Alysson Paolinelli

ALYSSON ‘DA PAZ’ PAOLINELLI LEGADO E ENSINAMENTOS

1 de abril de 2024

Sem comida não há paz. Sem paz não há harmonia nem desenvolvimento social e econômico. Em nome da paz foi protocolado duas vezes, no Conselho Norueguês do Nobel (The Norwegian Nobel Committee), o nome do ex-ministro Alysson Paolinelli para o Nobel 2021. A indicação partiu de entidades brasileiras, capitaneados pelo Diretor da ESALQ – Escola… Ver artigo

Silvestre Gorgulho

Sem comida não há paz. Sem paz não há harmonia nem desenvolvimento social e econômico. Em nome da paz foi protocolado duas vezes, no Conselho Norueguês do Nobel (The Norwegian Nobel Committee), o nome do ex-ministro Alysson Paolinelli para o Nobel 2021. A indicação partiu de entidades brasileiras, capitaneados pelo Diretor da ESALQ – Escola Superior Agricultura Luiz de Queiroz, professor Durval Dourado Neto, e pelo ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, professor e coordenador do Centro de Agronegócio na Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas e Embaixador Especial da FAO para as Cooperativas.

 

O ex-ministro Alysson Paolinelli, sempre otimista com a agricultura brasileira, deixou o legado de obras e ensinamentos.

Alysson Paolinelli, filho do agrônomo Antônio Paolinelli, formado na ESAL – Escola Superior de Agronomia de Lavras-MG, onde, posteriormente, se tornou-se professor e, como Diretor, fez a sua federalização.

Em 1971, Paolinelli reestruturou a Secretaria da Agricultura de Minas – governo Rondon Pacheco. Em 1974, foi convidado pelo presidente Ernesto Geisel para assumir o Ministério da Agricultura. Reformulou o Ministério e revolucionou a agricultura brasileira. Aliás, revolucionou a agricultura tropical sustentada no mundo. O desenvolvimento da agricultura tropical se divide em antes e depois de Alysson Paolinelli.

Em 2006, Alysson Paolinelli foi agraciado com o World Food Prize, nos Estados Unidos. Agora, entidades brasileiras apresentam seu nome para o Nobel da PAZ, pois sua contribuição não vale só para o Brasil. É a possibilidade de autonomia alimentar em toda faixa do cinturão tropical do planeta, onde estão os países mais pobres.

ALYSSON PAOLINELLI –

PENSAMENTOS e LEGADO

ALYSSON “DA PAZ’ PAOLINELLI

PAOLINELLI – A indicação, para mim, é uma grande honra. Mas quero que seja bem interpretada. Esse Nobel não é pessoal. Além de coletivo, é uma honra para o Brasil. Se estou candidato, é porque nós tivemos um trabalho integrado, não só como governo, mas também depois do governo, acompanhando de perto e procurando ajudar o Brasil caminhar na direção da formação da primeira Agricultura Tropical Sustentável do mundo. Foi um desafio imenso. Desafio de gestão, desafio científico, cultural e tecnológico. Um desafio de nação. Na década de 70, o Brasil encarou a possibilidade de se tornar autossuficiente em alimentos. Nós importávamos antes um terço do que consumíamos. Éramos sustentados na nossa balança comercial pela ‘conta café’. Quando os alimentos, em 1968, por uma deficiência climática no Hemisfério Norte, dobraram de preço, isto dava o sinal de que o mundo estava em perigo porque os próprios Estados Unidos, que era o grande abastecedor, teve que suspender suas exportações. Isso provocou um desarranjo tremendo no mercado internacional. O Brasil sofreu muito com isso. Acendeu a luz vermelha. Aí decidimos, estrategicamente, fazer um plano estratégico para tornar a Agricultura Tropical como viável. Não foi fácil.

 

VIABILIDADE TROPICAL

PAOLINELLI – O primeiro movimento pelo incremento da agricultura tropical sustentada foi a criação e o desenvolvimento da Embrapa. Veio logo em seguida a evolução do sistema integrado com nossas universidades, nossas instituições estaduais de pesquisa e, principalmente, parceria com a iniciativa privada. Tudo nos levou a obter um êxito muito grande. Primeiro, da exploração do Cerrado que deu uma demonstração de competência muito alta. É bom lembrar que Cerrado existe no mundo inteiro. Cerrado é uma das terras mais velhas do mundo. São como as savanas africanas. Estava altamente degradada pelo fogo, pelo pastoreio de animais, pelo pisoteio e pelas chuvas torrenciais, especialmente na América do Sul. O cerrado tem um solo de pouco nutrientes que precisa ser corrigido. Foi muito importante que nós conseguíssemos recuperar o Cerrado, porque o êxito dele nos possibilitou ampliar nossa visão e caminhar na direção do estudo e ocupação de todos os nossos biomas tropicais. Hoje estamos trabalhando no sentido de ocupar racionalmente esses biomas.

 

O CERRADO E OS RECURSOS NATURAIS

PAOLINELLI – Terra do Cerrado – como se dizia em Minas – “só dado ou herdado”. A marca do bioma são os galhos retorcidos e solo fraco. Mas é o segundo maior bioma do Brasil. Cobre uma área de 2 milhões de km2, que corresponde a 204 milhões de hectares. Isso representa quase um quarto de toda a extensão territorial do país. Apesar de ter uma grande diversidade em flora e fauna, é importante salientar que suas nascentes alimentam oito das 12 regiões hidrográficas do País, com destaque para três: as bacias dos rios Araguaia/Tocantins, do Rio São Francisco e do Rio Paraná. Do ponto de vista da agricultura, em condições naturais, esses solos não têm os micronutrientes que as plantas agrícolas precisam. Ele é muito pobre em nutrientes. Então, o solo do Cerrado apresenta baixa fertilidade.

Foi nesse contexto que os cientistas se inspiraram e estudaram como mudar a condição de pobreza agrícola dos solos do Cerrado. As pesquisas e as tecnologias desenvolvidas surtiram efeito. Nas últimas décadas, foram criadas tecnologias capazes de transformar a região coberta por esse bioma numa área bastante produtiva para a agricultura e a pecuária brasileiras. Hoje, o Cerrado é referência em produtividade agrícola tropical.

AGRICULTURA ABSOLUTAMENTE SUSTENTÁVEL

PAOLINELLI – Não houve apenas um desafio. Tivemos que enfrentar vários desafios ao mesmo tempo. A correção do solo, o desenvolvimento de sementes selecionadas, o controle biológico de pragas, o aparelhamento do plantio e colheitas, a fixação de nitrogênio no solo e assim por diante. Mas é importante dizer que todo trabalho era de mutirão: Embrapa, Universidades, missões especiais dos estados, iniciativa privada e formação, essencial dizer, e formação competente dos recursos humanos. Na década de 70/80 mandamos quase três mil estudantes e professores fazerem mestrado e pós-graduação nas melhores universidades e centros de pesquisa do mundo. A massa crítica desse corpo acadêmico e a nova postura de um Brasil independente foram fundamentais. O Brasil deixou de ter a mentalidade de colônia para procurar resolver seus problemas com as próprias mãos.

Com essas pesquisas e esses estudos nas mãos, o Brasil pode definir de que forma cada bioma e cada região pode ser usada. Temos uma definição de uso, onde pode ser usado e onde não pode ser usado. Onde não puder, nossa tentativa será de recompor os ecossistemas que foram estragados. E preservar. A área que poderá ser usada nós só usaremos com a garantia da ciência de que estamos fazendo uma agricultura absolutamente sustentável e uma agropecuária absolutamente sustentável. O nosso objetivo é garantir ao mundo que o Brasil continuará a ser a referência na área ecológica. Nós ainda temos 66,3% de nosso território em vegetação nativa original e queremos que essas regiões e seus ecossistemas, se puder, serem recompostas. Vamos trabalhar nisso. E a área que for possível produzir sem degradar, vamos tentar ampliar os conhecimentos para que isso seja possível.

HÁ GARANTIAS PARA ESTE PROJETO

PAOLINELLI – Olha, nós temos certeza de que a competência brasileira, que criou essa agricultura tropical sustentável, será a garantia deste projeto. E o êxito não é só para o Brasil. É para o mundo. Imagina a segurança alimentar deste projeto quando implantado na África! Ganharão os africanos que poderão produzir, se alimentar melhor e comercializar o excedente. Ganharão os próprios países europeus que colonizaram o mundo africano e usufruíram de suas riquezas, mas hoje vivem o drama da imigração descontrolada. Por questão políticas, pela pobreza extrema e por falta de alimentos os africanos têm como solução migrar para outros países.

REFORMA AGRÁRIA E TÍTULO DA TERRA

Para se alimentar, tem que haver colheita. Para colher, tem que plantar e para plantar tem que ter terra. Então, a posse da terra está no início do processo produtivo. Vale lembrar que a realidade da distribuição de terras no Brasil é uma herança do sistema colonial da “Lei das Sesmarias”. E, também, que a reforma agrária não representa uma simples distribuição de terras. É muito mais. Representa a viabilização para que produtores possam nela produzir, tendo a terra como garantia de financiamentos e recebam uma série de incentivos fiscais, é importante disponibilizar tecnologias, armazenamento, comercialização, enfim, é fundamental dar ao produtor condições de cultivo. No governo Geisel, conseguimos ter um Incra muito dinâmico. O Incra, neste período, conseguiu desatar o nó cego da área fundiária do Brasil. Conseguimos deslanchar uma verdadeira reforma técnica e democrática, integrando as áreas social, econômica e do meio ambiente. Basta lembrar que foi introduzida a discriminatória administrativa. A justiça era morosa e os conflitos eternos. Os poderosos conseguiam postergar todas as decisões. Temos um dado avassalador. Só nos primeiros meses de governo (de março a dezembro de 1974), foram entregues mais de 29 mil títulos de terra. Esse número já era superior ao número de títulos entregues desde Pedro Álvares Cabral. Isso foi uma revolução. Em 1976, o presidente Geisel entregou o título 100 mil de propriedade em Cascavel, no Paraná.

Imagina Rondônia. Em 1974, tinha apenas dois municípios: Guajará-Mirim e Porto Velho. Hoje são 52. Quase todos nasceram de projetos do INCRA. Pelo menos 32 deles. Fui lá muitas vezes com o presidente da autarquia Lourenço Vieira da Silva. Fizemos assentamentos e criamos 30 projetos de colonização. Todos os projetos viraram municípios e são hoje cidades prósperas como Vilhena, Ouro Preto do Oeste, Cacoal, Ariquemes, Gy-Paraná, Pimenta Bueno. Alguns projetos se desdobraram em três municípios. Cidades hoje de mais de 100 mil habitantes.

O ex-ministro Alysson Paolinelli sendo homenageado na Casa do Cerrado por sua equipe e pela então ministra da Agricultura, hoje senadora Tereza Cristina.  Na foto: Paulo Afonso Romano, Ministra Tereza Cristina, neto e o ministro, Marisa Gonzaga, Emiliano Botelho, presidente da CAMPO, e o jornalista Silvestre Gorgulho.

O IMPACTO SOCIAL DO AGRONEGÓCIO

PAOLINELLI – Os impactos são vários. Na renda brasileira os impactos são evidentes. Basta viajar para as regiões produtoras de grãos no oeste baiano, Minas, Goiás e Mato Grosso. Na saúde, nós melhoramos muito e se você olhar que há 50 anos a média de vida do brasileiro era de 55 anos, hoje nós estamos beirando os 70. Outra coisa, o nível da alimentação melhorou muito, essa posição brasileira de ser um novo player no mercado internacional provocou uma queda substancial no preço internacional dos alimentos que refletiu aqui também. Estudos mostram que entre os anos 80 a 2000 houve uma queda de preços estimada em torno de 70%, ou seja, se o índice era 100, o custo do alimento passou a ser 30. Isso é muito importante em relação à parte social, a média da família brasileira passou a se alimentar muito melhor e com gastos inferiores. Estudos que feitos pela Fundação Getúlio Vargas mostram que se nós gastávamos antes da década de 80, 42% a 48% do total da renda familiar em alimentos, a partir dos anos 2000 passou a se gastar 14% a 18%. Foi uma economia que permitiu ao brasileiro vestir-se melhor, ter lazer, transporte, melhorar a infraestrutura de estradas. Olha como os planos de saúde tiveram uma explosão de lá para cá, e também, a questão da segurança. A segurança ainda é discutível, mas você pode ver que com essas famílias habitando melhor e tendo educação, estão melhorando muito sua condição de vida. No campo produtivo há paz e harmonia. O descompasso está na periferia dos grandes centros. Portanto, para nós, que estamos trabalhando na base desse sistema, é muito satisfatório o que estamos realizando. Esperamos realizar ainda muito mais. Estamos vendo agora um triste quadro de o alimento voltar a subir, nós temos condição de manter mais baixo, e para isso, a ciência e a tecnologia são os caminhos mais certos.

O BRASIL NA ERRADICAÇÃO DA FOME

PAOLINELLI – O impacto social do agronegócio é muito grande. Já falamos sobre isso. Vale frisar que com a oferta de alimentos de melhor qualidade, os preços caem. Pelas estimativas dos organismos internacionais, até 2050 haverá um relativo equilíbrio na população mundial. O número de mortes vai se igualar mais ou menos ao número de nascimentos, portanto, haverá uma estabilização populacional. Mas, segundo a FAO, há que aumentar a oferta atual de alimentos em 61%. A mesma FAO verificou que os países tradicionais de agricultura temperada não têm mais condições de fazer isso. Então este compromisso vem dos países situados nas regiões tropicais. E esses estudos garantem que o Brasil será o responsável pelo aumento de 41% dos 61%. Conclusão: temos que dobrar 2,4 vezes a nossa atual safra de 250 milhões até 2050. Ou seja, o Brasil terá que produzir em 2050 próximo a 620 a 630 milhões de toneladas de alimentos. O equilíbrio e a segurança alimentar no mundo estão nas mãos do Brasil. Nós temos 41% de responsabilidade nesse desafio.

DILEMA FOME X MISÉRIA

PAOLINELLI – Este é o dilema mundial. Incrível, não é ver a miséria ou ver morrer de fome num deserto. O incrível e o inaceitável é não ter o que comer em terras que podem ser férteis por absoluta falta de projetos, por absoluta falta de interesse político se já temos tecnologia para o desenvolvimento de uma agricultura tropical. Há um paradoxo nisso tudo. Tem fome no Brasil? Evidente que tem. Mas sobram alimentos. Há desperdícios. Assim é também no mundo. O problema da fome e da miséria, é a incapacidade de adquirir alimentos. Se a ciência desenvolveu tecnologias para aumentar a produção e baratear os alimentos, há o outro lado da medalha: a falta do emprego, o problema da renda familiar.
Defendo a tese que ao invés do mundo gastar milhões de dólares ou de euros para evitar essas migrações descontroladas para o hemisfério temperado, que se invista os recursos para promover a agricultura nos países de onde sai essa massa de imigrantes. Se o Brasil tem tecnologia para o Cerrado, para as savanas e para o clima tropical, por que não desenvolver a agricultura desses países? Por que não usar o esforço que o Brasil já fez para implantar uma agricultura moderna nos países africanos, por exemplo? Promover o agronegócio nos países tropicais – está aí o exemplo da Companhia de Promoção Agrícola-CAMPO – que atua no Cerrado brasileiro e hoje está presente nos quatro continentes. Uma empresa brasileira que atua em 14 países desenvolvendo seus potenciais agrícolas. Sobretudo na África. Não vejo outra forma de atender a demanda por alimentos, estancar a fome e estabilizar o sistema de equilíbrio e de satisfação com a renda que não seja pela produção de alimentos.