CAVALOS-MARINHOS

CAVALOS-MARINHOS

2 de setembro de 2024

REVISITANDO O PROJETO HIPPOCAMPUS

Marcelo Vidal: “As interações turísticas com a fauna silvestre, quando ordenadas, regulamentadas e monitoradas, têm o potencial de auxiliar na conservação das espécies, satisfazer as expectativas do visitante e promover a geração de renda nas comunidades receptoras”.

Eles são peixes que nadam em vertical. A cabeça pode ser semelhante a um cavalo, mas cada cavalo-marinho, mesmo de uma mesma espécie, tem aparência própria.  Dizem os estudos que são mais de 45 espécies habitando as águas costeiras do Planeta. O cavalo-marinho tem cores diferentes e elas variam de acordo com a sua bagagem genética e a influência do ambiente para a camuflagem.  Eles não têm escamas, mas placas ósseas cobertas de tecidos cutâneos. São lindos, místicos e lendários. Vamos conhecer mais sobre os cavalos-marinhos e revisitar o Projeto Hippocampus, hoje Instituto Hippocampus, que tem a sede, desde 2020, no Porto de Suape a 40 km de Recife-PE.

 

A beleza e o fascínio dos cavalos-marinhos, uma espécie em extinção.

 

ROSANA BEATRIZ SILVEIRAENTREVISTA

A bióloga Rosana Beatriz Silveira, Coordenadora do Projeto Hippocampus, fala sobre as espécies de cavalos-marinhos, explica as pesquisas e o monitoramento em estuários, onde se verifica a ocorrência de espécies e o estado de conservação na Costa Brasileira.

FOLHA DO MEIO – O que são cavalos-marinhos e onde ocorrem. Quantas espécies existem no Brasil?

Rosana SilveiraOs cavalos-marinhos são peixes de osso (literalmente: possuem uma armadura de placas ósseas que revestem todo o seu corpo). Estão globalmente ameaçados de extinção. No Brasil existem 3 espécies: Hippocampus reidi, o cavalo-marinho do focinho longo. Hippocampus patagonicus, o do focinho curto. Hippocampus erectus, o cavalo-marinho raiado, que tem um tamanho de focinho intermediário entre as outras duas espécies. Todas as três espécies ocorrem no mar, porém H. reidi habita também, estuários e manguezais. Temos H. reidi e H. erectus com registros em toda costa do Brasil, sendo que H. patagonicus é restrito às regiões sudeste e sul do Brasil.

FMA – O que é “passeio do cavalo-marinho”?

RosanaO “passeio do cavalo-marinho” é uma atividade turística que envolve interação com os cavalos-marinhos (Hippocampus reidi) durante um passeio realizado de jangada ou canoa pelos manguezais, onde o animal é capturado e colocado em vidros para observação e registro de imagens. Após a observação, o animal é solto no mesmo local onde foi capturado. Existem três locais principais onde tradicionalmente isto acontece: manguezal de Maracaípe, PE. No manguezal de Barra Grande, PI e em Mangue Seco, e na praia de Jericoacoara, Ceará. Os dois últimos, dentro de áreas protegidas federais, que são a APA Delta do Parnaíba e Parque Nacional de Jericoacoara, respectivamente. Em Maracaípe, as atividades ocorrem dentro de uma unidade de conservação estadual, a APA dos Rios Sirinhaém e Maracaípe.

 

 

FMA – A captura dos cavalos-marinhos durante os passeios turísticos afeta a espécie?

RosanaInfelizmente sim. Nós trabalhamos monitorando as populações envolvidas nas interações turísticas por longos anos. Desde 2001 a 2021 em Maracaípe, Pernanbuco. De 2011 a 2015 em Jericoacoara, no Ceará. E de 2014 a 2015 no Delta do Parnaíba. Embora, e com certeza, esta não seja a única pressão sofrida pelos cavalos-marinhos, sem dúvida ela impactou na dinâmica populacional da espécie. Nossos resultados mostraram que no Parque Nacional de Jericoacoara houve significativa redução da população de cavalos-marinhos expostas às atividades turísticas. Este foi o primeiro estudo a identificar essas fragilidades e, serviu de apoio à decisão da gestão do Parque Nacional de Jericoacoara de proibir, desde 2023, a captura dos animais durante o passeio turístico. Na APA Delta do Parnaíba, além da diminuição populacional, houve grande desestruturação da população, aliás o que não ocorreu em Jericoacoara. A gestão da APA está consciente da questão e decidiu por um período de transição para que os canoeiros possam se adaptar à nova situação de não captura. Detalhes deste trabalho podem ser lidos em Silveira et al. (2022b). Em Maracaípe, a situação é a mais delicada de todas. A população desses animais estaria criticamente ameaçada, pois há muitos anos são emitidos relatórios e notas técnicas ao Município que, aliás ajudou a financiar a pesquisa de monitoramento. Mas não houve nenhuma ação para a conservação da espécie. No momento, estamos publicando os 20 anos de monitoramento dessa população.

FMA – Quando sai a publicação e qual a principal mensagem que ela traz?

RosanaNossa perspectiva é para este semestre. A publicação mostra a importância dos monitoramentos de longo tempo e a necessidade de ordenamento e fiscalização das atividades que envolvem interação coma fauna silvestre. E que a conservação dos cavalos-marinhos não implica em negligenciar as atividades de subsistência dos jangadeiros, existe um equilíbrio, como mostrado em Jericoacara.

“Passeio do cavalo-marinho” no Parque nacional de Jericoacoara. Foto: Marcelo Vidal

FMA – Pelo jeito, então, os trabalhos nos “passeios de cavalo-marinho” vão acabar…

RosanaNão, não! Longe disso. Os passeios são totalmente sustentáveis, preparados com muito cuidado e tem um valor educacional imenso. Pelos passeios nossa equipe ajuda a conscientizar crianças e adultos. São muito importantes. Atualmente seguimos colaborando no projeto “Pesquisa e manejo do turismo interativo com cavalos-marinhos no litoral nordeste brasileiro” coordenado pelo analista ambiental Marcelo Vidal do CNPT/ICMBio e inserida no Plano Estratégico de Pesquisa e Gestão da Informação sobre Biodiversidade (PEP-ICMBio/2023) ou em Plano Específico de Pesquisa de Unidade de Conservação. Marcelo Derzi Vidal, doutor em Biodiversidade e Conservação, ministra palestra sobre “Turismo com fauna em Unidades de Conservação para estudantes de programa de Pós-graduação em Ecoturismo e Conservação em universidades, escolas públicas e eventos turísticos. Ele sempre diz que as interações turísticas com a fauna silvestre, quando ordenadas, regulamentadas e monitoradas, têm o potencial de auxiliar na conservação das espécies, satisfazer as expectativas do visitante e promover a geração de renda nas comunidades receptoras.

FMA – Tem um artigo científico sobre a pesca incidental de arrasto que ocorre sobre os cavalos-marinhos no estado do Rio de Janeiro. Mostra a gravidade da pesca. O que você pode falar sobre isso?

RosanaOlha, é um estudo muito importante. A pesquisa de campo foi realizada entre 2016 e 2018 em toda a costa do Rio de Janeiro. Este estudo teve a colaboração efetiva de 10 pescadores em cinco portos, o de Angra dos Reis, Niterói, São Gonçalo, Cabo Frio e Macaé. O estudo mostra que foram coletados dados e materiais importantíssimos. Os pescadores, além de coletar os cavalos-marinhos presos nas redes, preenchiam o mapa de bordo, feito especialmente para os cavalos-marinhos, onde era possível obter informações de extensão e profundidade de ocorrência dos animais e quais espécies estavam envolvidas nesta retirada incidental. Muitos cavalos-marinhos já chegavam mortos pela pressão sofrida nas redes, seus órgãos eram evertidos para fora do corpo, outros morriam asfixiados. O estudo é base para muitos de nossos trabalhos. Um verdadeiro alerta!

 

 

Esquerda: Hippocampus patagonicus com seus órgãos evertidos pela pressão sofrida nas redes de arrasto (seta vermelha). Direita: Macho grávido morto com a bolsa incubadora aberta mostrando os embriões também mortos. Somente na amostra deste estudo, estimou-se mais de 81 mil embriões perdidos.

FMA – E que espécies seriam estas, elas são muito capturadas pelas redes de arrasto?

RosanaSim, basicamente estamos falando de uma espécie capturada, Hippocampus patagonicus. Foram 2.041 indivíduos coletados nas redes de arrasto e apenas 6 indivíduos de H. reidi durante todo o período de estudo. Nenhum H. erectus, a terceira espécie brasileira, foi capturado. Com base nesta amostra e considerando o tamanho da frota pesqueira de arrasto que atua nas regiões sudeste e sul do Brasil, estimamos que mais de 2 milhões de H. patagonicus são retirados anualmente por essa prática. Sem contar que muitos são machos grávidos podendo-se considerar a perda de milhares e milhares de embriões que não vão nascer para compor o estoque natural. Esta espécie, que tem preferência por profundidades entre 40 e 60 m, e cuja única área brasileira de ocorrência é justamente as regiões piscosas do sudeste e sul. A região necessita de mais proteção e as áreas protegidas marinhas ainda são raras no sul do Brasil. Há necessidade de atender melhor essas espécies, pois as UCs que existem no RS não abrangem a área de ocorrência de H. patagonicus. Detalhes deste trabalho podem lidos em Silveira et al. (2023).

FMA – Você sempre cita ‘Silveira et al’. Quem é este tal de Silveira?

RosanaDesculpe, é a forma resumida que se convencionou citar em textos científicos sobre os trabalhos já realizados: é o sobrenome do primeiro autor seguido de “et al.” (abreviação em latim que significa “e outros”) que são os coautores ou colaboradores. No caso, este tal Silveira é meu sobrenome e o “et al.” são os vários companheiros de pesquisa com quem trabalhei nas respectivas publicações, cujos nomes completos e afiliações podem ser conferidos nas mesmas.

FMA – Conte-nos sobre o trabalho atualmente realizado pelo Instituto Hippocampus em Pernambuco.

RosanaNosso trabalho está realizando o monitoramento em estuários e verificando a ocorrência de espécies e o estado de conservação delas nestes locais. Nosso resultado mais recente publicado (Silveira et al. 2024), aborda cavalos-marinhos em área impactadas por catástrofes ambientais, como o derrame de petróleo ocorrido em 2019 na costa brasileira. Avaliamos duas populações de locais próximos: a ilha de Cocaia e o estuário do rio Massangana, ambas dentro da área portuária de Suape, onde atualmente mantemos nossa sede. O derrame de petróleo de 2019 que tem origem desconhecida, afetou fortemente a costa brasileira, do nordeste ao sudeste, porém somente o estado de Pernambuco recebeu 30% de todo petróleo vazado, sendo Ipojuca e o Cabo de Santo Agostinho, dos municípios mais afetados e onde se desenvolveu este trabalho. Na ilha de Cocaia, exposta diretamente ao mar e altamente impactada pelo petróleo, os cavalos-marinhos coletados deram origem às proles malformadas, enquanto em Massangana, ponto mais interno do Porto e aparentemente saudável, não se observou as malformações. Este foi o primeiro registro de malformações em cavalos-marinhos oriundas de contaminantes ambientais em todo o mundo. Foi muito importante observar que os cavalos-marinhos adultos que foram coletados nestes manguezais eram perfeitos, de aparência saldável e muito bonitos. Jamais saberíamos que a população estava impactada se não tivéssemos levados os machos grávidos ao laboratório para estimar a fertilidade natural. Enquanto continuamos o trabalho, estamos sugerindo estes resultados como uma nova metodologia acurada de monitoramento ambiental.

As figuras A e B são recém-nascido e embrião com morfologia normal. As demais são todos malformados. Entre as principais malformações podemos identificar a escoliose severa, onde o peixe tem sua cauda voltada para trás e para cima, o que impede sua natação, promovendo sua morte, mesmo na ausência de outras malformações. Muito comum também, o focinho e crânio alterados, o formato dos olhos alterado e, frequentemente a falta deles, entre muitas outras anomalias.

 

 

 

Locais de coleta de H. reidi: Ilha de Cocaia (área afetada) e estuário do Rio Massangana (área aparentemente saudável). Informações sobre a extensão do litoral impactado e quantidade (t) de óleo derramado adaptadas de Magalhães et al. (2021). A e B, detalhes do derrame na Ilha de CocaiaM (Fotos governo de Pernambuco).

 

 

FMA – Em 2004, eu estive em Ipojuca, mais precisamente e Porto de Galinhas, e fiz uma matéria sobre o Projeto Hippocampus.  Lá se vão 20 anos.  O que mudou?

RosanaMuita coisa aconteceu neste período. De lá para cá tivemos muitas parcerias fundamentais para o crescimento do Projeto Hippocampus, como a Refinaria Abreu & Lima (PE) de 2008 a 2013 (foram três convênios); a Petrobras Socioambiental de 2014 a 2016 (um patrocínio); Funbio de 2016 a 2018 (um convênio); Município do Ipojuca (três convênios em várias ocasiões). Desde 2020, quando tivemos que fechar a sede de visitação e entregar a casa por conta da covid-19, estamos com sede temporária no Porto de Suape que numa ação voluntária, conhecendo nossa trajetória, acolheu nossos laboratórios na área do complexo portuário e tem prestado apoio aos nossos trabalhos desde então. Atualmente contamos com novos parceiros, como a TECON, a DISLUB e o escritório de Morais Amaral Arquitetura.

 

SAIBA MAIS

BOX 1

O QUE É O PROJETO HIPPOCAMPUS?

O Projeto Hippocampus, desenvolvido pelo Instituto Hippocampus, existe desde 1994, oriundo do Rio Grande do Sul. O Projeto pesquisa a biologia dos cavalos-marinhos brasileiros em laboratório e em ambientes naturais em apoio aos programas de manejo e conservação para as espécies. Em março de 2001, esse Projeto foi transferido para o município de Ipojuca, em Pernambuco, onde teve sede em Porto de Galinhas até 2020. Desde julho de 2020, o Instituto Hippocampus está sediado no Porto de Suape, próximo a Recife, e é mantido por meio de doações e parcerias. O Porto de Suape cedeu um espaço no Centro de Treinamento (Cetreino) para que o Instituto mantenha suas atividades de pesquisa de campo e laboratório. O Instituto Hippocampus conta a parceria de pesquisadores em várias universidades e áreas do conhecimento.

 

CURIOSIDADES SOBRE CAVALO-MARINHO

O nome do gênero dos cavalos-marinhos Hippocampus significa, em grego, “monstro marinho semelhante a um cavalo” ou, segundo outra tradução, “lagarta semelhante a um cavalo”.

O hipocampo no cérebro humano leva o nome do cavalo-marinho (gênero Hippocampus) devido a seu formato semelhante ao peixe.

A bolsa incubadora de um cavalo-marinho macho pode conter simultaneamente mais de mil embriões.

Durante o desenvolvimento dos filhotes na bolsa do cavalo-marinho macho, ele os nutre através de uma falsa placenta, um epitélio altamente vascularizado que passa aos embriões cálcio para formação do esqueleto, vitaminas e fatores de crescimento, assim como regula a concentração salina dentro da bolsa evitando choque osmótico aos embriões enquanto o macho move-se entre salinidades distintas. Também protege a prole de choques mecânicos.

MANUAL de PROTEÇÃO        

Três lembretes importantes para quem quiser ajudar na preservação dos cavalos-marinhos:

1 – Não comercialize, não compre e não use cavalos-marinhos como remédio e como decoração, pelo menos até que este animal sai da lista de espécies em extinção.

2 – Cuide das águas estuarinas, dos manques e da água do mar. Eles precisam de muita qualidade de água para sobreviverem, assim como nós.

3 – Não retire estes animais de seus habitats e denuncie o uso ilegal ao IBAMA, ICMBio e MPF.  

DESMISTIFICANDO

Não existe nenhuma comprovação científica, mas a cultura popular diz que os cavalos-marinhos são afrodisíacos, bons para saúde humana, para curar unha encravada, câncer e muitas outras doenças. E é aí que está o perigo, porque atraídos por estas fantasias farmacêuticas e pela fama de curadores, os cavalos-marinhos são caçados aos montes e vendidos como peças secas nos mercados pesqueiros por míseros R$ 10,00. Chegam a estar ameaçados de extinção. Evidente que além do comércio para remédios e simpatias, têm um outro comércio forte: peixes ornamentais para aquários. No exterior existem empresas fazendo o cultivo de cavalos-marinhos para venda como peixes ornamentais.

MAIS INFORMAÇÕES: o Projeto tem apoio socioambiental do Complexo Industrial Portuário de Suape, Tecon, Dislub e Morais Amaral Arquitetura. Os artigos científicos referentes aos trabalhos citados nesta matéria podem ser baixados do site: www.projetohippocampus.org ou solicitados pelo e-mail: [email protected]  –  @projetohippocampus