Butantan identifica moléculas capazes de inibir enzima que acelera envelhecimento
16 de janeiro de 2024Trabalho estuda a identificação de peptídeos capazes de inibir ação da hialuronidase; estudo é inicial, mas tem potencial estético e médico
Um projeto de pesquisa realizado no Laboratório de Estrutura e Função de Biomoléculas do Instituto Butantan identificou peptídeos capazes de inibir e de ativar a ação da hialuronidase, enzima responsável por degradar o ácido hialurônico no organismo, substância que confere aspecto firme à pele.
Em testes iniciais, foram identificados peptídeos inibidores da enzima com potencial para o tratamento de rugas na pele e de lesões na cartilagem. Já os peptídeos ativadores têm potencial para tratar hematomas. O projeto de Iniciação Tecnológica ainda tem muito o que avançar, mas já se mostra promissor para um possível uso estético e médico a partir dos resultados primários.
“Se a nossa hipótese se confirmar, poderíamos pensar em um creme antienvelhecimento e mesmo em medicamentos com potencial para tratar algumas condropatias, que são lesões na cartilagem tratadas com aplicações intra-articulares recorrentes de ácido hialurônico. A outra possível aplicação seria em hematomas, pois trataria o extravasamento de sangue de forma mais rápida, ajudando a evitar possíveis manchas características na pele”, afirma o estudante de Medicina Caio Mendes, de 33 anos, autor do estudo orientado pela pesquisadora científica do Instituto Butantan Fernanda Portaro e pelo professor de Medicina da Universidade Nove de Julho Bruno Duzzi.
A pesquisa intitulada Emprego da hialuronidase como ferramenta de triagem para a identificação de peptídeos com potencial biotecnológico a partir do colágeno hidrolisado faz parte do programa de bolsas do Programa de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI) financiadas pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (CNPq) e pela Fundação Butantan. O projeto conquistou o primeiro lugar no 5º Encontro dos Alunos de Iniciação Científica e Inovação Tecnológica da Escola Superior do Instituto Butantan, ocorrido em junho deste ano.
“O uso de uma molécula peptídica como agente terapêutico é potencialmente seguro para possíveis tratamentos porque ela é natural, proveniente do próprio colágeno humano, o que acreditamos que não confere toxicidade às células humanas”, ressalta a pesquisadora.
Insights de um jovem pesquisador
O corpo humano naturalmente produz colágeno, ácido hialurônico (AH) e hialuronidase, que, cada uma com sua ação, mantêm o equilíbrio bioquímico das substâncias no organismo.
Com o envelhecimento, a produção de colágeno e AH diminuem gradativamente – estima-se que o organismo humano tenha uma perda de 1% do colágeno ao ano a partir dos 23 anos – abrindo espaço para procedimentos estéticos que os repõem artificialmente em troca de uma pele rejuvenescida.
A hialuronidase é usada para reverter preenchimentos de AH ou corrigir exageros. Ter mais hialuronidase do que colágeno no organismo é uma das características do envelhecimento.
Farmacêutico esteta, o estudante de Medicina que queria aperfeiçoar a vivência em pesquisa, procurou inibidores de hialuronidase dentro do colágeno hidrolisado. Para isso, analisou os resultados de revisões de literatura, abrangendo o período de 1994 a 2016, os quais sugerem a participação do colágeno hidrolisado no rejuvenescimento da pele, desde que ingerido diariamente por 6 meses. Após se debruçar nestes estudos, Caio, juntamente com seu grupo, quis entender por que o colágeno hidrolisado conseguia tal feito. “Será que o colágeno retarda a ação da hialuronidase, que ao degradar o ácido hialurônico acelera o envelhecimento da pele?”, se questionou.
“O colágeno é uma proteína de alta massa molecular, composta por vários aminoácidos. Quando digerido, ele é quebrado em vários peptídeos, que não necessariamente chegam à pele. Então nos perguntamos: ‘será que no colágeno que a gente toma há algo que inibe a hialuronidase do nosso próprio organismo e melhora o aspecto da pele’?”, indagou o jovem cientista.
Após se fazer este questionamento, Caio, que é aluno do toxinologista e bioquímico professor Bruno Druzzi, aprendeu que poderia usar o veneno do escorpião como fonte de hialuronidase.
Foi nessa fase que a expertise do Butantan entrou na pesquisa, especialmente porque Bruno fez seu doutorado em Biotecnologia sob a orientação de Fernanda Portaro. Como exemplificou a pesquisadora “usamos o veneno como anzol e o colágeno hidrolisado como a fonte de peixes”.
“Colocamos o veneno junto do ácido hialurônico e conseguimos medir a ação da enzima degradando a substância. Quando adicionamos os fragmentos de colágeno na amostra, eles inibiram a ação da hialuronidase sobre o ácido hialurônico, demonstrando que o colágeno hidrolisado de fato inibe a ação da hialuronidase”, explica Fernanda.
A equipe de Fernanda então separou 33 frações de colágeno hidrolisado testados com diferentes porcentagens de ácido hialurônico e hialuronidase. Destes experimentos, descobriram quatro peptídeos que inibiram em 100% a ação da hialuronidase.
“O resultado mostrou-se promissor, já que em algumas amostras houve 100% de inibição da ação da hialuronidase, como se não houvéssemos sequer incluído a hialuronidase nas frações. A probabilidade de eles serem inibidores de fato é muito grande”, disse Caio.
As frações foram analisadas por espectrometria de massas no Laboratório de Toxinologia Aplicada do Instituto Butantan (LETA), em colaboração com o pesquisador Léo Iwai, procedimento pelo qual são feitas as sequências de aminoácidos dos peptídeos dentro das frações selecionadas. “Sabemos que inibiu, e precisávamos saber quais peptídeos constituíam as frações selecionadas. Descobrindo isso, poderemos fazer o peptídeo sintético e testar suas propriedades inibitórias”, conta o estudante.
Os dados da espectrometria estão sendo analisados por Bruno e Caio. A próxima fase da pesquisa é fazer a melhor seleção possível dos peptídeos.
“Queremos selecionar duas moléculas para serem sintetizadas, uma que está inibindo e outra que está aumentando a atividade da hialuronidase, para fazer testes in vitro e in vivo posteriormente”, conclui Bruno.
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