Tragédia anunciada

Projeto aprovado pela Câmara dos Deputados fragiliza proteção de unidades de conservação federais

18 de julho de 2025

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) expressa profunda preocupação com a aprovação, nesta madrugada (17), pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei 2159/2021, que dispõe sobre o licenciamento ambiental, que ficou conhecido como PL da Devastação. O projeto aprovado representa um retrocesso significativo na legislação atual, flexibilizando todas as etapas do licenciamento ambiental, com redução de instrumentos e normas, dispensa de estudos e monitoramento de impactos e diminuição do poder da fiscalização por parte dos órgãos públicos.

ICMBio

Importante esclarecer que o necessário regramento para o licenciamento ambiental não visa impedir ou dificultar a implantação de empreendimentos econômicos, mas garantir a existência de parâmetros e normas para sua existência, assim como o estudo de impactos e riscos, com o objetivo de prevenir acidentes ou danos irreversíveis ao meio ambiente.

No que diz respeito às unidades de conservação, o projeto prevê a alteração do artigo 36 da Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), atingindo em cheio as atribuições e competências do ICMBio. A mudança revoga a obrigação de autorização do órgão para o licenciamento de empreendimentos com impacto ambiental significativo em unidades de conservação federais, substituindo-a apenas por uma manifestação não vinculante limitada a casos específicos.

Neste caso, a manifestação acontece em processos com e sem Estudos de Impacto Ambiental (EIA), quando a área diretamente afetada pelo empreendimento estiver no interior de unidade de conservação ou na zona de amortecimento. A manifestação deve ser feita no exíguo prazo de 90 dias para empreendimentos com EIA/RIMA e 30 dias para os demais, sem poder de veto sobre atividades incompatíveis. Já para as unidades de conservação sem zona de amortecimento estabelecida, o ICMBio sequer faria a manifestação, mesmo que o empreendimento esteja limítrofe à unidade.

O projeto aprovado representa um grande risco para a integridade das áreas protegidas federais, dado o conhecimento técnico específico que o ICMBio detém sobre cada uma delas. O projeto compromete gravemente a capacidade do órgão gestor de assegurar a compatibilidade entre atividades econômicas e proteção da biodiversidade brasileira em unidades de conservação.

A ausência de autorização por parte do ICMBio pode trazer ainda prejuízos à segurança jurídica dos projetos, uma vez que podem ser licenciados empreendimentos que comprometam os atributos protegidos ou sejam incompatíveis com as unidades de conservação – exigindo, nestes casos, a futura adoção de medidas cabíveis.

Lógica perversa: lidar com o problema depois que ele acontece

A situação é ainda mais grave para as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que perderão totalmente a participação do ICMBio no processo de licenciamento. Considerando que muitas dessas unidades são extensas e abrangem diversos estados e municípios, a ausência de acompanhamento preventivo pode gerar conflitos com atividades incompatíveis com os planos de manejo aprovados. Nestes casos, o projeto prevê que o ICMBio atue apenas de forma reativa, por meio de vistoria e fiscalização, quando os danos já estiverem em curso. É uma lógica perversa: lidar com o problema depois que ele acontece, ao invés de trabalhar para evitá-lo.

Além disso, estudos técnicos no interior de unidades de conservação de qualquer categoria poderiam ser feitos, por parte dos empreendimentos, informando o órgão apenas com 15 dias de antecedência, não cabendo manifestação prévia do ICMBio. O texto do projeto coloca, genericamente, que as atividades deverão causar a menor interferência possível nos atributos da unidade, sem definir critérios – o que pode gerar divergências de interpretação, considerando a sensibilidade e características únicas de espécies localizadas em áreas protegidas.

Ao enfatizar os pontos que atingem e enfraquecem as suas atribuições, o Instituto Chico Mendes não deixa de manifestar a extrema preocupação com os demais pontos de flexibilização da legislação ambiental brasileira, construída ao longo dos anos e orquestrada com os diferentes entes federativos, aprovados pela Câmara dos Deputados.

A crise climática deixou de ser uma projeção para o futuro e se tornou uma realidade concreta, com impactos crescentes sobre a vida humana e os ecossistemas, especialmente entre os mais vulneráveis. Em um cenário que exige maior responsabilidade ambiental e fortalecimento dos instrumentos de proteção, retroceder na legislação é aprofundar riscos e comprometer a resiliência do País diante dos desafios ambientais. Enfraquecer os mecanismos de controle e prevenção ambiental não apenas agrava problemas atuais, como compromete a capacidade de legar às próximas gerações um ambiente equilibrado e saudável.