Criação da APA da Foz do Rio Doce marca nova fase de reconstrução ambiental e social liderada pelo ICMBio
7 de novembro de 2025Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão (MG), o Instituto Chico Mendes consolida ações de reparação e conservação no Rio Doce, com monitoramento científico, fortalecimento das comunidades e proteção da biodiversidade marinha
A Área de Proteção Ambiental da Foz do Rio Doce foi oficialmente criada em 3 de junho deste ano – Foto: Marcello Lourenço/Centro TAMAR
Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), o maior desastre ambiental da história do Brasil ainda reverbera nas águas, nas comunidades e nos ecossistemas do Rio Doce e de sua zona costeira.
Passada uma década, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) mantém uma atuação contínua e estratégica na reparação ambiental e na conservação da biodiversidade, consolidando-se como um dos principais pilares técnicos do Novo Acordo de Mariana, homologado pelo Supremo Tribunal Federal em novembro de 2024. O Instituto participa de comitês e câmaras técnicas do sistema de governança do acordo, contribuindo com base científica, rigor técnico e gestão participativa para orientar as ações de recuperação.
As baleia-jubarte são visitantes frequentes na área marinha protegida pela APA – Foto: Projeto Baleia JubarteAPA da Foz do Rio Doce: um novo marco de proteção
Entre as iniciativas estruturantes está a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Foz do Rio Doce, instituída oficialmente em 3 de junho de 2025, com cerca de 43 mil hectares no norte do Espírito Santo. A unidade de conservação (UC) federal de uso sustentável tem como objetivos proteger a biodiversidade marinha e costeira, ordenar o uso dos recursos naturais e preservar modos de vida tradicionais.
A nova APA protege espécies emblemáticas, como a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) — criticamente ameaçada de extinção —, a toninha (Pontoporia blainvillei), o mamífero marinho mais ameaçado do país, e a baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae), visitante frequente na área. A criação da unidade foi precedida por consultas públicas amplas em comunidades tradicionais como Regência Augusta, Degredo e Comboios.
“A APA ressurge com força após o rompimento da barragem, mas ela antecede esse desastre. A necessidade de proteger a área se tornou ainda maior”, afirma Luciana Souza de Oliveira, liderança comunitária de Regência Augusta.
Monitoramento e ciência: o ICMBio como guardião da informação
Desde antes da chegada da lama ao mar, o ICMBio atuou em parceria com universidades e órgãos ambientais para garantir a coleta de dados e o acompanhamento técnico dos impactos. O analista ambiental Frederico Drumond, ex-coordenador da Câmara Técnica de Conservação da Biodiversidade (CTBio), lembra que o Instituto “teve um papel fundamental desde muito antes da lama chegar à foz do Rio Doce”, garantindo registros prévios que seriam essenciais para futuras ações de reparação e indenização.
Um dos destaques dessa trajetória é o Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA) — reconhecido como o maior monitoramento ambiental já realizado no Brasil. O programa cobre desde a porção dulcícola até o ambiente marinho, com a participação de mais de 500 pesquisadores de 30 universidades, sob coordenação da UFES e da Fundação Espírito-santense de Tecnologia (FEST).
Segundo Joca Thomé, coordenador do Centro TAMAR/ICMBio, “houve estruturação, construção de laboratórios, equipamentos e hoje as universidades são as mais capacitadas e estruturadas para possíveis novos eventos de rompimento e/ou de derramamento de óleo”. Ele destaca que o monitoramento constante permitiu a formação de uma nova geração de pesquisadores, mestres e doutores voltados à ecologia e à conservação.
O Programa de Monitoramento Quali-Quantitativo Sistemático (PMQQS), criado em 2017, complementa esse esforço ao gerar dados contínuos sobre qualidade da água e dos sedimentos. O programa analisa dezenas de parâmetros — desde temperatura e oxigênio dissolvido até ensaios de ecotoxicidade, que revelam impactos em diferentes níveis tróficos e confirmam efeitos crônicos de toxicidade em larvas e organismos aquáticos.
Os dados mostram ainda que lagos atuam como refúgios ecológicos para espécies nativas e que macrófitas aquáticas, como Ludwigia octovalvis e Pistia stratiotes, funcionam como bioacumuladoras, capazes de auxiliar na remediação ambiental ao reter metais pesados.
Além da morte de 19 pessoas e o desaparecimento de outras três, cerca de 40 milhões de m³ de rejeitos de minério se arrastaram por 600 km da calha do Rio Doce há 10 anos – Foto: DivulgaçãoConsolidação das Unidades de Conservação
Em 2025, o Projeto de Consolidação das Unidades de Conservação Federais foi aprovado na 6ª Reunião Extraordinária do Comitê do Rio Doce. O investimento de R$ 76,5 milhões (2025–2028) abrange sete municípios entre Espírito Santo e Bahia e sete UCs federais, beneficiando potencialmente 100 mil pessoas.
Os eixos de ação incluem educação ambiental, manejo de espécies, inovação tecnológica em monitoramento, além da promoção do uso público e da visitação sustentável. A expectativa é elevar o índice de efetividade de gestão (SAMGe) e fortalecer o desenvolvimento sustentável das comunidades locais.
Governança e legado do Novo Acordo de Mariana
O Novo Acordo de Mariana consolida o aprendizado acumulado ao longo da última década, trazendo um modelo de governança mais transparente e técnico. Essa estrutura garante padronização metodológica, acesso público a dados ambientais e participação social, além de fortalecer a base científica para decisões de reparação e compensação. Entre os próximos desafios, estão a restauração dos tributários do Rio Doce, a melhoria da qualidade da água e o fortalecimento da resiliência dos ecossistemas.
Presidente da CTBio à época, o analista ambiental do ICMBio, Frederico Drumond Martins – Foto: Divulgação/ICMBioUm novo ciclo de reconstrução ecológica e social
O ICMBio reafirma seu compromisso com a reparação ambiental, a justiça socioambiental e o desenvolvimento sustentável. A criação da APA da Foz do Rio Doce, o fortalecimento dos programas de monitoramento e o investimento na consolidação das UCs representam um novo ciclo de reconstrução ecológica, social e institucional para a região.
Mais do que um marco de gestão, essas ações reafirmam que o Rio Doce segue vivo — e que, apesar das cicatrizes, há um esforço coletivo para transformar o maior desastre ambiental do país em um legado de ciência, conservação e reconstrução.
Por Centro Tamar/ICMBio
