RESGATE GEOGRÁFICO 2

AS NASCENTE HISTÓRICA E GEOGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO

1 de setembro de 2023

Pesquisador descobriu novas verdades sobre o Velho Chico: ele não nasce na Serra da Canastra, onde está a cachoeira Casca d’Anta, mas sim em Medeiros, no Planalto de Araxá.

Silvestre Gorgulho

A César o que é de César, a Deus o que é de Deus e ao São Francisco o que é do São Francisco. Sobretudo, a correta certidão de nascimento. Como se vai revitalizar um rio se mal se sabe seu tamanho? Nem onde nasce? Essa é a questão colocada nesta reportagem que anunciou o resultado do relatório final dos técnicos da Codevasf (Geraldo Gentil Vieira, Miguel Farinasso, Leonaldo Silva de Carvalho, Paulo Afonso Silva e Rosemery José Carlos) que deu uma guinada geográfica de 180 graus no berço do mais importante, polêmico, usado e abusado rio brasileiro, por isso mesmo, chamado de rio da integração nacional.

 

Esta foto mostra os técnicos visitando a confluência dos dois rios. À esquerda, o rio São Francisco e, ao fundo, o rio Samburá. Até levantamento batimétrico
(determinação do relevo do fundo de uma área fluvial) foi feito nesta oportunidade.

 

 

Lendas, histórias de pescadores, causos, verdades e mentiras povoam as margens dos rios. E as margens do rio São Francisco, que atravessa três biomas (2) cinco estados e muitas culturas não fica atrás: é riquíssima em histórias e estórias. Mas nenhuma delas é tão forte como esta que o engenheiro agrônomo, Geraldo Gentil Vieira, contou. Técnico da Codevasf e idealizador da Expedição Américo Vespúcio, Geraldo Gentil faleceu em que percorreu toda extensão do rio durante 35 dias, em 2001. Vamos explicar melhor: a Expedição Américo Vespúcio foi a primeira viagem de caráter nitidamente ambiental e cultural a percorrer em barco o rio São Francisco de ponta a ponta, das nascentes à foz. Foi concebida e organizada por Geraldo Gentil Vieira, em função da revitalização da bacia por ocasião dos 500 anos de sua descoberta. Objetivo: realizar o mais amplo diagnóstico itinerante de todo o São Francisco.

COMPRIMENTO DO VELHO CHICO

O comprimento do rio São Francisco não tem unanimidade: segundo a Delta Larousse de 1971, ele tem 2.624 km; mas para a mesma Delta Larousse de 1986, sua extensão é de 3.161 km. Na Mirador, seu comprimento também é de 2.624 km;  e para os sites oficiais da Codevasf, Chesf e Cemig o comprimento é de 2.700 km. Assim, vemos uma grande variação numérica nas dimensões do rio. Pelos dados destes sites a diferença da nascente da Casca d’Anta para a nova nascente do rio Samburá é de 49,18 km. Levando-se em conta todos os diferentes dados, a nova nascente já apresentada no Congresso de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento em BH 2003 e no SpeleoBrazil2001, o comprimento do São Francisco fica maior pela vertente do Samburá. Todos os dados da expedição foram encaminhados para o IBGE para homologação oficial.

O mapa plani-altimétrico feito por computador mostra que a vazão, a calha e a profundidade do rio Samburá são maiores que o braço do São Francisco. Então, a verdade geográfica é clara: o Samburá é o rio principal.

O vereador e guia Valdir Cruvinel, Geraldo Gentil Vieira e o agrimensor Leonaldo Silva de Carvalho realizam levantamento com o GPS geodésico para melhor definição da nascente do rio Samburá, bem no divisor da bacia do Samburá com o rio Araguari.

Equipe de trabalho da Codevasf: Geraldo Gentil Vieira (eng. agrônomo), Leonaldo Silva de Carvalho (agrimensor), Miguel Farinasso (eng. agrônomo), Paulo Afonso Silva (eng. civil) e Rosemery José Carlos (geógrafa).

 

AS NOVAS MEDIDAS

Assim, dessa óbvia constatação, surgiram os novos dados do maior rio totalmente brasileiro: 2.814,12 km para o trecho tradicional ou histórico do rio, com as nascentes na serra da Canastra, e 2.863,30 km para o trecho dito geográfico do Samburá, que tem as nascentes na Serra d’Agua, no pequeno município de Medeiros.
É bom salientar que todos da equipe técnica responsável pelo relatório final “Determinação da Extensão do rio São Francisco” deixam claro duas coisas: primeiro, para dirimir a polêmica sobre o que é curso principal e tributário (4)  uma ampla pesquisa foi feita em sites de universidades brasileiras e americanas, Unesco, dicionários cartográficos e geológicos; segundo, “o conceito que envolve deságua ou desemboca sugere que o afluente tem na confluência uma cota de talvegue(5) mais alta. Já quando se diz que o afluente é um rio menor que contribui para a vazão de um outro maior, há a dúvida sobre qual o critério de comparação: se o maior dos dois é o rio que tem maior vazão, extensão, largura (na confluência) ou maior na bacia de contribuição”.
Nesta linha de raciocínio, Gentil Vieira explicou porque a nascente então está no Samburá: “Na busca de dados geográficos mais precisos, comprovamos tecnicamente que a bacia hidrográfica, a vazão, a calha e a profundidade do Samburá são maiores. Para chegar a estes dados usou-se imagens de satélite, cartografia adequada, visita às nascentes, e foi utilizado GPS geodésico ASTECH SCA 12S, teodolito Zeiss THEO 010, distanciômetro AGA210 Geodimeter e nível Zeiss.”

ESCALAS EXISTENTES

A equipe utilizou uma metodologia capaz de atender as escalas existentes”.  E concluiu o agrônomo-ambientalista com autoridade de quem se embrenhou nas matas e campos, vasculhou palmo a palmo as margens de um e de outro rio: “Assim são os rios, assim são os homens. Ambos têm os seus humores e critérios”.

Passados décadas da conclusão dos trabalhos da equipe da Codevasf, há novos desafios: desengavetar e usar estes dados para uma próxima bandeira que será estender o Parque Nacional da Serra da Canastra até o Samburá.

– Preservar e implementar o Plano Municipal Conservação e Recuperação de Mata Atlântica e Cerrado de Pains. O Parque Estadual da Mata de Pains, de 6 mil hectares, precisa unir toda Área de Proteção Ambiental das Dez Cidades-Mães do São Francisco.

Para os proprietários de terra tradicionais e os recém-chegados sojicultores à região, Gentil Vieira dava sempre uma boa dica: “Todo este trabalho de preservação abrirá as portas para o ecoturismo. Algumas atividades predadoras, os garimpos, já vêm sendo substituídos por pousadas e hotéis-fazenda. Esse é um novo vêio de ouro e diamante que gera emprego, renda e desenvolvimento sustentável na região. Na minha opinião, o turismo ecológico, o queijo canastra/pecuária de leite, a piscicultura, a fruticultura, o café e a cachaça de qualidade devem ser o carro-chefe da economia regional. Temos que acabar, paulatinamente, com as lavouras anuais altamente impactantes ao solo e corpos d`água do frágil ecossistema das cabeceiras”.

Planalto de Medeiros onde o rio Samburá desce para o rio São Francisco. “Estudo realizado por técnicos da Codevasf  atesta que o rio Samburá foi reconhecido como parte da bacia hidrográfica do São Francisco, configurando-se como um rio principal e não um afluente, como descreviam informações até então. “

Bem no alto da Serra da Canastra, a marca histórica da nascente do Rio São Francisco.

As dez cidades-mãe (ou das cabeceiras) do São Francisco são: Iguatama, Bambuí, Medeiros, São Roque de Minas, Vargem Bonita, Piumhi, Doresú polis, Cárrego Fundo, Pains e Arcos.

AFLUENTES DO RIO SÃO FRANCISCO

Os afluentes mais importantes do rio estão na margem esquerda do Alto e Médio São Francisco. O rio São Francisco tem 168 afluentes99 deles são rios perenes e 69 são rios intermitentes – que somem durante o período de seca.

Os principais afluentes:

  • Rio Pará
  • Rio Preto
  • Rio Pajeú
  • Rio Indaiá
  • Rio Jacaré
  • Rio Salitre
  • Rio Abaeté
  • Rio Grande
  • Rio Jequitaí
  • Rio Urucuia
  • Rio Moxotó
  • Rio Ipanema
  • Rio Corrente
  • Rio Paracatu
  • Rio Jequitibá
  • Rio Paramirim
  • Rio das Velhas
  • Rio Paraopeba
  • Rio Carinhanha
  • Rio Santo Onofre
  • Rio Verde Grande

 

 

 

 

A CASCA D’ANTA FASCINANTE

A Cachoeira Casca d’Anta é o principal cartão postal da Serra da Canastra. Com uma queda d’água de 186 metros, emoldurada por uma parede de rocha, ela impressiona pela beleza e imponência.

 

No século 17 os bandeirantes batizaram o curso principal do São Francisco fascinados pela majestosa cachoeira Casca d’Anta, do alto dos seus 186 metros. Segundo Gentil Vieira a nascente do São Francisco está a 98,12km acima do encontro com o rio Samburá. Enquanto o São Francisco nasce a 1.469 metros de altitude, o Samburá nasce no planalto de Araxá a 1.254,66 metros. O Samburá tem precisamente 147,30km de extensão até encontrar o São Francisco e o São Francisco exatos 98,12 km até encontrar o Samburá. Desta confluência até a foz são 2.716 km.

GLOSSÁRIO

1 – Espeleólogos – Estudiosos da espeleologia, a ciência que estuda e pesquisa as cavidades naturais da terra como cavernas, grutas e fontes.

2 – Bioma – Macroecossistema no qual predomina um tipo de vegetação, apresentando aspectos semelhantes em todo seu território como clima, latitude, relevo, regime de chuvas e tipo de solo. Podem ser terrestres e aquáticos.

3 – Cânion – Vale estreito, em forma de U, com bordas muito abruptas, geralmente cava por um curso d’água.

4 – Tributário – Diz-se de um curso d’água, em relação a outro, cujas águas afluem em direção a este outro. Por isso, são também ditos afluentes. O rio “A” é tributário, ou afluente, de “B” quando as águas de “A” desembocam em “B”.

5- Talvegue – O canal mais profundo do leito de um curso d’água.