Jardim Botânico

ESCÂNDALO E ULTRAJE NO JARDIM BOTÂNICO DO RIO

1 de novembro de 2025

Acordo assinado dia 13 de outubro impede a remoção das invasões dentro do Jardim Botânico e tenta beneficiar 621 moradias clandestinas dentro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Silvestre Gorgulho

As terras do Jardim Botânico foram cedidas no século passado para moradia de funcionários. Aí, passando de pais para filhos, as terras foram alugadas e vendidas para construção de novas residências e até prédios. Hoje, com 621 moradias, o Jardim Botânico foi ultrajado e teve uma diminuição de área de mais ou menos 50%. Além da poluição nas nascentes do rio dos Macacos, que deságua na Lagoa Rodrigo de Freitas, as invasões comprometem um patrimônio natural histórico e cultural inestimável. Com o aval de quem deveria protegê-lo, o Ministério do Meio Ambiente e a sociedade carioca, agora é feito um escandaloso acordo que garante a permanência das 621 moradias dentro neste santuário brasileiro.

 

O vídeo abaixo tem 14 minutos e faz um resumo da importância do Jardim Botânico do RJ e dos pecados, omissões e agressões que, ao longo do tempo, este santuário cultural e ambiental vem sofrendo. Foi feito por Antônio Carlos de Souza Viard, em 1985. Segue o link.

https://www.youtube.com/watch?v=enzOGCPOOA0

 

 

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro é um patrimônio da Colônia, do Reinado, do Primeiro Império, do Segundo Império e da República. É a verdadeira História do Brasil. Hoje, a mais antiga e uma das mais importantes instituições de pesquisas do País está seriamente ameaçada. O motivo é o de sempre: descaso das autoridades, falta de recursos, invasões e ocupações ilegais. Fundado em 1808, por D. João VI, o JB-RJ têm 174 hectares e vem sofrendo com as invasões. São 621 imóveis ilegais, entre

oficinas e residências, algumas até com piscina. O rio dos Macacos, que atravessa o JB, está totalmente poluído pelo esgoto das casas e das oficinas clandestinas. Cartão de visitas do Rio, o Jardim Botânico retrata muito bem a decadência da cidade do Rio de Janeiro.

Invasões de 621 casas dilapidam, aos poucos, a joia

que é o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

 

 

CARLOS ALBERTO RIBEIRO DE XAVIER – ENTREVISTA

Carlos Alberto Ribeiro de Xavier foi Diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1983 a 1985. É formado em Contabilidade, Administração e Economia, mas na realidade é um ambientalista e educador. Foi diretor do antigo IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal e do Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional, onde presidiu o conselho consultivo. Trabalhou com 22 ministros de Estado, sendo o chefe de Gabinete de dois deles: Embaixador Sérgio Rouanet, da Cultura, e Murilo Hingel, da Educação. Nesta entrevista, Carlos Alberto explica por que o abandono do Jardim Botânico do Rio está atrelado a três fatores: autoritarismo, interferência de políticos e omissão das autoridades.

 

Silvestre Gorgulho – Carlos Alberto, como começou verdadeiramente sua luta para defender o Jardim Botânico do Rio?

Carlos Alberto Ribeiro de Xavier – Em 1977, eu era Diretor do IBDF e contratei Ângela Trezinari e Carlos Fernando de Moura Delphim, da Fundação de Amparo à Pesquisa da Universidade de Lavras, para realizar o Plano Geral de Orientação para a área do Jardim Botânico. Esse estudo desnudou as contradições, o abandono, as invasões e a degradação que vivia o Jardim Botânico.

 

Silvestre – Como uma entidade de tanto conceito e qualidade perdeu, de repente, esta proteção?

Carlos Alberto – Simples, porque desde a mudança da capital para Brasília e, sobretudo, desde 1964 quando se iniciou a ditadura militar, as pessoas esqueceram que o JB não ia mudar para Brasília. Mesmo “imexível ou imutável”, tinha que ser preservado e cuidado. Mas aconteceu o contrário. O Jardim Botânico foi abandonado. Pior! Foi conspurcado e começou a ser invadido. O grosso das invasões ocorre justamente nesse período. A situação ficou tão absurda que, no início dos anos 80, havia uma troca constante de diretores (quatro em três anos) porque todas as notícias que saiam do JB eram para as páginas policiais. Virou um caso de polícia mesmo. Então, em 1983, eu fui nomeado diretor para literalmente arrumar a casa.

 

Silvestre – E arrumou?

Carlos Alberto – Fiz o que pude e o que não pude.  Eu contratei topógrafos, consultores, me reuni com uns amigos durante dois dias e fizemos como na revolução russa: primeiro as primeiras coisas, segundo, as segundas coisas, terceiro as terceiras coisas. Fizemos uma lista de 50 prioridades do “que fazer”. É claro que eu não consegui fazer as 50 coisas, mas fiz todas as coisas possíveis e as que precisávamos para entregar uma denúncia para o Ministério Público que se instalou no Rio logo no início da vigência da Lei. O procurador deu uma entrevista e falou: “Amanhã, vou estar na Avenida tal, no escritório do MPF para receber as denúncias que qualquer cidadão tiver contra as ameaças ao patrimônio, ao meio ambiente, ao consumidor”. 

 

 

“O direito individual à habitação não pode ombrear com o direito coletivo à preservação de sítios tombados, constitutivos dos hortos florestais. É inadmissível, pois, sob o argumento da garantia à moradia, a ocupação de áreas públicas, ou de bens de uso comum do povo, como ruas, praças, jardins e parques.”

Walton Rodrigues, ex-ministro do TCU

Silvestre – Pois é, depois de quase meio século de uma luta judicial, o Jardim Botânico do RJ perdeu. Os invasores de 621 residências ganharam. Não é um absurdo?

Carlos Alberto – Eu não digo que o Jardim Botânico perdeu. Esse acordo de autoridades e representantes locais de instituições federais não será mantido. Não tem poder de mudar decisões definitivas do Poder Judiciário em Tribunal Superior. Portanto, temos que esperar a manifestação do STJ, oportunamente, quando for provocado.

Vista Chinesa – Nascente do rio dos Macacos – “É um exemplo constrangedor. Como as autoridades cariocas permitem que um santuário como o JB seja invadido e que um rio de água mineral, que nasce perto de suas dependências, seja completamente poluído. Nasce água mineral e a 1.700m depois já é esgoto a céu aberto”.

 

 

Silvestre – Como pode o mais representativo patrimônio ambiental, cultural e histórico brasileiro sofrer uma derrota dessas?

Carlos Alberto – Não é necessário falar sobre a importância histórica e cultural do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Ela é sempre reconhecida. A derrota representa a leniência das autoridades, inclusive da direção do próprio Jardim Botânico que permitiu ou convive com a invasão. É da responsabilidade da administração do Jardim Botânico e deve ser responsabilizada. O diretor do Jardim Botânico apresentou denúncia ao Ministério Público Federal em 1984 e de lá para cá os diretores conviveram com a ocupação crescente, pois o número de moradores hoje é maior do que o do início do processo. Mais do que omissão é uma evidente falta de interesse público e cultural.

 

Silvestre – Juridicamente este acórdão pode ser revogado?
Carlos Alberto – O Acordão não pode ser revogado. Está vivo. Está valendo. Talvez possa ser reformado pela mesma autoridade, nunca por instâncias inferiores da Justiça.

 

 Silvestre – No caso do Jardim Botânico do Rio, o que é mais importante: o interesse coletivo pela cultura e meio ambiente ou o interesse individual e privado?
Carlos Alberto – Não existe interesse maior do que manter os valores reconhecidos deste Bem cultural único, tombado desde 1937 e ratificado pelo IPHAN em diversas oportunidades. O interesse menor é conviver com a invasão da Floresta da Tijuca como está acontecendo agora, nos limites do Jardim Botânico com o Parque Nacional da Tijuca.

 

Silvestre – O IPHAN tem poder para assinar um acordo desses?

Carlos Alberto – O representante do IPHAN que participou do acordo com os moradores não tem nenhuma autoridade para mudar a decisão judicial. Nem o próprio presidente da autarquia, Leandro Grass, poderia fazê-lo antes de parecer do Conselho Consultivo do IPHAN.

 

“Penso que o Acordão do Ministro Hermann continua valendo e o acordo assinado no Rio, dia 13 de outubro, será anulado pelo STJ, quando for provocado”.

Carlos Alberto Ribeiro de Xavier

 

 

Silvestre – Como fica a decisão jurídica do ministro Herman Benjamin do STJ?

Carlos Alberto O Acórdão do Ministro Hermann Benjamim continua válido. Com certeza o acordo assinado no Rio será anulado no STJ, quando for provocado. É bom lembrar que qualquer cidadão ou entidade representativa pode apresentar reclamação na Justiça, pedindo a anulação do acordo feito agora e pedir o cumprimento da sentença de retirada dos invasores. Começou com a retirada do Clube Caxinguelê e parou… por quê? quem deixou de cumprir a decisão?

 

 

“Nem mesmo o acórdão unânime do Superior Tribunal da Justiça foi respeitado. Somente alguns ambientalistas e a liberdade de expressão lograram defender o bem de todos”.

Carlos Fernando de Moura Delphim

 

O Acordão não pode ser revogado. Está vivo. Está valendo. Talvez possa ser reformado pela mesma autoridade, nunca por instâncias inferiores da Justiça.