AMAZÔNIA

AMAZÔNIA BRASILEIRA NA SECA

1 de agosto de 2025

O que um país faz na região afeta o país vizinho. Há necessidade de agir em conjunto.

Por Márcia Turcato

A Amazônia é um mundo à parte. Tem tempo de cheias fortes e de secas terríveis. O período de chuvas é compreendido entre novembro e março. E o período de seca é entre os meses de maio e setembro. Outubro e abril são meses de transição entre um regime e outro. Hoje a Amazônia vive um período de cheia. Mas é bom conhecer a Amazônia na seca, que é muito mais impactante. A estética das áreas de seca no Brasil é bem conhecida. Amplas localidades da região Nordeste em sua paleta de cores terrenas. Chão duro e árido, aberto por feridas da estiagem. Por isso surpreendeu muito quando o fotógrafo peruano-mexicano Musuk Nolte, 37 anos, expôs fotos que mostravam a seca em uma região muito rica em água, a Amazônia Brasileira. Leito de rios secos, embarcações abandonadas no meio da areia, peixes mortos, pescadores sem trabalho, ribeirinhos sem comida. Cenário apocalíptico.

Cadê o rio que estava aqui? Antes um grande rio que na seca se transforma num alagado. Vista aérea do rio Tarumã, Amazonas. Foto: Musuk Nolte / CAIXA Cultural

 

Musuk Nolte transformou imagens do Norte do Brasil em uma denúncia dos efeitos da emergência climática. O fotógrafo produziu a série “Secas na Amazônia”, premiada no concurso internacionalWorld Press Photo’ 2025. Ele registrou o esvaziamento da bacia do Rio Solimões, no Amazonas, o isolamento de comunidades ribeirinhas e a ruptura das relações sociais e culturais da região como consequência da seca.

A calha de um grande rio se transforma num filete d’água. Trabalhos científicos apontam que, em 2023, todos os países da Bacia Amazônica registraram as menores precipitações de julho a setembro em mais de 40 anos.

QUEM É MUSUK NOLTE

O trabalho de Nolte, assim como de outros fotógrafos premiados em todo o mundo na 68ª edição do ‘Prêmio World Press’ 2025, iniciou itinerância na Caixa Cultural Rio de Janeiro, em julho, e em agosto poderá ser visto na Caixa Cultural em São Paulo, depois Curitiba e, por último, em Salvador. As datas para Brasília e Fortaleza ainda não foram definidas. Mais de 30 países foram convidados a expor os trabalhos. Ao todo, são 42 projetos vencedores que refletem temas urgentes da atualidade: política, gênero, migração, conflitos armados e crises climáticas.

O fotógrafo diz que “a minha foto foi uma das principais destacadas no prêmio. Foi muito importante mostrar uma situação que não é tão conhecida fora do Brasil. Quando fui à Holanda para a premiação, as pessoas ficaram desconcertadas ao descobrirem que era a Amazônia, uma região onde também há problemas relacionados a crimes ambientais, como o tráfico de drogas e de recursos naturais. Uma pessoa com uma câmera, por mais que esteja trabalhando em outra história, está em perigo. A profissão de fotógrafo é para poucos que aceitam conviver com o risco”.

Reconhecido internacionalmente, Musuk Nolte tem se destacado na cena da fotografia documental.

“A AMAZÔNIA É UM TERRITÓRIO ÚNICO.  O QUE UM PAÍS FAZ AFETA O OUTRO”.

MUSUK NOLTE vencedor do concurso internacional ‘World Press Photo’ 2025 é formado em fotografia, com especialização em fotografia contemporânea. Já recebeu prêmios como o Fundo de Emergência da Fundação Magnum, a Bolsa Vital Impacts, além de ter sido nomeado ‘Explorador da National Geographic’.

MUSUK NOLTEENTREVISTA.

Márcia Turcato – O enfoque social é o propósito do teu trabalho?

Nolte – Sim, sem dúvida. Este é o meu principal objetivo, mas, com certeza, há uma preocupação estética com o resultado do trabalho. No entanto, a estética é apenas um veículo para alcançar o propósito maior da minha missão, que é gerar algum tipo de impacto, alertar sobre problemas, sobre questões importantes para a sociedade em geral.

Márcia – Ser latino-americano favorece o relacionamento com as populações tradicionais?

NolteSer latino-americano por si só não garante nada. Tenho, antes de tudo, uma relação de respeito com as populações tradicionais. A dificuldade com o idioma, no caso de populações indígenas, é um aspecto logístico que se resolve. De um modo geral, o trabalho dos fotógrafos tende a focar nos grandes centros urbanos e os territórios mais distantes ficam socialmente isolados por causa dessa escolha. De qualquer modo, acredito que ser latino-americano e documentar os processos de degradação dos territórios em variadas regiões permite desenvolver uma perspectiva mais completa porque existe uma visão e peculiaridades convergentes.

A seca severa na Bacia Amazônia dificulta o acesso ao rio, impedindo as viagens e a alimentação pela pesca.

 

Márcia – Você já passou por algum tipo de risco no exercício da sua atividade?

NolteO principal risco é perder a noção de que estou vendo lugares e pessoas afetadas pela emergência climática ou por opressão social. Meu trabalho se baseia na documentação a longo prazo, o que me permite construir vínculos, amizades e cumplicidade genuínas com as pessoas. Em lugares remotos, onde ocorrem atividades ilegais, sempre é arriscado trabalhar.

 

Márcia – A Amazônia é um território em constante conflito, não apenas do lado brasileiro, é uma situação generalizada.  As dificuldades que você observa no Brasil são as mesmas nos demais países amazônicos?

NolteSim e não. Por um lado, a Amazônia é um só território, atravessado por múltiplas fronteiras, precisamos entender a região como um todo, mas cada país tem suas próprias políticas públicas e leis, muitas das quais aceleram a degradação da Amazônia. Por exemplo, se o Peru decide fazer uma represa para aumentar sua navegabilidade, haverá impactos além de suas fronteiras, pode afetar o Brasil e a Colômbia. É preciso pensar o território em conjunto, o que um país faz afeta o outro.

SAIBA MAIS:

EXPOSIÇÃO: World Press Photo 2025

PRÓXIMAS MOSTRAS A PARTIR DE AGOSTO: São Paulo – Curitiba e Salvador. As datas para Brasília e Fortaleza ainda não estão definidas.