TUTELA JURÍDICA DA PAISAGEM

PAISAGENS BRASILEIRAS

1 de janeiro de 2025

DEPOIMENTO DO ARQUITETO-DA-PAISAGEM CARLOS FERNANDO DE MOURA DELPHIM SOBRE O LIVRO “TUTELA JURÍDICA DA PAISAGEM”.

Silvestre Gorgulho

Considero o arquiteto Carlos Fernando de Moura Delphim um dos maiores paisagistas da atualidade. Ele conviveu com o mestre Burle Marx, com quem trocava informações sobre a natureza brasileira. Mas quando o tema é estudos da paisagem natural e cultural, teorias sobre patrimônio, planejamento para manejo de preservação de sítios de valor histórico, recursos naturais e análises sobre geoparques, Carlos Fernando vai muito além do mestre. É mais completo e mais holístico, por ter um viés didático, lato senso, científico e de excelência que extrapola o termo paisagista. Formado pela UFMG, Carlos Fernando criou, no IPHAN, a área de Patrimônio Natural, assim como a categoria de Paisagem Cultural. É membro da Comissão de Patrimônio Mundial da Unesco e trabalha com projetos e planejamento para manejo e preservação de sítios de valor paisagístico, histórico, natural, paleontológico e arqueológico. É autor de várias publicações e três livros de referência: “Jardins do Brasil” – “Jardins do Rio” e “Jardins Inspirados”, da Atlântica Editora.

 

A TUTELA JURÍDICA DA PAISAGEM

Carlos Fernando de Moura Delphim fala sobre o livro do promotor Luciano Furtado Loubet e os caminhos para equilibrar proteção ambiental e desenvolvimento

“Luciano Furtado Loubet aborda um tema importante no cenário jurídico brasileiro tão necessário ao enfrentamento da crise global do clima. Já passou a hora de defender a paisagem como um direito humano”.

 

OS CONFLITOS ENTRE A PROTEÇÃO DA PAISAGEM E O DESENVOLVIMENTO.

Arquiteto formado pela UFMG, ex-diretor do IPHAN e membro da Comissão de Patrimônio Mundial da Unesco, Carlos Fernando de Moura Delphim tem um viés didático e científico de excelência que extrapola o termo paisagista.

 

Por Carlos Fernando de Moura Delphim

“O livro “Tutela Jurídica da Paisagem”, de Luciano Furtado Loubet é o mais novo lançamento que aborda os conflitos entre a proteção da paisagem e o avanço de atividades econômicas, tais como desvio de cachoeiras para energia, plantio de soja no Pantanal, instalação de tirolesas em pontos turísticos e construções de prédios próximos a bens culturais.

Com uma análise prática e aprofundada, Luciano Furtado Loubet apresenta caminhos para equilibrar proteção ambiental e desenvolvimento.

Qualquer contribuição à exígua literatura brasileira sobre paisagem é extremamente bem-vinda. Sobretudo quando não se trata de elocubrações teóricas, mas fundamentadas no exercício de um Promotor de Justiça no Núcleo Ambiental do Ministério Público do Mato Grosso do Sul e Vice-Presidente da Associação Brasileira dos membros de Ministério Público.

Suponho que exercer tais cargos em um estado tão rico em paisagens naturais, com uma vocação agropecuária como é Mato Grosso do Sul, seja uma tarefa muito árdua.

Para tanto exige-se muita isenção e idoneidade. Um livro sobre a tutela jurídica da paisagem é mais do que bem-vindo, sobretudo quando órgãos federais se recusam a cuidar da paisagem cultural, uma categoria por mim apresentada e aprovada pelo Iphan”.

PRESERVAÇÃO E EQUILÍBRIO.

OS LIVROS DE CARLOS FERNANDO

 

Os livros “Jardins do Brasil” – “Jardins do Rio” e “Jardins Inspirados” mostram imagens de sítios históricos como o Parque São Clemente, considerado um dos mais importantes jardins históricos do Brasil, cujo desenho original é do mestre francês Auguste François Marie Glaziou, trazido pelo Imperador Dom Pedro II para cuidar das mais belas paisagens da realeza e da aristocracia brasileira. Esse jardim, localizado em Nova Friburgo, é muito pouco conhecido dos brasileiros. Outros exemplos são os jardins botânicos do Rio de Janeiro e de Brasília; os jardins do Observatório Nacional, do Passeio Público e da Quinta da Boa Vista, no Rio; o parque do Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora, que é o museu com maior acervo de bens do Império no país, além de uma rara o mais recente de todos os retratados no livro, compõe um roteiro completo de visitação pelas áreas verdes da cidade e do estado do Rio. Carlos Fernando não esqueceu os jardins modernos de seu grande amigo Roberto Burle Marx em seu Sítio em Barra de Guaratiba e na capital do País, Brasília.

Considerado um dos mais belos livros já editados, a obra mostra uma visão do autor comprometida com a preservação da natureza e com as formas equilibradas de convivência entre o homem e o mundo natural. Para Carlos Fernando, os jardins sempre foram um indicador do nível de civilização de um povo. “Quanto mais civilizada uma cultura, mais perfeita a arte de seus jardins”, costuma dizer. Para Carlos Fernando, em todas as culturas o jardim significa o paraíso, o paraíso perdido desde o Éden.

PARAÍSO E INFERNO

Partindo desse enfoque, o autor de “Jardins do Brasil” propõe duas possibilidades para enfrentar o futuro no Planeta: Paraíso e Inferno, conceitos antagônicos que são as duas opções da humanidade. O Paraíso representa a relação equilibrada entre homem e cultura. O Inferno, a desordem resultante das ações equivocadas do homem sobre o meio ambiente, ações que podem resultar no desaparecimento da humanidade e da própria vida sobre a face da Terra.

Carlos Fernando de Moura Delphim argumenta que o ser humano se encontra em uma encruzilhada, em um momento crucial no qual ainda pode optar pela deflagração de um caos ou pela reestruturação do Cosmos. Nesse contexto, os jardins e a preservação das paisagens naturais e culturais são o mais perfeito símbolo. ‘Dentre os momentos mais maravilhosos do Universo pode-se citar o surgimento da energia, da matéria, da vida, do homem. Resta aguardar um milagre. Que a Humanidade assuma o compromisso de um novo caminho movido por esta energia primeira e criadora, o Amor’, conclui o paisagista.

GLAZIOU, O PAISAGISTA DO IMPERADOR

 

Auguste François Marie Glaziou nasceu na França, em 1833. Formado em engenharia civil, estudou botânica no Museu de História Natural de Paris, aprofundando seus conhecimentos em agricultura e horticultura. Participou da reforma do Jardim Público da cidade de Bordeaux, na França.

Em 1858, Glaziou veio para o Rio de Janeiro, onde durante longo período acumulou os cargos de Diretor dos Parques e Jardins da Casa Imperial e Inspetor dos Jardins Municipais, além de integrar a Associação Brasileira de Aclimação.

GLAZIOU: o paisagista francês deixou um dos mais importantes legados para a Brasília: projeto do Lago Paranoá.

 

Em 1858, Glaziou veio para o Rio de Janeiro, onde durante longo período acumulou os cargos de Diretor dos Parques e Jardins da Casa Imperial e Inspetor dos Jardins Municipais, além de integrar a Associação Brasileira de Aclimação.

Sua ligação com o imperador, lhe permitiram estar ligado à maior parte de projetos paisagísticos acontecidos na Corte durante o Segundo Império, como as reformas do Passeio Público, da Quinta da Boa Vista e do Campo de Santana.

Além de transformar a paisagem brasileira na segunda metade do século XIX, Glaziou deixou um legado importante para Brasília. Ele participou da segunda Missão Louis Cruls, em 1894, quando percebeu a viabilidade da construção de um lago. No segundo relatório Cruls, Auguste Glaziou apontou a solução técnica para a construção do Lago Paranoá:

Entre os dois grandes chapadões conhecidos na localidade pelos nomes de Gama e Paranoá, existe uma imensa planície sujeita a ser coberta pelas águas da estação chuvosa: outrora era um lago devido à junção de diferentes cursos de água formando o Paranoá; o excedente desse lago, atravessando uma depressão do chapadão, acabou com o carrear dos saibros e mesmo das pedras grossas, por abrir nesse ponto uma brecha funda, de paredes quase verticais pela qual se precipitam hoje todas as águas dessas alturas. É fácil compreender que, fechando essa brecha com uma obra de arte (barragem) forçosamente a água tomará ao seu lugar primitivo e formará um lago navegável em todos os sentidos, num comprimento de 20 a 25 quilômetros sobre uma largura de 16 a 18.”

LAGO PARANOÁ – O idealizador do Lago Paranoá foi o paisagista francês Auguste Glaziou, membro integrante da 2ª Comissão Cruls. A construção da barragem se inicia em 1957, sob responsabilidade da empresa norte-americana Raymond Concrete Pile of Americas. O constante atraso nas obras fez com que JK mandasse rescindir o contrato com a Raymond e transferisse o comando da construção da barragem para as construtoras Camargo Corrêa, Rabelo, Rodobras, Geotec e Engenharia Civil e Portuária.

Obedecendo as diretrizes de Auguste Glaziou, 63 anos depois, em 1957, a Novacap definiu a prioridade da construção do Lago Paranoá no edital do projeto do Plano Piloto. Construído em três anos, a barragem foi inaugurada em 12 de setembro de 1959 (aniversário de JK) dando início à formação do Lago Paranoá.