Brigadistas se deparam com onça-pintada durante pernoite no combate ao fogo no Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense
16 de julho de 2024Equipe realizava monitoramento e vigilância de foco de incêndio durante a noite e foi surpreendida pelo felino no acampamento
Encontro com onça-pintada assusta brigadistas. Equipe agiu rápido e conseguiu espantar felino, que estava com filhote
Uma equipe de quatro brigadistas do Instituto Chico Mendes que realizava o monitoramento e vigilância noturna de um foco de incêndio combatido na porção central do Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense passaram por momentos de tensão ao terem um encontro repentino com uma onça-pintada (Panthera onca) na quinta-feira (11).
João Paulo da Silva Silvino estava no acampamento com os companheiros de brigada à noite, e ao apanhar lenha para avivar a fogueira, bem próximo ao local onde a equipe descansava após mais um dia intenso de trabalho duro no combate ao incêndio, foi surpreendido pelo maior felino das Américas em sua frente.
Segundo os brigadistas, tratava-se de uma fêmea com filhote. Após a ocorrência, nenhum dos quatro brigadistas conseguiu descansar durante a noite gelada. Eles retornaram à sede do Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense na manhã seguinte, em aeronave da Marinha que estava dando apoio na operação.
Joao Paulo da Silva Silvino, brigadista em ação no Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense
“É por Deus que estou aqui agora. Me afastei cinco metros da fogueira para pegar lenha e senti que a onça estava próxima. Ergui os braços e gritei. Meus companheiros vieram me socorrer imediatamente, se estivesse sozinho não estaria aqui”, conta o brigadista.
Silvino, que tem 38 anos e cursa Gestão Ambiental em Brasília/DF, não se intimidou com o ocorrido e diz não ter receio de voltar a combater o fogo no Pantanal. “A gente que tem essa profissão, tem amor pelo que faz. Fica a experiência, vontade que mais ninguém passe por isso. Falei com o Chefe de Operações, que perguntou se eu estava bem para prosseguir, e estamos às ordens, como os demais da equipe. A gente nunca faz nada sozinho, o trabalho em equipe é fundamental. Quando a gente assume um compromisso, a gente tem que estar disposto a tudo. O susto foi grande. Aconteceu, mas o meu foco é defender o meio ambiente.”
A vigilância e o monitoramento são etapas fundamentais após o combate direto e indireto aos incêndios florestais, permitindo que as equipes atuem com rapidez em caso de reignição e propagação das chamas. Como foi considerado que o incêndio está controlado no local e diante da ocorrência, por questão de segurança da equipe, o Comando do Incidente decidiu monitorar o local com sobrevoos, ao invés de manter equipes em solo no período noturno.
O Chefe do Esquadrão de Silvino, Alessandro de Araújo Silva, relata que “aqui (no Pantanal) é uma região que você não pode ficar muito manso, acontecem coisas que você não previa, como aconteceu com nosso companheiro Silvino. Ele saiu, pegou uns gravetos, nós estávamos próximos e saímos gritando e o animal fugiu para o mato. Depois ficamos juntos perto da fogueira vigiando. Temos que ter muita atenção, os companheiros devem estar sempre em dois ou três. É o ambiente delas (onças), com incêndio ou não.”
O episódio vivenciado por Silvino e seus companheiros é um exemplo de situações que exigem cuidados especiais nas atividades dos brigadistas e outros profissionais que atuam em ambientes naturais preservados. Incidentes envolvendo animais peçonhentos ou grandes predadores como a onça podem acontecer em ambientes inóspitos e isolados, especialmente em momentos de crise como são os combates aos incêndios florestais, se protocolos de segurança e tais cuidados não são atendidos.
“A ação dos brigadistas de permanecerem nos locais de combate para a fase de vigilância é importante para garantir que o fogo seja extinto e não haja reignição dos focos. São ações que exigem equipes capacitadas, equipamentos adequados, uma logística complexa com apoio de aeronaves. É um trabalho com riscos inerentes da situação, pois são áreas naturais e remotas. Essas experiências como o encontro com animais selvagens servem como aprendizado para nossas operações, de forma que vamos ajustando os procedimentos para aprimorar a segurança das equipes”, explica o Comandante do Incidente, Nuno Rodrigues da Silva, Chefe do Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense.
Silvino (à direita) e seus companheiros de esquadrão, de volta à base após noite em claro no interior do Parque
Mesmo nessas condições extremamente difíceis de trabalho é necessário empreender todo o esforço para salvar o máximo possível dos ambientes naturais, em especial nas unidades de conservação, que são áreas de grande importância para a humanidade nesses tempos em que as consequências das mudanças climáticas ameaçam grande parte da população e das espécies da fauna e da flora do planeta.
Encontros com onças no Pantanal não são incomuns. No entanto, o simples fato delas estarem na mesma área que o ser humano, não significa que o animal vai investir contra as pessoas. “Onça não ataca de graça. É um animal curioso que pode ficar por perto observando os humanos. Ao ser surpreendida ou assustada, prefere fugir que atacar”, comenta Rogério Cunha de Paula, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP) do Instituto Chico Mendes. O pesquisador com experiência de anos em conflitos entre humanos e onças ressalta a necessidade dos cuidados em situações como a vivenciada pelos brigadistas. “O brigadista agiu bem ao levantar os braços e gritar, e o grupo se unindo a ele para assustar a onça foi a melhor estratégia”. Aproveitando o incidente, o CENAP indicou que irá preparar um material instrutivo em vídeo para orientar os servidores e colaboradores quanto aos cuidados a serem tomados em ações nos territórios de onças.
A onça-pintada (Panthera onca) é o maior felino do continente americano e está no topo da cadeia alimentar. A espécie está presente em ambientes com extensas áreas preservadas. É um indicador de qualidade ambiental, a ocorrência desses felinos em determinadas regiões demonstra que os locais oferecem boas condições ambientais. A espécie é considerada vulnerável (VU) ao risco de extinção devido a conversão de habitats e a forte pressão para caça do animal. A presença de populações da espécie é um atestado da relevância do Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense para a conservação da biodiversidade brasileira.