cultura

PAISAGENS CULTURAIS BRASILEIRAS

1 de dezembro de 2023

Diferença entre paisagem natural e paisagem cultural

Silvestre Gorgulho

O que é uma paisagem cultural? O consenso entre os paisagistas e ambientalistas é que a paisagem cultural é aquela constituída a partir da interferência humana na natureza. Isso mesmo, a paisagem cultural é formada por elementos naturais e elementos culturais, que são aqueles criados ou transformados mediante a ação antrópica. Há uma diferença entre paisagem cultural e paisagem natural. A paisagem natural é aquela formada por elementos da natureza, os quais sofreram pouca ou nenhuma interferência da ação humana. Já a paisagem cultural pode conter ambas as classes de elementos, ou seja, naturais e criados ou transformados pelo ser humano. Outra diferença entre elas diz respeito ao dinamismo. As eventuais mudanças que acontecem em uma paisagem natural se dão por meio de processos oriundos da própria natureza, seguindo o ritmo do fenômeno. Nas paisagens culturais, quem dita o tempo é a necessidade humana e a sua ação sobre o espaço. Por conta disso, as paisagens culturais são mais dinâmicas que as paisagens naturais e se transformam mais rapidamente do que elas.

 

Nas paisagens culturais são encontradas edificações de vários tipos: casas, prédios, ruas, estradas, avenidas, pontes, túneis e diversas outras formas constituídas pelo trabalho humano. Essa categoria de paisagem foi incluída pela Unesco como uma das utilizadas na listagem de patrimônios mundiais, concedendo o título, até o momento, a 119 locais, quatro deles no Brasil.

Segundo o paisagista e arquiteto Carlos Fernando de Moura Delphim, há vários exemplos de paisagens culturais e cada uma tem seu aspecto e sua característica que pode ser histórico, artístico, geológico, científico, geomorfológico, espeleológico, hidrológico, arqueológico, rural, simbólico e religioso.

Tudo o que é cultural tem como fundamento o natural. E tudo o que é natural somente pode ser percebido e reconhecido pelo homem, por meio do que é cultural.

EXEMPLOS DE CADA TIPO

DE PAISAGEM CULTURAL

HISTÓRICO: o sítio do Descobrimento, as margens plácidas do Ipiranga, o sítio da casa de José de Alencar, em Fortaleza.

O Centro Histórico de Porto Seguro, onde está o Parque Nacional do Descobrimento.

ARTÍSTICO: seria qualquer paisagem retratada desde a chegada dos viajantes europeus no século XIX, como os jardins de Glaziou e de Burle Marx.

O Parque da Quinta da Boa Vista de Auguste Glaziou, o Paisagista do Imperador, está no Bairro Imperial de São Cristóvão-RJ e tem um grande valor paisagístico-histórico.

GEOLÓGICO: os penhascos do Rio de Janeiro, o Vale do Cariri, a Ilha do Bananal, em Goiás, e o deserto do Jalapão, em Tocantins.

O Vale do Cariri está na Chapada do Araripe, na região cearense do Cariri. Ali dá para ver com os próprios olhos o sertão virar mar no seu entorno com as belezas naturais da Chapada do Araripe, sua floresta nacional e com a religiosidade, a fé ao Padre Cicero, com seus museus e seus sítios mitológicos e paleontológicos.

CIENTÍFICO: dentre os muitos sítios de valor geológico e paleontológico, o que me ocorre mais imediatamente é a Pedra do Letreiro, em Souza, Paraíba. Trata-se de um sítio de icnofósseis*(1), com pegadas petrificadas de um dinossauro, o primeiro documento científico do Brasil.

GEOMORFOLÓGICO: as impressionantes formações rochosas com efeitos pareidólicos (2) que são os inselbergs* (3) de Quixadá, no Ceará ou a Pedra do Lagarto e o Frade e a Freira no Espírito Santo ou a Pedra da Boca, na Paraíba.

ESPELEOLÓGICO: são as cavernas tombadas pelo Iphan como as grutas Azul, de N. S. Aparecida, em Bonito (MS), Terra Ronca (GO) e outras. Vale lembrar que a responsabilidade pelo patrimônio espeleológico nacional é atribuição legal conferida exclusivamente ao Ibama, salvo quando protegidas pelo tombamento.

O Parque Estadual de Terra Ronca, abriga a terceira mais extensa caverna do país, a Gruta de São Mateus, com mais de 23km de desenvolvimento e é um dos maiores complexos de cavernas e grutas da América do Sul. São milhares de quilômetros de mata virgem, com cachoeiras, rios, dolinas (um tipo de depressão no solo), trilhas e mais de 250 cavernas, sendo 5 delas abertas à visitação. Entre as grutas e cavernas do parque, estão as 30 maiores do país e a maior delas mede mais de 90 metros de altura.

HIDROLÓGICO: como as Águas Emendadas no Distrito Federal ou o encontro de águas de diferentes cores em rios na Amazônia, ou todo o percurso do Rio São Francisco.

Águas Emendadas são um fenômeno natural raro no mundo todo: afloramento de uma nascente que tem duas vertentes com destinos opostos; água que drena para o norte e para o sul, contribuindo para a formação e unindo as duas maiores bacias hidrográficas.

 

ARQUEOLÓGICO: como São Raimundo Nonato no Piauí, Sete Cidade no Piauí. Aí se registra uma das mais comoventes cenas familiares de um cotidiano perdido há milênios: um pai pré-histórico grava a forma de sua mão colocando-a contra uma parede de pedra e pulverizando todo o redor com um pigmento terroso. Em uma pedra bem mais baixa, vê-se a mesma inscrição, de uma mãozinha infantil, certamente do filho, copiando o que estava sendo feito pelo pai. Mortos há mais de mil anos podem continuar tocando nossos corações com gestos de amor e ternura.

RURAL: como as antigas fazendas de café e cacau que desaparecem para dar lugar aos monocultivos.

SIMBÓLICO: como Sítio de Porongos, onde ocorreu o assalto das tropas imperiais que provocou a mortandade dos lanceiros negros propositalmente separados do restante das tropas e desarmados por Davi Canabarro e que hoje é um monumento ao sonho humano de liberdade.

Sítio Cerro dos Porongos. A) Vista geral do Sítio, conjuntos de pequenos cerros (“coxilhas”). B) Pórtico de acesso e marco em homenagem aos Lanceiros Negros. C) Marco instalado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho em alusão à Guerra dos Farrapos.

RELIGIOSO: como o sítio onde apareceu a padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida e onde se construiu sua Basílica.

Destino obrigatório para quem procura turismo religioso, Aparecida é a cidade que abriga o Santuário Nacional da Nossa Senhora Aparecida – a segunda maior basílica do mundo. Muitas pessoas vão para lá para ver a imagem original da santa resgatada por 3 pescadores no rio Paraíba do Sul em 1717.

GLOSSÁRIO

 

  • ICNOFÓSSEIS – Icnologia é o estudo dos vestígios resultantes das atividades de vegetais e animais nos sedimentos e rochas sedimentares, estando incluídos aqueles que reflitam qualquer tipo de comportamento. Um icnofóssil é o resultado da atividade de um organismo, que pode vir a ser preservado em um sedimento, rocha ou corpo fóssil.

 

(2) PAREIDOLIA descreve um fenômeno psicológico que envolve um vago e aleatório estímulo, em geral uma imagem ou som, sendo percebido como algo distinto e significativo. Exemplos comuns incluem imagens de animais ou faces em nuvens, em janelas de vidro e em mensagens ocultas em músicas executadas do contrário. A palavra vem do grego para – junto de, ao lado de – e eidolon – imagem, figura, forma. A pareidolia é um tipo de ilusão ou percepção equivocada, em que um estímulo vago ou obscuro é percebido como algo claro e distinto. Por exemplo, quando alguém vê o rosto de Jesus nas descolorações de uma rosquinha queimada.

(3) INSELBERGS – O termo vem do alemão, “monte ilha”, é um relevo que se destaca em seu entorno já aplainado, caracterizando-se por ser um relevo residual. São monólitos. No Brasil, é comum Inselbergs graníticos ou granitóides, tendo então uma forma esfeirodal e de alta inclinação, cerca de 40º. É o caso do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Esses relevos são considerados “testemunhos”, pois são os relevos que resistem ao processo de pediplanação e pedogênese.