VIADUTOS ECOLÓGICOS NO BRASIL E OUTROS PAÍSES
1 de agosto de 2023Mais do que simples passarelas, são estruturas largas e com vegetação sobre rodovias e ferrovias.
Não são simples passarelas, mas são estruturas sofisticadas de concreto, largas e com vegetação. Corredores ecológicos sobre rodovias e ferrovias, começam a surgir meios eficazes para conectar fragmentos de florestas e reduzir o risco de atropelamentos. O último foi inaugurado em agosto, sobre a BR-101, na região do Rio de Janeiro onde vive a maior população silvestre de micos-leões-dourados. Segundo pesquisadores, a espécie precisa de 25 mil hectares de florestas conectadas para não correr risco de extinção.
No Brasil existem outros três viadutos com vegetação: um em São Paulo, sobre a Rodovia dos Tamoios, e dois sobre um ramal ferroviário da Vale no Pará, usado para transporte de minério de ferro. No resto do mundo, viadutos para travessia de fauna são a prova de eficiência. A Holanda tem 30 construídos, e mais 20 em planejamento. No Canadá, só o Parque Nacional Banff tem 44 passagens: seis viadutos vegetados e 38 passagens subterrâneas.
Os viadutos ecológicos foram projetados para reduzir o impacto da fragmentação do habitat e o risco de atropelamentos, fatores responsáveis por extinção de espécies e alta mortandade da fauna.
O recém-inaugurado viaduto vegetado (em inglês, overpass) sobre a BR-101, na área de ocorrência do ameaçado mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) no estado do Rio de Janeiro, chamou a atenção para a possibilidade do aumento da implantação dessas estruturas no Brasil. Somente outros três desses viadutos, sendo dois em uma mesma linha férrea, existem em território nacional.
Viaduto sobre a BR-101, no Rio de Janeiro. À esquerda da rodovia está a Reserva Biológica de Poço das Antas; à direita, uma área que está sendo reflorestada. Quando toda a vegetação crescer, tanto a do viaduto e quanto a da área reflorestada, haverá um contínuo de vegetação uniforme. Foto: Wanderson Chan/AMLD.
“A função primária dos viadutos vegetados é restabelecer a conexão entre os ambientes dos dois lados da rodovia ou ferrovia e aumentar a possibilidade de travessias seguras, sobretudo para animais que de outra forma evitariam cruzar a via”, explica o biólogo e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NERF-UFRGS), Andreas Kindel.
Para algumas espécies, a clareira gerada pela estrada, o ruído, a poluição e o movimento de veículos inibem e até impedem a circulação dos animais por um ambiente que já foi uma paisagem única, não dividida. É o que acontece com algumas espécies de aves que vivem no sub-bosque de florestas (região logo abaixo das copas das árvores maiores), anfíbios que habitam o solo forrado com folhas e alguns pequenos mamíferos que frequentam as copas das árvores (dossel), como roedores e marsupiais. “Esses animais evitam as estradas. Raríssimos são os registros de atropelamentos desses grupos”, explica Andreas Kindel.
FONTES DE ALIMENTOS E ÁGUA
Outro problema é a possibilidade de separar os animais de fontes de água e alimento, bem como causar problemas para processos migratórios. Populações de determinadas espécies também podem ficar restritas em áreas que não têm a capacidade de sustentá-las, gerando uma disputa interna entre os animais.
Evitar atropelamentos, que segundo o Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas (CBEE) são responsáveis pela morte de 475 milhões de animais silvestres no Brasil todos os anos, é uma função secundária dos viadutos vegetados. Kindel afirma que as cercas são ferramentas mais efetivas, pois impedem a interação entre veículos e animais. “Viadutos vegetados e outros tipos de passagens de fauna, sozinhos, não reduzem a mortalidade ou reduzem muito pouco”, salienta o pesquisador.
De acordo com Kindel, os viadutos são construídos em contextos bastante específicos, em geral quando a implantação da rodovia ou ferrovia envolve corte do relevo, como os morros. O projeto dessas estruturas deve levar em consideração a sua proximidade das formações vegetais remanescentes a serem conectadas, a garantia da manutenção dessa cobertura vegetal nativa das áreas ligadas, evitando o risco da expansão agrícola, da urbanização ou de outras infraestruturas inviabilizarem o ganho das áreas religadas, além de preferencialmente desfragmentar corredores de vegetação de abrangência regional e não somente local.
Mas para que os viadutos vegetados realmente funcionem, é necessária a instalação de um sistema com cercas para guiarem os animais até a estrutura. Elas impedem o acesso da fauna à rodovia ou aos trilhos e direcionam o deslocamento até o ponto de travessia. Se o trecho superior do viaduto tiver uma cobertura vegetal com as mesmas características de vegetação do entorno, há grande chance de ele ser utilizado.
AJUDANDO OS MICOS-LEÕES-DOURADOS
O viaduto vegetado construído na altura do km 218 da BR-101, em Silva Jardim (RJ), foi concluído no início de agosto. Ele é resultado de intensa mobilização da Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD), que a partir de 2012 se empenhou para conseguir a implantação de medidas que reduzissem os impactos da duplicação da rodovia ao ameaçado mico-leão-dourado e demais espécies da fauna da região.
A construção da BR-101 na década de 1950 ajudou no processo de fragmentação do habitat dos micos-leões-dourados. Atualmente, na altura do município de Silva Jardim, a pista está duplicada, o que torna ainda mais difícil atravessar a rodovia. De um lado da pista está a Reserva Biológica de Poço das Antas, onde vive a maior população da espécie; do outro, vários fragmentos de Mata Atlântica conservados em fazendas, reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs) e o Parque Estadual dos Três Picos.
A proposta de construção de um viaduto vegetado surgiu em 2014, quando a AMLD organizou um encontro técnico com pesquisadores, gestores das unidades de conservação da região e da Arteris Fluminense, concessionária responsável pela rodovia. A duplicação terminou antes mesmo que qualquer estrutura para a fauna fosse construída.
Toda a população silvestre de micos-leões-dourados — cerca de 2.500 indivíduos — vive em pequenos remanescentes de Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro. Segundo pesquisadores, são necessários 25 mil hectares de florestas contínuas para que a espécie não corra risco de extinção. Foto: Andreia Martins/AMLD.
NA SERRA DO MAR PAULISTA
O outro viaduto vegetado em rodovia existente no Brasil foi construído na altura do quilômetro 25,8 da SP-99 (Rodovia dos Tamoios), que liga São José dos Campos a Caraguatatuba, no estado de São Paulo. A estrutura, concluída em junho de 2018, foi erguida durante a duplicação da estrada, em um local chamado Serrinha, exatamente onde houve o corte de um morro.
De acordo com a empresa do governo paulista Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), responsável pelo projeto de duplicação da estrada, o viaduto vegetado, além de sete passagens de fauna inferiores (que passam por baixo da pista) e uma passagem feita com cabos entre copas de árvores, foram projetados para reduzir atropelamentos após a realização de campanhas de monitoramento de fauna na região.
Além desses dois viadutos, há planos de construir mais um terceiro sobre uma rodovia. Com projeto pronto, mas sem contrato de execução, ele será implantado na altura do quilômetro 54,5 da rodovia BR-280, em Santa Catarina. De acordo com o DNIT, o viaduto reconectará um fragmento de Mata Atlântica de cerca de 10 km² junto à cidade de Guaramirim com outro bem maior que chega até as proximidades de São Bento do Sul e ao trecho paranaense da Serra do Mar. Ele terá 40 metros de comprimento e 11 metros de largura.
Viaduto sobre a Rodovia dos Tamoios (SP-99), no estado de São Paulo. Foto: Concessionária Tamoios/divulgação.
Os primeiros viadutos para passagem de animais silvestres no Brasil foram construídos no ramal ferroviário que liga a mina da Vale em Canaã dos Carajás a Parauapebas, no Pará. Foto: Vale/divulgação.
COMO É NO EXTERIOR
Novidades no Brasil, os viadutos vegetados já são construídos há décadas em diversos países da Europa, nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Na América Latina, a primeira experiência com esse tipo de estrutura é da Argentina.
Viaduto vegetado na província de Misiones, Argentina. Foto: Diego Varela.
O viaduto vegetado argentino foi construído entre 2008 e 2010 sobre a rodovia RN-101, na província de Misiones – estado onde ficam as Cataratas do Iguaçu, na divisa com o Brasil. A estrada situa-se ao lado de um grande bloco de Mata Atlântica bem conservada que inclui o Parque Nacional Iguazú e o Parque Provincial Urugua-í. “O que motivou sua construção foi a localização em um corredor biológico no qual, desde 2002, trabalhamos na sua restauração e na criação de reservas naturais privadas”, explica Diego Varela, pesquisador do Instituto de Biologia Subtropical da Universidade Nacional de Misiones (IBS/CONICE) e da ONG Centro de Investigaciones del Bosque Atlántico (CeIBA).
A iniciativa tem resultado positivo. Ano após ano o número de espécies utilizando a estrutura tem aumentado, sendo que 24 mamíferos de médio e grande porte já foram registradas nela. Na região há onças-pintadas (Panthera onca), onças-pardas (Puma concolor), jaguatiricas (Leopardus pardalis), antas (Tapirus terrestres), queixadas (Tayassu pecari), catetos (Tayassu tajacu), veados-mão-curta (Mazama nana) e veados-mateiros (Mazama americana).
Viaduto vegetado no Parque Nacional Banff, no Canadá, na região das Montanhas Rochosas. Foto: cmh2315fl on VisualHunt / CC BY-NC.
Em unidades de conservação, e envolvendo uma única rodovia, a experiência canadense no Parque Nacional Banff é considerada uma referência. São 44 passagens de fauna selvagem, sendo seis viadutos vegetados e 38 passagens subterrâneas, além de 82 quilômetros de cercas ao longo da Rodovia Trans-Canadá, que corta a área protegida. Esse conjunto de medidas começou a ser planejado em 1981, quando o governo canadense resolveu duplicar a estrada, e foi pensado principalmente para atender animais de grande porte, como alces, cervos e ursos. Pesquisas indicaram ter ocorrido uma redução de mais de 80% de atropelamentos de fauna quando consideradas todas as espécies afetadas.
Na Holanda, um grande programa de reconexão de fragmentos de áreas com mata nativa, que inclui viadutos vegetados, foi iniciado em 1990. O trabalho identificou 1.126 pontos de desfragmentação em rodovias, ferrovias e canais hidroviários. Entre 2005 a 2018, 175 desses locais foram alvo de diversas intervenções. Atualmente, há 30 viadutos vegetados e outros 20 planejados.