de óbitos de idosos com 60 anos ou mais, afirmou o senador. Ele ressaltou ainda que a água está no centro do desenvolvimento sustentável, ligada ao Objetivo 6 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) para o desenvolvimento, que defende o acesso universal e equitativo à água potável e ao saneamento até 2030.
— Fui constituinte, participei [da elaboração] da Constituição, do Estatuto da Cidade, do Estatuto do Idoso. Saneamento básico, coleta de esgoto e água tratada são direitos dos brasileiros. Salvam vidas. Considerar o planejamento de políticas públicas de longo prazo, mais e melhores investimentos, ajuda no avanço dos indicadores sociais e na qualidade de vida. A água é pauta na agenda planetária. Neste século a humanidade vai matar e morrer, não só por causa da economia, da geopolítica, de ideologias, mas também por causa de problemas climáticos. E aí entra a falta de água. Desastres ambientais e falta de água pioram a pobreza e a fome e aumentam a violência. Segundo as Nações Unidas, desde 2010, cerca de 21,5 milhões de pessoas no mundo foram obrigadas a se mudar, em média, por ano, devido a essas questões. Por isso, são migrantes e refugiados — disse Paim.
Rodrigo Cunha (PSDB-AL) foi outro senador a repercutir o trabalho publicado pelo instituto.
“O resultado mostra o descaso do governo de AL: nossa capital é a 91ª de 100 cidades. Imagine no interior? Para piorar, a BRK aumentou a tarifa e cortou a água dos mais pobres. Seguimos combatendo esse absurdo”, escreveu o representante alagoano.
Novo marco legal
O novo marco do saneamento básico (Lei 14.026, de 2020) completou um ano em julho de 2021. Sancionada com 12 vetos presidenciais, mantidos posteriormente pelo Congresso Nacional, a norma alterou a legislação então em vigor como forma de abrir caminho para atrair investimentos privados para o setor e universalizar o tratamento de esgoto e o abastecimento de água no país.
A nova lei teve como base a Medida Provisória (MP) 868/2018, que perdeu a validade sem ter sua apreciação concluída no Congresso. Assim, o governo enviou ao Legislativo um projeto sobre o mesmo tema (PL 4.162/2019), relatado no Senado por Tasso Jereissati (PSDB-CE). O texto aprovado por deputados e senadores deu origem ao novo marco legal. As medidas a serem tomadas a partir dele, no entanto, ainda estão atrasadas, como registrou o relator da matéria.
— Há um atraso muito grande dos estados em fazer os seus projetos de regionalização, o que pode vir a afetar enormemente a eficiência do novo marco do saneamento — disse Tasso à Rádio Senado.
Regras
Com a aprovação da lei, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) passou a editar normas de referência. Essas regras de caráter geral devem ser levadas em consideração pelas agências reguladoras de saneamento infranacionais (municipais, intermunicipais, distrital e estaduais) em sua atuação regulatória. O novo marco legal do saneamento básico inclui, entre os seus princípios fundamentais, a prestação regionalizada dos serviços, com vistas à geração de ganhos de escala e à garantia da universalização; seleção competitiva do prestador dos serviços; e prestação concomitante dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
Para que o Brasil consiga universalizar os serviços de esgotamento sanitário no Brasil, com base no horizonte de planejamento de 2035, o Atlas Esgotos: Despoluição de Bacias Hidrográficas, da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, aponta que são necessários investimentos de R$ 149,5 bilhões, dos quais R$ 101,9 bilhões precisam ser aplicados em coleta de esgotos, enquanto R$ 47,6 bilhões devem ser empregados no tratamento. No Brasil há 60 agências infranacionais atuando no setor de saneamento, sendo 25 estaduais, uma distrital, 28 municipais e seis intermunicipais. Em termos de abrangência, aproximadamente 65% dos municípios brasileiros estão vinculados a essas entidades.
Operadoras privadas
Na avaliação da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon/Sindcon), entidade que reúne as operadoras privadas de saneamento no Brasil, o novo marco legal do saneamento estabeleceu as premissas fundamentais para o Brasil deixar de figurar nos últimos lugares do ranking mundial de cobertura de serviços de água e esgoto à população.
A Abcon/Sindcon considera que a Lei 14.026, de 2020, aponta um caminho estruturado para o setor, ancorado em três grandes pilares que visam a universalização dos serviços de saneamento básico: regulação adequada; maior competição; geração de ganhos de escala aprimorada na prestação dos serviços.
A entidade ressalta que a regulação adequada decorrerá da atuação da ANA, com a edição de normas de referência do setor e apoio aos reguladores infranacionais. Considera ainda que a competição promoverá mais eficiência e maior abertura do mercado aos novos operadores, viabilizando os investimentos necessários para a universalização e promovendo maior qualidade dos serviços prestados à população.
Edição: Moacyr de Oliveira Filho
Edição de multimídia: Kátia Moreira da Silva
Infografia: Diego Bruno Jimenez
Chefia de reportagem: Patrícia Oliveira
Supervisão de edição: João Carlos Teixeira
Capa: Rogério Reis/Aquapollo
Fonte: Agência Senado