Ações em escolas públicas combatem o consumo de alimentos ultraprocessados
11 de abril de 2024Estudo mostra que produtos alimentícios de baixo valor nutricional fazem parte da rotina alimentar de mais de 95% das crianças brasilienses com idades entre 2 e 9 anos
Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) do Distrito Federal apontam que os alimentos ultraprocessados fazem parte da rotina alimentar de 95% das crianças brasilienses com idades entre 2 e 9 anos. Entre adolescentes, esse número cai para 93%, enquanto 87% dos adultos fazem o consumo diário desses produtos alimentícios. Os dados estão no último boletim informativo do Consumo Alimentar do DF, de dezembro de 2022.
Para mudar essa realidade alarmante, o Governo do Distrito Federal (GDF) tem intensificado os esforços na adoção de políticas públicas que visam garantir a segurança alimentar e nutricional da população, especialmente no contexto escolar e nos primeiros anos da infância, em que a alimentação saudável e balanceada é determinante para blindar as crianças das DCNTs.
“Especificamente entre as crianças, os ingredientes usados para aumentar o tempo de prateleira desses produtos interfere, além do desenvolvimento da obesidade de excesso de peso, no seu neurodesenvolvimento, podendo ser responsável pelo aumento de casos de hiperatividade, déficit de atenção e até mesmo aumento do transtorno do espectro autista (TEA)”, explica Carolina Gama, gerente de Serviços de Nutrição (Gesnut) da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF).
Os ultraprocessados são alimentos que passam por diversos processos industriais, envolvendo a adição de substâncias como açúcares, gorduras, aditivos químicos, corantes, aromatizantes e estabilizantes. Geralmente, esses produtos são formulados para serem saborosos, convenientes e de longa duração, mas muitas vezes possuem baixo valor nutricional.
Para além das calorias vazias, os ingredientes usados na composição desses alimentos contribuem diretamente, segundo o Ministério da Saúde, para o surgimento de Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNTs). Hoje, essas patologias estão entre as principais responsáveis pela mortalidade no mundo – no Brasil, são as causas de 70% dos óbitos.
Os ultraprocessados são alimentos que passam por diversos processos industriais, envolvendo a adição de substâncias como açúcares, gorduras, aditivos químicos, corantes, aromatizantes e estabilizantes
Atenção primária
A titular da Gesnut afirma que o trabalho do GDF na promoção de uma alimentação mais saudável entre crianças começa nas primeiras consultas pediátricas nas unidades básicas de saúde (UBSs). “Isso porque essa formação de hábitos alimentares saudáveis deve ser iniciada desde antes da criança nascer”, enfatiza. “É um momento determinante para que as crianças tenham uma programação metabólica adequada. O que ela vai ter de acesso à alimentação nesses primeiros dias interferirá em toda sua vida”, prossegue.
Ela explica que, no ato da visita ao pediatria, os pais e responsáveis são orientados tanto individualmente quanto coletivamente por meio de grupos com orientações sobre a introdução alimentar das crianças.
Os encontros são pautados pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde. “Esse documento orienta que nossa alimentação seja composta prioritariamente por alimentos in natura e minimamente processados, ou seja, tal qual são retirados da natureza ou passados por processamentos mínimos que não interferem na composição final do alimento”, detalha. “Podemos consumir os alimentos processados apenas como ingredientes de preparação culinária e os ultraprocessados devem ser evitados por completo”, ressalta a gerente.
Trabalho nas escolas
Desde 2013, escolas das redes públicas e privadas do DF estão impossibilitadas de ofertar merendas e refeições com alimentos que não sejam nutricionalmente adequados, incluindo ultraprocessados. “O DF é uma das unidades da federação pioneiras nessa proibição. Hoje em dia, não temos mais cantinas comerciais dentro de escolas públicas, por exemplo, e atuamos na fiscalização também dos estabelecimentos que atuam na rede privada”, defende a gerente de alimentos da Subsecretaria de Vigilância à Saúde (SVS), Dillian Adelaine.
Na rede pública de ensino, o cardápio servido nas merendas dos alunos é 100% livre de ultraprocessados. “Temos de 90% a 95% de alimentos in natura e uma parcela muito pequena de alimentos minimamente processados”, resume Juliene Moura Santos, diretora de Alimentação Escolar da Secretaria de Educação. “Fazemos escolha por alimentos produzidos por agricultores familiares e não aceitamos produtos com conservantes e estabilizantes na composição”, continua.
“O cardápio é um instrumento, uma estratégia de transição alimentar e nutricional. Nossa ideia é que o tema alimentação saudável e os hábitos alimentares façam parte da rotina de conteúdos da escola. É, por exemplo, ensinar matemática, português, biologia falando de alimentação e nutrição, ou incentivar a manutenção de uma horta comunitária entre os alunos. Isso cria um ciclo virtuoso bem bacana”, avalia a diretora.
Viviane Costa Moreira é diretora da escola Classe 708, na Asa Norte. Ela afirma que a recepção dos alunos ao menu servido pela Educação é positiva: “Os estudantes gostam muito da alimentação e fazem a opção por refeições saudáveis. A gente recebe, semanalmente, verduras e frutas selecionadas e frescas. Também procurarmos trabalhar o assunto através dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula”.
Fiscalização
No âmbito educacional, outra iniciativa que surge no contexto de incentivo aos hábitos saudáveis entre os pequenos é o Programa Saúde nas Escolas (PSE), uma política intersetorial da SES com a Secretaria de Educação, cujo objetivo é levar ao contexto educacional a saúde e educação integrais, fortalecendo ações de enfrentamento de vulnerabilidades e ampliando o acesso aos serviços de saúde. Atualmente, há mais de 500 escolas locais cadastradas no PSE.
“A escola, como espaço educativo, tem que proteger a saúde dos escolares. Naquele ambiente, toda ação que estiver à disposição da criança tem que ser educativa e a cantina tem que ser um lugar de educação alimentar, de promoção de hábitos saudáveis. Isso não significa, porém, que essa criança não possa fazer o consumo deste produto em outros ambientes, mas é uma ação típica de proteção à saúde”, acrescenta a servidora da SVS.
A pasta é, inclusive, uma das integrantes do Fórum Permanente destinado à implementação das ações relativas à promoção da alimentação adequada e saudável nas redes pública e privada de ensino do Distrito Federal. O colegiado é composto por representantes de vários órgãos do GDF e foi instituído pelo Executivo em fevereiro deste ano pela Portaria 74/2024.
A atuação da SVS também abrange o monitoramento da qualidade de produtos pós-mercado. Semanalmente, fiscais coletam alimentos de diversos tipos para análise posterior do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen). Na oportunidade, são gerados laudos de análise da qualidade dos alimentos em várias áreas, da rotulagem à composição. Esse trabalho ocorre em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
São realizadas, ainda, ações de fiscalização de rotina nos ambientes de ensino, tendo como foco a garantia do cumprimento das legislações e regulamentações sanitárias vigentes. “Estamos frequentemente nas escolas fazendo essa verificação. Na ocasião, nossa atuação é no sentido de prezar, em um primeiro momento, na conscientização dos cantineiros, da comunidade escolar, pais e responsáveis, buscando a redução desse consumo”, detalha Dillian.
A pasta também atua sob demanda ou denúncia a respeito da qualidade da alimentação ofertada nas escolas. A população pode participar informando eventuais descasos e descumprimentos por meio da Ouvidoria-Geral do GDF, pelo site ou pelo telefone 162.