Conservação

Democracia Ambiental em Prática: Oficina em Porto Velho (RO) é marco para Conselhos de Unidades de Conservação

4 de dezembro de 2025

A 1ª Oficina de Avaliação do Protocolo AME-Conselhos, reunindo gestores do ICMBio e comunitários das cinco regiões do país, avança na consolidação de um modelo participativo para a gestão das áreas protegidas no Brasil

ICMBio

A oficina ocorreu no espaço de formação Kanindé – Foto: Nauê Gomes Mello

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” 

Este é o artigo 225 da Constituição Cidadã que, elaborada há menos de 40 anos, assumiu que a gestão do patrimônio ambiental brasileiro é responsabilidade compartilhada. Na prática, isso significa que políticas públicas ambientais não podem ser construídas de forma isolada: a participação da sociedade é um princípio constitucional. 

Uma obrigação federal, mas atravessada por um reconhecimento histórico: a democracia participativa no Brasil ainda é jovem. A Constituição de 1988 é a primeira a estruturar a participação social como princípio de Estado.  

No campo da conservação da biodiversidade, essa promessa se materializa nos Conselhos das Unidades de Conservação (UCs) — espaços de diálogonegociação e construção de soluções coletivas e inserção das áreas protegidas no cotidiano da sociedade. Neste caminho, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão que gere as UCs federais, guiado pela missão de “cuidar da natureza com as pessoas”, deu um largo passo no fortalecimento destas instâncias: a consolidação de um instrumento de qualificação da atuação dos Conselhos. 

“Tem quem fale que se trabalha pouco em prol do meio ambiente, mas eu vejo que são trabalhos de formiguinha, e que nós, dos conselhos, somos multiplicadores da boa nova”, coloca Maria de Fátima Sobrinha, conselheira no Parque Nacional da Furna Feia (RN). 

1ª Oficina de Avaliação do Protocolo de Monitoramento de Efetividade dos Conselhos das Unidades de Conservação 

Entre 25 e 26 de novembro, uma oficina em Porto Velho, Rondônia, no espaço de formação da Associação Kanindé, marcou a etapa final da aplicação piloto do Protocolo de Avaliação e Monitoramento da Efetividade dos Conselhos (AME-Conselhos), um instrumento destinado a qualificar a atuação dos Conselhos e oferecer parâmetros claros para compreender se esses colegiados estão funcionando de forma representativa, ativa, equitativa, atuante e propositiva — ou seja, se estão cumprindo o papel previsto pela Constituição e pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). 

Reunidos na Associação Kanindé, uma das organizações indígenas e socioambientais mais reconhecidas da Amazônia, referência em proteção territorial e formação comunitária, conselheiros e servidores do ICMBio dos cinco cantos do país puderam avaliar coletivamente os princípios, indicadores e metodologias de aplicação do protocolo, reunindo o conhecimento acumulado ao longo do ano. 

A proposta foi trabalhar de forma colaborativa e solidária, para que as equipes pudessem: 

  • Analisar resultados; 
  • Identificar lacunas e oportunidades; 
  • Propor melhorias; 
  • Consolidar a versão final do Protocolo AME-Conselhos; 
  • e desenhar o caminho para sua institucionalização no ICMBio. 

A consolidação do protocolo permitirá, em 2026, a publicação de um guia de aplicação, para que todas as UCs interessadas possam utilizá-lo de forma padronizada e qualificada. Mais que um encerramento técnico, a oficina representou um marco na consolidação de um instrumento voltado ao aprimoramento da governança socioambiental no Brasil. 

Foto: Nauê Gomes Mello

Mesa de abertura inaugura o diálogo em Porto Velho 

Ao início do primeiro dia de atividades (25), uma mesa de abertura deu o tom dos trabalhos da Oficina. A mesa foi composta por uma das fundadoras da Kanindé, a ativista Neidinha Suruí, com trajetória internacionalmente reconhecida na defesa dos direitos humanos e dos povos indígenas, pela diretora de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial em UCs (DISAT) do ICMBio, Kátia Torres, e pelo coordenador-geral de Gestão Socioambiental (CGSAM), Sérgio Freitas. 

“Unidade de conservação é política pública, não é uma política do Instituto Chico Mendes, é uma política da sociedade brasileira que necessita de áreas protegidas, conservadas — e com muito respeito aos povos tradicionais, às comunidades mais vulneráveis que estão nas unidades. Então, avaliar se o Conselho está sendo efetivo no seu território, promovendo também a inclusão social e a garantia dos direitos, é fundamental”, avaliou Sérgio. 

“É maravilhoso estarmos aqui refinando essa proposta, pois a participação não é uma escolha, é uma prontidão, uma forma de trabalhar, uma forma de ver o mundo. Termos um professor de meteorologia e um pescador juntos. Gente, esse mosaico é fantástico”, colocou Kátia. 

Histórico pelo Protocolo 

Desde 2017, o ICMBio trabalha pela implementação do Protocolo AME-Conselhos, com referência nos princípios de boa governança da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Esses princípios ajudam a definir o que é um conselho efetivo: 

  • Legitimidade e voz; 
  • Orientação estratégica; 
  • Desempenho; 
  • Responsabilização e transparência; 
  • Justiça e direitos. 

Desde o ano passado, o protocolo entrou em novo ciclo de aprimoramento, em parceria com o Projeto Paisagens Sustentáveis da Amazônia (ASL). A consultoria contratada realizou monitoramentos em campo e capacitações que envolveram 18 UCs — após, mais duas Unidades aderiram voluntariamente. 

Foram realizadas atividades em UCs das cinco regiões do país. Gestores, conselheiros, coordenadores regionais e equipes da CGSAM e da Coordenação de Promoção da Participação Social (COPAR) participaram de oficinas virtuais e presenciais. Essa amplitude territorial permitiu que o AME-Conselhos fosse testado em contextos muito diversos, fortalecendo sua consistência e legitimidade como ferramenta institucional. 

Lilian Hangae, gestora da unidade de Fernando de Noronha (PE), que à época da criação do ICMBio, em 2007, respondia pela Coordenadoria de Avaliação e Efetividade (COAEF), examina que a Oficina reflete uma maturidade institucional perante o tema, considerando os contextos particulares de cada Conselho.  

“É nesse rodar de várias ferramentas, de tentativa e erro, que a gente consegue desapegar, simplificar e acertar. Porque, no dia a dia, a gente tem tudo na cabeça, parece que é tudo muito fácil. E aí esses momentos possibilitam você sentir a dificuldade do outro em entender o que é uma boa governança, simplificar a linguagem, os métodos”, avalia Lilian. 

Conselhos como pilares da democracia ambiental 

Principal instrumento de relacionamento entre as UCs e a sociedade, o Conselho pode ser Consultivo ou Deliberativo, e visa promover uma gestão compartilhada da unidade, com ampla participação da sociedade, reunindo pessoas que vivem, trabalham, protegem e pesquisam os territórios. 

De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, Lei 9.985/2000), cada UC deve ter seu próprio Conselho, presidido pelo órgão que administra a Unidade, no caso das 344 UCs federais, o Instituto Chico Mendes. 

Fazer com que as áreas protegidas deixem de ser entidades abstratas; traduzir a diversidade dos territórios; garantir voz para grupos historicamente sub-representados; orientar decisões estratégicas; e promover justiça socioambiental. Estas são algumas das expectativas que se esperam de um conselho efetivo, o qual pode ser considerado um termômetro da saúde das relações socioambientais nos territórios.  

“A palavra que vem à minha cabeça ao imaginar uma unidade sem conselho é caos. Porque o conselho nos ajuda a preservar a nossa biodiversidade, seja ela fauna, flora, as águas e, principalmente, ajuda os comunitários que moram no entorno”, diz Maria de Fátima, que integra a Associação dos Produtores Rurais do Angicos (APRA) e participou do ciclo da Oficina pelo Parna da Furna Feia. 

Aplicação conjunta nas Resex Mocajuba e São João da Ponta (PA) – Foto: Divulgação/DISAT

A comunitária ainda reforça o potencial do trabalho conjunto ao Instituto Chico Mendes, trazendo como exemplo a relação com a gestora do Parque Nacional potiguar, a servidora Lúcia Guaraldo. “Um verbo que nem sei se existe nos neologismos da língua portuguesa, mas é o que vem na minha cabeça, é o esperançar. Ela trouxe esperança para as mulheres da comunidade. As oficinas de capacitação, como cerâmica, como artesanato da palha de bananeira, as nossas bonecas de pano, que hoje elas vendem”, expressa. 

“Quando tem alguma coisaalguma ação externa, colocando em risco a unidade, fica claro que o conselho é importante. Em Noronha, quando a gente viu que o bloco de petróleo ia ser leiloado, a área dos Montes Submarinos, foi via conselho a mobilização”, destaca a gestora de Noronha, ao trazer um exemplo concreto da importância destas instâncias. 

Renovando compromissos, ampliando caminhos 

A oficina de Porto Velho não encerra um ciclo: inaugura uma etapa para que os conselhos sejam, cada vez mais, espaços efetivos de governança, diálogo e construção coletiva do futuro das áreas protegidas do Brasil.  Um processo que só existe graças às equipes técnicas, às coordenações, às parceiras institucionais e, sobretudo, ao corpo de conselheiras e conselheiros que, com dedicação cotidiana, fazem da democracia ambiental uma realidade viva nos territórios. 

Unidades participantes da Oficina

Divulgação/ICMBio

Comunicação ICMBio