PL DA “DEVASTAÇÃO” PRECISA SER APRIMORADO
1 de agosto de 2025JOSE CARLOS CARVALHO: “O projeto o Licenciamento Ambiental precisa ser aprimorado, mas sem se afastar do seu objetivo primordial de assegurar e promover a qualidade ambiental do país”.
JOSÉ CARLOS CARVALHO – ENTREVISTA
O presidente da República era o general João Batista de Oliveira Figueiredo quando, em agosto de 1981, o Brasil assumiu o compromisso de adotar uma gestão ambiental alinhada ao desenvolvimento socioeconômico. Pela lei 6.938, foi implementada no Brasil a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). A nova política ambiental veio definir os princípios como a proteção dos ecossistemas e de áreas ameaçadas de degradação, incentivos a pesquisas na área ambiental, além do controle e demarcação de atividades potencial ou efetivamente poluidoras.
Após 44 anos, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021, que flexibiliza licenças e dispensa obras de estudos de impacto ambiental para realização de obras no país. O texto do PL, apelidado pelos ambientalistas como “PL da Devastação”, está na Câmara dos Deputados. Defensores do projeto argumentam que sua aprovação teve como objetivo ‘destravar’ o desenvolvimento econômico do país de modo alinhado à proteção ambiental. Em 28 de maio, durante a votação no Senado, o presidente Davi Alcolumbre, foi enfático: “O Congresso não quer fazer mais leis. Quer fazer leis melhores! Leis que destravem o presente e preparem o futuro do nosso país, com responsabilidade ambiental, desenvolvimento social e compromisso com as próximas gerações”.
SITUAÇÃO ATUAL DO PROJETO PL 2159/2021
Conhecido como a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, o PL 2159;2021 visa estabelecer um marco regulatório para o licenciamento ambiental no Brasil. O projeto busca uniformizar os procedimentos de licenciamento e simplificar a concessão de licenças para empreendimentos de menor impacto. Atualmente, o PL está em tramitação no Congresso Nacional, tendo sido aprovado no Senado e retornando para a Câmara dos Deputados.
JOSÉ CARLOS CARVALHO – ENTREVISTA
José Carlos Carvalho tem história. O ex-ministro do Meio Ambiente do governo Fernando Henrique Cardoso deixou um legado como profissional da área florestal, como presidente do Conama, como Secretário Executivo do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e como Secretário do Meio Ambiente de Minas Gerais. No meio da polêmica que envolve o Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021, nada melhor do que ouvir as ponderações e a voz sensata de José Carlos Carvalho, hoje longe da burocracia governamental, mas muito mais perto da terra e das discussões. Engenheiro Florestal, sócio-diretor da ‘Seiva Consultoria em Meio Ambiente & Sustentabilidade’, José Carlos Carvalho continua na ativa fazendo palestras e consultorias internacionais. O ex-ministro é conhecido pela sua idoneidade, competência e equilíbrio em suas ações. Vamos ouvi-lo para melhor tirar nossas conclusões.
Silvestre Gorgulho – O Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que ganhou da opinião pública a denominação do PL da Devastação, tem merecido uma saraivada de críticas pelos retrocessos que introduz neste importante instrumento da Política Ambiental Brasileira. Como o senhor vê esse processo ao longo desses 44 anos?
José Carlos Carvalho – Sim, participei ativamente desse processo. Sempre acolho com a humildade de quem tem uma fé inabalável na democracia e respeita o pluralismo político, que não se coaduna com o pensamento único. Reconheço que o projeto o Licenciamento Ambiental precisa ser aprimorado, mas sem se afastar do seu objetivo primordial de assegurar e promover a qualidade ambiental do país.
Silvestre – Em síntese, quais retrocessos devem ser considerados?
JCC – Olha, nesse sentido, considero retrocessos: o esvaziamento das competências do Conama, o exagero das exceções que dispensam atividades efetiva e potencialmente poluidoras do escrutino do poder público, a LAC para empreendimentos de médio porte e médio potencial de impacto. A Licença por Adesão e Compromisso pode ser adotada para empreendimentos de pequeno porte e pequeno potencial poluidor de impacto local, com anotação de responsabilidade técnica no Conselho Profissional competente, além de plena, total e irrevogável responsabilidade do empreendedor.
Silvestre – E nos casos em que for constatada que a avaliação dos impactos descrito no instrumento omite ou subdimensiona os danos?
JCC – Aí o órgão ambiental deve denunciar o proprietário do empreendimento e o responsável técnico ao Ministério Público competente e processá-los por falsidade ideológica, além de medidas complementares na esfera cível e criminal. Admitida a LAC para empreendimento de pequeno impacto, não é razoável adotá-la para os empreendimentos de médio porte e médio potencial poluidor, cuja capacidade de produzir danos não é comparável com o pequeno, aliás é uma comparação irresponsável.
Silvestre – Mesmo com o avanço das tecnologias de controle ambiental e monitoramento dos empreendimentos em tempo real, faz mais sentido exigir licenciamento trifásico dessa categoria de atividade danosa ao meio ambiente?
JCC – Uma licença de fase única ou bifásica, dependendo da complexidade do empreendimento, é suficiente para assegurar o cumprimento das normas e dos padrões de qualidade, desde que haja mecanismos eficientes de acompanhamento pós licença.
Silvestre – Mas qual é a causa da morosidade do licenciamento?
JCC – Olha, vale salientar que a grande justificativa, a bala de prata que sustenta a adoção do autolicenciamento e agora, no PL, a dispensa de licença de obras de infraestrutura de grande potencial poluidor e degradadora do meio ambiente, é a incapacidade dos órgãos e das entidades ambientais das três esferas de governo de atender a demanda! Ora, essa argumentação omite a causa principal, a verdadeira gênese do problema: o sucateamento do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) e do SNGRH (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos). A incapacidade operacional dos órgãos, submetidos a um raquitismo institucional ultrajante, sem um orçamento e recursos humanos minimamente adequados, sem recursos financeiros, sem apoio logístico, politicamente tratados como instituições periféricas da estrutura de governo, está na origem da morosidade do licenciamento, embora não se possa deixar de considerar a necessidade do seu aperfeiçoamento.
Silvestre – Então, essa é fragilidade institucional da gestão pública ambiental? E qual a solução?
JCC – Ora, a solução adotada não foi o seu fortalecimento, mas a esdrúxula alternativa de eliminar as suas atribuições e competências. Com a estrutura atual dos órgãos e entidades ambientais, mesmo com a devastação das competências previstas no PL, a tão sonhada e decantada celeridade não virá para os empreendimentos que continuarão sendo licenciados, pelas razões já expostas. Não sou adepto do Estado mastodôntico, mas na administração pública ambiental brasileira, para os que defendem o Estado mínimo, é necessário registrar que o que temos é um estado raquítico!
Silvestre – Como já ocorre hoje, mesmo com o licenciamento trifásico, o Sistema não tem a menor capacidade de fiscalizar as condicionantes impostas ao licenciamento. O que dizer então sobre o acompanhamento e fiscalização das LACs?
LCC – A resposta é a inércia e a inação dos órgãos no pós-licença. As inovações são ignoradas. Apresentado como um Projeto modernizante, o PL, além de retroceder, é absolutamente silente em relação às iniciativas verdadeiramente modernas, que são necessárias para que o licenciamento ambiental perca o caráter cartorial que o caracteriza na atualidade. A esse respeito, diga-se que as primeiras versões do PL na Câmara dos Deputados adotavam, inteligentemente, a AAE – Avalição Ambiental Estratégica, que deveria ser parte obrigatória do planejamento governamental, mas que foi posteriormente abandonada.
Silvestre – A que o senhor se refere?
JCC – Entre essas medidas, eu me refiro à necessidade de introduzir no processo, mecanismos de avaliação de impacto ambiental quando se está decidindo fazer o empreendimento. Principalmente na área da infraestrutura. As grandes obras, as que produzem os maiores impactos, não são realizadas sem sofisticadas análises de viabilidade técnica e financeira? Jamais são implantadas sem taxas de retorno que remunerem, com lucro, os recursos financeiros investidos. Todavia, a variável ambiental não é sequer cogitada nessa fase inicial ou examinada de forma rasa, não fazendo parte dessa equação. Isso, incluindo as obras concedidas e financiadas pelo poder público, fazendo com que a taxa de retorno dos investimentos sejam apuradas sem levar em conta os custos ambientais na sua totalidade.
Silvestre – É verdade. Nesse modelo em vigor, a avaliação dos impactos ambientais só irá aparecer no balcão do licenciamento, quando a decisão de fazer já foi tomada por quem pode fazê-lo?
JCC – Não por acaso, o LA tornou-se uma usina de crises. Sabe por quê? Porque a comunidade que não teve nenhuma chance de participar do processo decisório que decidiu empreender a obra no seu início. Só vai ter a chance de participação durante o processo de licenciamento, em razão da transparência da política ambiental brasileira. Assim, todas as demandas e expectativa da sociedade recaem no processo de LA.
Silvestre – O Licenciamento Ambiental pode tudo?
JCC – Ocorre, que o Licenciamento Ambiental, tal como consagrado na legislação nacional, não tem o poder de decidir sobre a implantação dos empreendimentos. Essa decisão já foi tomada, quando a ANP outorgou a exploração de uma plataforma de petróleo, a ANEEL concedeu o direito de exploração de usina hidroelétrica ou de outras fontes, assim como as concessões de rodovias, ferrovias, hidrovias, redes de energia e telecomunicações já foram concedidas. Cabe ao Licenciamento Ambiental fazer, com o rigor necessário, a Avaliação dos Impactos Ambientais, verificar se há impactos ocultos ou subdimensionados, estabelecer as medidas mitigadoras e compensatórias, entendendo a compensação como medida associada exclusivamente aos danos não mitigáveis do empreendimento, sem transformá-la em condicionantes que nada tem a ver com os danos causados, como ocorre atualmente.
Silvestre – E quando o custo das medidas mitigadoras, compensatórias e das condicionantes tornar o empreendimento inviável?
JCC – O empreendimento tem que ser considerado inviável, sob pena de viabilizá-lo, externalizando os custos e socializando os prejuízos ambientais com toda a sociedade. Notadamente com as comunidades direta e indiretamente afetadas. Neste caso e, somente neste caso, o LA pode contribuir para que uma obra não seja executada. Isto somente ocorrerá porque não tendo havido nenhuma AIA (Avaliação de Impacto Ambiental) ex-Ante para mensurar os custos reais, com a inclusão do custo ambiental, o empreendimento não é sustentável, fato que deveria ocorrer quando a decisão de o fazer foi tomada.
Silvestre – Pode ser o chamado desenvolvimento inócuo?
LCC – Ora, não sendo sustentável o empreendimento não pode ser licenciado, porque o papel da LA é, exatamente, o de evitar o desenvolvimento predatório, a depleção dos recursos naturais, o que provoca um desenvolvimento autofágico e, por consequência, uma prosperidade falsa.
Silvestre – Mas para isso não existe o EIA/RIMA?
JCC – Temos que ver o seguinte: na imensa maioria dos casos, o EIA/RIMA ou estudos análogos são elaborados com base nos projetos conceituais e básicos. Raramente, os Estudos de Impacto ambiental levam em conta o Projeto Executivo. Na verdade, o projeto executivo deveria incluir todas as medidas de proteção ambiental, que é deixada para a implementação das ações previstas nos estudos de impacto. Não é por acaso, que as licenças ambientais das grandes obras contemplam uma miríade de condicionantes. Quanto maior a quantidade de condicionantes, mais evidente é a desconexão entre o EIA/RIMA e o Projeto Executivo do empreendimento, acarretando o descumprimento da licença e permanentes atritos entre o empreendedor, os interesses que ele representa e as instituições licenciadoras. Não é raro o empreendedor procurar o órgão ou entidade licenciadora para solicitar que determinadas condicionantes não sejam implantadas, alegando falta de recursos financeiros, como se elas fossem descartáveis, um mero apêndice do projeto.
Silvestre – Há outras medidas inovadoras para modernizar a Licença Ambiental?
JCC – Muito interessante essa questão. É superimportante a vinculação da LA às metas de qualidade ambiental. Essa é outra medida inovadora necessária para modernizar o LA e ignorada pelo PL: a sua vinculação às metas de qualidade ambiental, tendo como referência espacial a Bacia Hidrográfica, a partir do corpo d’água no qual está localizado, valorizando o fator locacional. Os rios são o espelho do que ocorre no território, razão pela qual a dimensão territorial não pode estar excluída de um licenciamento moderno. O Licenciamento por fonte, como ocorre tradicionalmente, sem considerar a realidade ambiental do território, não permite a avaliação dos impactos sinérgicos e cumulativos de um conjunto de empreendimentos licenciados isoladamente, cujos impactos positivos e negativos não podem ser mensurados. É a licença pela licença que caracteriza o cartório, assim como a outorga de uso dos recursos hídricos pela outorga pura e simples, sem estabelecer metas de qualidade ambiental do ar, da água e do solo, no âmbito da bacia hidrográfica, referência espacial já estabelecida na Lei 6 9433/97, que também instituiu a classificação dos corpos d’água, de acordo com os usos preponderantes dos recursos hídricos.
Silvestre – Mas, a Lei Nacional do Meio Ambiente (6.938/1981) já instituiu como instrumento da política ambiental o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental e o Relatório Anual de Qualidade Ambiental do país…
JCC – Bem lembrado, o inciso X, do mesmo artigo, diz que deveria ser publicado anualmente pelo IBAMA, mas que é historicamente ignorado. O licenciamento ambiental é entre os instrumentos da PNMA, praticamente o único que foi universalizado, ainda que com as debilidades institucionais das instituições licenciadoras. Por isso, além do inadiável fortalecimento do SISNAMA, e efetividade do LA depende da eficácia dos outros instrumentos, particularmente do Zoneamento Ambiental.
É axiomático dizer, que tínhamos um Congresso mais visionário na ditadura, do que o da legislatura atual, um parlamento, que na democracia reconquistada e consolidada com a Assembleia Nacional Constituinte, que nos legou a Constituição Federal de 1988, perdeu a sintonia com o espírito do tempo em que vivemos.
Silvestre – O senhor que já foi presidente do Conama o que pode dizer de seu esvaziamento e, também, sobre a governança do Licenciamento Ambiental?
JCC – Posso dizer o seguinte: a gestão ambiental brasileira nasceu, surpreendentemente moderna, em 1981, nos estertores da ditatura militar, graças à liderança e ao descortínio do Dr. Paulo Nogueira Neto. À época, mesmo num regime de exceção, que dava os primeiros passos rumo à democratização do país, foi possível obter do Congresso Nacional, uma lei que criou o SISNAMA, levando em consideração a organização federativa do Estado brasileiro e instituiu o Conama, assegurando uma governança colegiada e participativa, com poder deliberativo. É axiomático dizer, que tínhamos um Congresso mais visionário na ditadura, do que o da legislatura atual, um parlamento, que na democracia reconquistada e consolidada com a Assembleia Nacional Constituinte, que nos legou a Constituição Federal de 1988, perdeu a sintonia com o espírito do tempo em que vivemos.
Silvestre – Não é possível que estamos retornando aos paradigmas de antes da grande Conferência da RIO”92?
JCC – É verdade. Vale dizer duas coisas: Primeiro que, na área ambiental, estamos retornando aos velhos e carcomidos paradigmas Pré-Conferência da ONU no Rio de Janeiro, em 1992. Ironicamente vale lembrar que a RIO”92 foi realizada no Brasil e que o Brasil está prestes a realizar a COP’30. E, vale lembrar que o Conama ganhou importância e tornou-se um espaço institucional fundamental do Estado brasileiro antes mesmo da Constituição de 1988, como instância colegiada, porque a fruição dos direitos difusos, os direitos de última geração, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, não se coadunam com o modelo tradicional de governança baseado nas decisões monolíticas e unilaterais da autoridade pública.
Silvestre – Sim, daí a importância da gestão colegiada…
JCC – Sim, gestão participativa que assegure à sociedade o poder de participação no processo decisório que trata de bens tutelados pelo Estado e de temas de interesse coletivo. É inolvidável a importância do Congresso Nacional como poder legislativo federal, mas a própria Constituição consagra, logo no seu Artigo 1º, Parágrafo Único, a DEMOCRACIA DIRETA, como fundamento da governança participativa. Como a Lei 6938/81, que instituiu o Conama foi recepcionada pela Constituição de 1988, as atribuições do Conselho são constitucionais, como decidiu o STF, por unanimidade, em matéria relatada na Corte pela ex-Ministra Rosa Weber, reposicionando o papel do Conselho, após sua mutilação no governo passado.
Silvestre – Há quem defenda que o PL traz segurança jurídica dentro do chamado federalismo ambiental.
JCC – Uma avaliação equivocada. Eu sei que diversos segmentos do setor produtivo dizem de que o PL traz segurança jurídica. Eles têm o entendimento de que a Lei Geral padroniza o licenciamento no país é equivocada, porque a competência legislativa na matéria ambiental não é privativa da união. Na verdade, a competência para legislar sobre o assunto se insere no âmbito das competências concorrentes previstas no Artigo 24 da CF. Isto é, as unidades federadas podem legislar concorrentemente com a União para estabelecer legislação especifica que atendam às suas peculiaridades, desde que as normas sejam mais restritivas do que a regra federal. Os Estados vêm legislando, em muitos casos, para atenuar as normas federais, em afronta à Constituição, razão pela qual várias Leis Estaduais têm sido declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte, mas eles podem legislar para tornar o regramento mais restritivo, levando em conta as realidades estaduais. Esse é um princípio fundante da Federação, visando adequar as normas legais às peculiaridades locais, diante das assimetrias do território, da distribuição dos Biomas e das suas características fitogeográficas. Caso contrário, não seríamos uma República Federativa, mas uma República Unitária.
Silvestre – Então se pode ignorar as competências dos entes federados?
JCC – Não é bem assim. Não se pode ignorar que as competências dos entes federados, levando em consideração o federalismo cooperativo estatuído pela Constituição Federal. Isso foi disciplinada pela Lei Complementar 140/11, hierarquicamente superior à Lei Geral, de caráter ordinário. A referida LC 140 estatuiu a Comissão Tripartite (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) como instância decisória para repartir e compartilhar as competências dos entes federados. A Lei Complementar atribuiu aos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente o poder de definir as competências dos Municípios para além das competências originárias que lhes são próprias. Essa transferência de competências, lamentavelmente, tem sido feita de forma inadequada e, em muitos casos, irresponsavelmente.
Silvestre – Mas ninguém “mora” no País ou no Estado: as pessoas moram e vivem no município, os empreendimentos são nos municípios.
JCC – Pode ser, mas é fundamental que os Municípios tenham Conselhos Municipais paritários, de natureza participativa e deliberativa para evitar o que vem ocorrendo: A prefeiturização do licenciamento e não a municipalização, que deve ser responsavelmente promovida. Por outro lado, municípios que ainda destinam seus resíduos sólidos para LIXÕES, não têm autoridade moral para atuar na área do licenciamento. Deve ser registrado que o país tem quase 2.500 municípios com menos de dez mil habitantes, sendo 1.253 deles com menos de cinco mil, ou seja, quase metade dos municípios não têm a menor capacidade institucional de promover um licenciamento minimamente satisfatório, por carências de toda natureza.
Silvestre – E como enfrentar essa realidade?
JCC – Para isso é fundamental criar arranjos institucionais intermunicipais, estimulando uma gestão integrada e compartilhada no território, adotando preferencialmente, uma ideia inovadora, que o PL também não considerou, mas que pode ser tratada no âmbito da Comissão Tripartite criada pela LC 140. É relevante mencionar que o Projeto de Lei submetido à sansão do Presidente da República ignorou a Jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, o que desautoriza o legislador e as entidades de classe do setor produtivo arguir uma suposta segurança jurídica, que o PL não assegura.
Silvestre – Que decisões consolidadas dos tribunais superiores?
JCC – São as decisões recentes do STF, no julgamento que ficou conhecido como o Pacote Verde, contemplando sete ações de inconstitucionalidade de decisões adotadas no governo passado, e que teve como relatora a ministra Carmem Lúcia. Além da decisão específica sobre a composição e a participação da sociedade civil no Conama, relatada, como já falei, pela ex-Ministra Rosa Weber. Entre as decisões prolatadas no Supremo, está a ADI 6808, que declarou a inconstitucionalidade da MP que permitia licença ambiental automática para empreendimentos de grau de risco médio e que impedia a solicitação de informações adicionais para instruir o processo de licenciamento. Vale citar, também, a ADPF 623, relatada pela ex-Ministra Rosa Weber, que anulou o Decreto 9.806/19, que reduziu a composição do Conama, desidratando a representação da sociedade civil no Conselho.
Silvestre – Como o senhor vê a decisão do Presidente da República quanto aos vetos no PL?
JCC – Olha, neste contexto, é previsível que o Presidente da República será levado, por razões de natureza constitucional, a vetar vários artigos do PL. Mas, me parece recomendável que os vetos sejam negociados, republicanamente, com as lideranças do Congresso Nacional. Não havendo receptividade dos congressistas a uma negociação de alto nível e caso os vetos do Presidente sejam derrubados, o destino inevitável do Projeto de Lei será sua submissão ao crivo do STF.