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Nova espécie de aracnídeo é descoberta na Reserva Biológica da Mata Escura em registro de fotógrafo quilombola

10 de fevereiro de 2025

Registro que levou a descoberta da nova espécie de opilião foi feito por Ednardo Martins, fotógrafo quilombola do território

Comunicação ICMBio

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Cajango ednardoi – Foto: Ednardo Martins

Foi publicada no início de janeiro, no periódico Zootaxa, a descoberta de uma nova espécie de aracnídeo. O primeiro registro fotográfico da nova espécie de opilião foi feito em 2023 por Ednardo Martins, nascido e criado no Quilombo Mumbuca, território com sobreposição à Reserva Biológica (Rebio) da Mata Escura, localizada em Jequitinhonha e Almenara, norte de Minas Gerais. Ednardo, que já foi chefe de brigada do Instituto Chico Mendes e atualmente trabalha como colaborador na Rebio Mata Escura, foi homenageado pelos pesquisadores Adriano Kury e Alexia Granado, que deram à nova espécie o nome Cajango ednardoi.

O registro fotográfico feito na Rebio da Mata Escura foi disponibilizado por Ednardo na plataforma iNaturalist, onde o pesquisador Adriano Brilhante Kury, curador de aracnídeos do Museu Nacional/UFRJ, reconheceu o animal como membro do gênero Cajango

Ednardo conta que “Em 2022, durante um dia de campo, eu encontrei esse opilião. Peguei a foto e postei no iNaturalist. Pouco tempo depois, um professor da UFRJ (Adriano Brilhante Kury) viu o registro e tentou entrar em contato comigo. Ele imaginou se tratar de uma espécie que havia sido descrita por ele e que os últimos registros haviam sido feitos na década de 1940 em Camacan, na Bahia. Adriano organizou uma expedição e veio para tentar encontrar o opilião. Na primeira, não obtivemos sucesso. Após o retorno dele, eu consegui encontrar o opilião novamente. Logo, ele organizaria outra expedição para tentar encontrar, dessa vez com sucesso. Mantivemos contato o tempo todo”.

Ednardo Martins
Ednardo Martins

Ao portal de notícias g1, Kury afirmou que “sem a paixão e o trabalho cotidiano de Ednardo na Rebio da Mata Escura, a existência dessa espécie jamais chegaria ao nosso conhecimento”. O mesmo portal também publicou depoimento de Ednardo Martins, “eu fiquei sem acreditar! A sensação foi inexplicável e até hoje parece que a ficha não caiu! Principalmente por contribuir com a ciência. Eu nunca imaginei receber uma homenagem tão especial! Sinto que cada esforço que fiz até aqui valeu a pena”.

“Edinardo é quilombola da Mumbuca, quilombo que tem 71% de sobreposição com a Rebio. Ele trabalhou como brigadista e acompanhava pesquisadores que vinham à Rebio. Desenvolveu gosto pela fotografia e começou a fotografar com uma câmera simples, com destaque para aves e muriquis. Um pesquisador americano viu as fotos e enviou recursos para o Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB) financiar expedições fotográficas em busca dos muriquis do norte aqui e no Parna Alto Cariri. O MIB está na parceria para execução do PAN Muriqui”, conta a gestora da Rebio da Mata Escura, Márcia Nogueira.

“Quando a Vale S.A. veio celebrar o acordo de cooperação técnica com o ICMBio para o apoio à proteção ecossistêmica da UC, viram as fotos dele e ‘enlouqueceram’. Financiaram uma exposição das fotos que está em nosso Núcleo de Educação Ambiental e é o maior sucesso. Ednardo foi contratado como monitor ambiental pela Vale para trabalhar na Mata Escura. Além disso, ele concorre em concursos com as fotos e os quilombolas ficaram muito orgulhosos com a exposição”, comemora Nogueira.

Amante da natureza, Ednardo Martins trabalha hoje como monitor ambiental na Rebio da Mata Escura, principalmente no monitoramento da biodiversidade, e por seu grande conhecimento do território, de sua biodiversidade e das pessoas, sempre é chamado para acompanhar pesquisadores que realizam trabalhos de campo na unidade de conservação. 

“Eu não tinha muito conhecimento sobre a Reserva quando ela foi criada. Meus pais ainda residem lá no Quilombo Mumbuca. Na verdade, a gente tinha muito medo, pois falavam que a Reserva iria nos suprimir. No ano de 2016, eu tive a oportunidade de conhecer realmente o que era a Reserva Biológica da Mata Escura e seu objetivo. Participei da seletiva para chefe de brigada. Fui selecionado para o período que duraria seis meses. Aparentemente pouco tempo, mas foi suficiente para mudar minha mente completamente!” conta o fotógrafo.

Foto: Ednardo Martins
Foto: Ednardo Martins

“Por conhecer a região e os moradores, eu era sempre acionado para acompanhar pesquisadores em campo. Eu via como era a empolgação deles com os achados. Após o término do contrato, eu consegui ver a natureza de outra forma. Era como se antes eu não enxergasse ou como se eu fosse duas pessoas: uma antes da brigada e outra depois da brigada. Eu coloquei na minha cabeça que queria comprar uma câmera para fotografar. E, com a fotografia, tentar sensibilizar as pessoas em relação à importância da conservação. Mostrar para ser ainda mais valorizado”, explica Ednardo.

Em 2019, Ednardo comprou sua primeira câmera e começou a fotografar a biodiversidade do território. “De início, eu era um observador de aves. No mesmo ano, durante uma passarinhada, tive a oportunidade de encontrar os muriquis-do-norte pela primeira vez! Fiquei apaixonado! Já conhecia o professor da UFV, Fabiano Mello, isso havia acontecido durante a brigada. Mas, como tomei gosto, acabei anotando o contato de todos com quem fiz campo. Quando mandei as fotos para ele, ele ficou encantado! Até então, não havia registros com uma boa resolução dos nossos muriquis da Mata Escura. Não sei confirmar com certeza, mas acho que minhas fotos foram as primeiras dos nossos muriquis. Foi quando veio o convite dele para que eu começasse a acompanhar, registrar e coletar fezes dos muriquis pela MIB. Foi um sucesso! Acabei indo ainda para o Parque Nacional do Alto Cariri, e lá também tive a sorte de fazer os primeiros registros dos muriquis-do-norte para o parque. A partir disso, eu já não era mais um observador de aves, mas sim um observador da natureza. Tudo que encontrava pelo caminho, eu registrava!”

Foto: Ednardo Martins
Foto: Ednardo Martins

“Eu fotografo hoje tentando levar o meu olhar a outras pessoas. Sei que tem coisas que, se a gente mostrar, a gente consegue sensibilizar. Sou muito grato à nossa gestora Márcia Nogueira pela confiança de sempre. Grato também a cada pessoa que trabalhou comigo durante o período de brigada. Grato ao Instituto Chico Mendes pela oportunidade. Uma oportunidade que para alguns é ou foi só uma fonte de renda durante o período. Hoje, eu me sinto outra pessoa. Além de tudo que tenho vivido aqui no meu dia a dia, a fotografia me apresentou muitas pessoas e lugares. Serei eternamente grato a todos. Me sinto na obrigação de continuar trilhando esse caminho. E isso é uma missão minha, comigo mesmo”, conclui o fotógrafo, cujo trabalho pode ser visto em @oficial_ednardomartins.

Criada em 2003, a Rebio da Mata Escura protege 50.892 hectares de Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do Brasil, que é considerado um hotspot de biodiversidade. A UC também faz parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO, sendo a primeira da Rede Mundial de Reservas da Biosfera declarada no Brasil.