AMAZÔNIA

AMAZÔNIA: CONQUISTA LUSO-BRASILEIRA

1 de novembro de 2022

Tanta gente fala da Amazônia sem ter a menor ideia de como esse território, metade do país, foi incorporado e integrado ao Brasil.

Evaristo de Miranda – Escritor, Doutor em Meio Ambiente e pesquisador da Embrapa

Evaristo de Miranda – Escritor, Doutor em Meio Ambiente e pesquisador da Embrapa

 “A Amazônia, conhecemo-la aos fragmentos. (…)
A inteligência humana não suportaria, de improviso,
o peso daquela realidade portentosa.”
Euclides da Cunha, Um Paraíso Perdido

Em 5 de setembro, às vésperas dos 200 anos da Independência do Brasil, festejou-se o Dia da Amazônia. Nessa data, em 1850, D. Pedro II criou a província do Amazonas e fortaleceu sua autonomia e seu desenvolvimento. Para destacar a iniciativa de D. Pedro II e a Amazônia, a Lei nº 11.621, em 2007, determinou esse dia festivo. A Espanha inventou a Amazônia. Portugal a conquistou. E agora? Como desenvolvê-la e preservá-la?

 

No século 16, a Amazônia pertencia à Espanha. A pátria do cacau, da seringueira e do guaraná não era lusitana, nem de direito, nem de fato. De direito, estava incluída na partição espanhola, a Oeste da linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas, de 1494. De fato, Vicente Pinzon foi o primeiro a chegar à Amazônia, em fevereiro de 1500. Ele descobriu a foz do Amazonas, designado Rio de Santa Maria de la Mar Dulce. Suas águas, pelos cálculos dos marinheiros, avançavam 20 léguas mar adentro.

MAPA ANTIGO

Tendo partido de Quito, em 1541, a expedição de Francisco de Orellana desrespeitou ordens do comandante Pizarro na exploração do Rio Napo. Ela não retornou ao encontro do comandante, nem retornou a Quito. Desceu o Napo até encontrar um enorme rio, denominado mais tarde das Amazonas, após ataque feroz contra a expedição por parte de supostas índias guerreiras.

Na mitologia grega, as amazonas eram uma nação de guerreiras, iranianas provavelmente. Em seu reino não havia homens. Eram altas, fortes e ferozes. Desfiguravam seus corpos, cortando os seios para aperfeiçoar o manejo de arco e flechas. (Na realidade, péssima ideia, dada a musculatura envolvida.)

AS GUERREIRAS AMAZONAS

Por etimologia popular grega, a palavra amazonas foi relacionada com mazós, seio, dando ao a- inicial o valor de privativo, de onde a noção de sem seio (s), amputado (s) a fim de melhor lançarem flechas. A mais conhecida era Hipólita, Rainha das Amazonas. Ela ganhara um cinturão de ouro do deus Ares. Roubá-lo foi a nona tarefa de Hércules.

O explorador espanhol Orellana tropicalizou a lenda grega, graças à sua cultura greco-romana. O nome, atribuído originalmente a um grupo de guerreiras, foi ampliado ao rio e depois estendido a toda a bacia hidrográfica.

O interesse português pela Amazônia e pelo controle da embocadura do Rio Marañon começou cedo e foi claramente manifesto quando da primeira expedição povoadora do Brasil, comandada por Martim Afonso de Souza. Nos séculos 16 e 17, os portugueses tomaram uma série de ações, impulsionadas por uma política de Estado para conquistar a Bacia Amazônica.

Martim Afonso de Souza | Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

EXPEDIÇÃO DE PEDRO TEIXEIRA

Ponto decisivo nos muitos episódios dessa conquista foi a saga naval de Pedro Teixeira. Em 28 de outubro de 1637, ele organizou e comandou uma expedição integrada por 1,2 mil indígenas de remo e peleja, 70 soldados portugueses em 47 canoas e pessoal de apoio, num total de mais de 2 mil pessoas. Partiu discretamente de Cametá, no Pará. E não de Belém, para não denunciar suas intenções. Subiu o rio Amazonas e chegou até Quito, capital do Vice-Reino do Peru, surpreendendo a todos.

Pedro Teixeira realizou um reconhecimento pormenorizado, inclusive cartográfico, do Rio Amazonas. Em seu trajeto lançou marcos possessórios lusitanos e apossou-se das terras mais ocidentais da Amazônia. Registrou esse evento em ata notarial, registrada posteriormente em Belém, Lisboa e até em Madri, aproveitando o período de união das Coroas ibéricas. Uma antiga placa ainda registra esse feito na fachada externa da Catedral de Quito.

A exploração por bandeirantes, o mapeamento e a presença portuguesa em grande parte da bacia, sobretudo pelos missionários católicos, permitiram a Portugal integrar a Amazônia ao Brasil, negociada com a Espanha em 1750.

O brasileiro Alexandre de Gusmão, embaixador e secretário de Dom João V, argumentou os direitos portugueses sobre a Amazônia com base no princípio jurídico romano do uti possidetis, ainda em uso no Direito internacional: quem ocupa um território é seu proprietário.

FLORESTA AMAZÔNICA | Foto: Shutterstock

OS TRATADOS E AS FRONTEIRAS:

TUDO PELA AMAZÔNIA

O Tratado de Madri (1750), o de San Idelfonso (1777) e o do El Pardo (1778) substituíram as fronteiras de Tordesilhas. Pela posse da Amazônia, entre vários ajustes territoriais, Portugal abriu mão do controle de parte da embocadura do Rio da Prata e cedeu a província do Sacramento (atual Uruguai) à Espanha. Na Ásia, para obter a Amazônia, Portugal renunciou a seus direitos sobre as Filipinas e Ilhas Marianas. E, na África, cedeu à Espanha seus direitos sobre as ilhas de Fernando Pó, Ano Bom e toda a costa da foz do Rio Níger à do Ogooué no Gabão. Esse território hoje inclui Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial e Gabão. Tudo pela Amazônia!

A consolidação das fronteiras da Amazônia levou mais de século, do Império ao início da República. Foram muitas negociações com transferências de territórios, diversos acordos e tratados. Os de Ayacucho (1867) e Petrópolis (1903), com a Bolívia; o de Bogotá (1907), com a Colômbia; o de Limites (1851) e do Rio de Janeiro (1909), com o Peru; o da Questão do Pirara (1904), com a Inglaterra; e ainda a Questão do Amapá, com a França (1900).

AMAZÔNIA –  VONTADE POLÍTICA PORTUGUESA

 

A incorporação da Amazônia ao território brasileiro não foi obra do acaso. Os caminhos pelos quais a Coroa Portuguesa conquistou um território situado originalmente no domínio espanhol não foram aleatórios, e sim resultado de estratégia geopolítica e muita persistência. Eles deixaram marcas na história e no território. Um exemplo cristalino da vontade geopolítica portuguesa na região está nos nomes das cidades amazônicas.

No Brasil, cidades e acidentes geográficos têm seus nomes vinculados ao santo do dia de sua fundação ou descoberta, no calendário litúrgico católico: Baía de Todos os Santos, São Sebastião do Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Cabo de São Roque, Rio São Francisco, Espírito Santo, Natal, etc. Na Amazônia, não. Ali, as cidades reproduzem um mapa de Portugal na horizontal: Belém, Bragança, Viseu, Barcelos, Airão, Óbidos, Alenquer, Porto de Moz, Almeirim, Alter do Chão, Aveiro, Breves, Chaves, Santarém, Melgaço, Oeiras, Ourém e Vigia. Nomes como marcos de pedra, difíceis de apagar na geografia simbólica e na conquista da Amazônia luso-brasileira.

Vista aérea da Floresta Amazônica | Foto: Shutterstock

 

A VERDADE DA INTEGRAÇÃO

DA AMAZÔNIA AO BRASIL

Tanta gente fala da Amazônia sem ter a menor ideia de como esse território, metade do país, foi incorporado e integrado ao Brasil. A Amazônia segue apresentada de forma fragmentada, aqui e no exterior, em função de grupos de interesse, ideologias, oportunismos, etc. Quem quer saber a real situação se perde num cipoal de opiniões, informações e desinformações de instituições governamentais ou não, multiplicadas em redes sociais, com interesses geopolíticos e econômicos escusos. E pouca participação regional.

O governo federal deveria unificar os conhecimentos e produzir todo ano, no Dia da Amazônia, um relatório completo sobre a região. Uma espécie de State of the Amazon Region, anual, com ciência, dados, sínteses e análises dos principais temas, desafios e processos. Sua complexidade natural, agrária, agrícola, de infraestrutura e socioeconômica precisa ser conhecida.

A Amazônia é um dos biomas mais preservados do Brasil e do mundo, com 83,8% de vegetação nativa. São 22 tipos de florestas, nove de vegetação não florestal e vários tipos mistos. Somando as grandes superfícies hídricas (rios Negro, Tapajós, Madeira, Amazonas…), são 86% em ambiente natural.

Encontro das Águas dos rios Negro e Solimões | Foto: Shutterstock

Cerca de 42% da Amazônia já são áreas protegidas decretadas (unidades de conservação, terras indígenas…): 1,76 milhão de quilômetros quadrados em terras públicas. As áreas preservadas pelos produtores rurais, seguindo o Código Florestal, totalizam 1,21 milhão de quilômetros quadrados em terras privadas e 28,8% do bioma, segundo dados e mapas registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Entre áreas protegidas e preservadas, são 2,97 milhões de quilômetros quadrados, ou 70,8% da Amazônia. Outros 13% de vegetação nativa está em terras devolutas, áreas militares e imóveis rurais ainda sem CAR, totalizando 83,8% da Amazônia.

Floresta Amazônica | Foto: Shutterstock

AMAZÔNIA NÃO CAIU DO CÉU

Foi um longo caminho, de D. Manuel a D. Pedro II e aos inícios do século 20, para conquistar a Amazônia. Ela não caiu do céu. Pode ser perdida. Euclides da Cunha, há um século, vaticinou: “Se as nossas autoridades não se preocuparem com a Amazônia, mais cedo ou mais tarde, ela se destacará do Brasil, natural e irresistivelmente, como se desprega uma nebulosa de seu núcleo, pela expansão centrífuga de seu próprio movimento”.

A principal garantia da soberania nacional sobre a Amazônia é a presença humana. Uti possidetis. Dar vida digna a quase 30 milhões de habitantes da Amazônia, hoje com os piores índices de desenvolvimento social e saneamento. Avançar na regularização fundiária e na assistência a 1 milhão de produtores. Só em assentamentos do Incra, é meio milhão de famílias, em mais de 2,3 mil projetos agrários, a maioria ainda sem título da terra.

Morador das margens do Riu Ariarú, na Amazônia, com seu bicho-preguiça de estimação | Foto: Shutterstock

Sobre o desafio de unir preservação e desenvolvimento, o general Rodrigo Otávio Jordão Ramos deixou uma frase lapidar, um dístico presente na fachada dos quartéis na Amazônia: ‘Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la’.