Arte e Preservação

Krajcberg, o artista das sete ocas

18 de novembro de 2003

O projeto foi enviado há mais de um ano para diversas instituições públicas e privadas da Bahia, mas até agora não houve retorno por parte de nenhuma delas. “O que mais o choca é que não há sequer gestos de apoio moral”, observa Lú, ou Maria Lucenilde Araújo, presidente da Associação dos Hotéis de Nova… Ver artigo

O projeto foi enviado há mais de um ano para diversas instituições públicas e privadas da Bahia, mas até agora não houve retorno por parte de nenhuma delas. “O que mais o choca é que não há sequer gestos de apoio moral”, observa Lú, ou Maria Lucenilde Araújo, presidente da Associação dos Hotéis de Nova Viçosa e grande amiga do escultor. Cansado de esperar uma resposta, o artista, que vinha tocando a construção com recursos próprios e grandes dificuldades decidiu, parar a obra por tempo indeterminado. “Talvez definitivamente”, admite o artista.


O projeto Museu Ecológico Krajcberg é composto de sete “ocas”, duas das quais já erguidas no sítio Natura, sua reserva particular de Mata Atlântica, de 54 hectares, localizada no município de Nova Viçosa, no litoral sul da Bahia, onde o escultor mora a maior parte do tempo, dividido entre um apartamento no Rio de Janeiro e o atelier de Paris, onde passa todos os invernos. A área é uma das últimas reservas do gênero na região e já foi replantada três vezes pelo próprio Krajcberg após incêndios. O local fica bem no meio dos grandes plantios de eucalipto, para produção de celulose. Para a amiga Lu, o projeto do museu é, em si, uma obra de arte. As colunas de sustentação do teto de piaçava reproduzem, em concreto, troncos gigantescos, como fossem grandes árvores, e toda a madeira utilizada é eucalipto, um cuidado que poupa as combalidas matas nativas do sul da Bahia e reafirma a postura preservacionista do escultor. Recentemente o projeto foi apresentado ao Ministério da Cultura por um amigo do artista, mas ele não espera grande coisa: “Já estou cansado de apelar, de pedir apoio, de ir atrás”, afirma com desânimo. Ele não descarta a possibilidade de doar suas obras para uma instituição cultural do exterior.


O projeto do museu consta de espaço específico para suas gigantescas esculturas, salas de exposição de fotografia e gravuras, auditório para 50 pessoas, além de um centro administrativo. Essa é a terceira vez que Krajcberg luta para manter seu acervo no Brasil. As tentativas anteriores foram no Paraná e em Espírito Santo. Caso a obra não seja concluída, o destino mais provável de suas obras é o museu Montparnasse, de Paris, que já recebeu a doação do atelier do artista, freqüentado por ele há 40 anos.


Apesar de sua obra, definida por ele mesmo como “a luta de toda uma vida contra a violência do homem contra o homem e do homem contra a natureza”, não ser compreendida por muitos, que a vê como nociva a imagem do país no exterior, do desencanto com determinados seguimentos e da idade, Krajcberg não pretende deixar de trabalhar nem tão cedo. Muito pelo contrário. “Não vou parar de externar minha revolta, ela vai estar sempre presente no meu trabalho, até o fim dos meus dias”, declara convicto.


Atualmente ele está envolvido com uma grande exposição que deve percorrer a França e cidades européias, a partir de novembro. Enquanto seleciona, retoca e embala suas impressionantes esculturas, em geral superiores a três metros e vai organizando uma homenagem especial ao grande amigo Pierre Restany, historiador e crítico de arte francês, morto recentemente, e que dedicou parte da vida a apoiar artistas da América Latina. A homenagem ocorrerá paralela a exposição.


As obras de Krajcberg estão espalhadas mundo a fora. Seja no novo aeroporto de Paris, prédios públicos de Brasília, Rio, cidades da América do Norte, Europa ou a pacata Nova Viçosa, onde chegou nos anos 70. Membro-fundador da Fundação SOS Mata Atlântica, ele mora, com seus cães, numa casa inusitada, absolutamente sincronizada com sua obra, bem no alto de uma árvore, mais exatamente sobre um galho de pequi vinagreiro, cuja circunferência é de 2,60 cm, vindo das bandas do município de Teixeira de Freitas (BA) e projetada por Mário Zanine.


A relação de Krajcberg com a natureza é visceral e tem resultado na preservação de imagens impressionantes, como o gigantesco e solitário jequitibá a beira da BR 101, na fronteira da Bahia com o Espírito Santo, por volta de Linhares, que vem escapando da devastação graças a ações que tiveram a mão do artista. “Quando eu passava por ali tinha de abraçar a árvore temendo que não estivesse mais viva quando retornasse”, conta ele. Depois de uma série de manifestos com sua participação, a árvore acabou recebendo uma proteção de metal e concreto com cerca de três metros de altura em volta. A imagem é marcante, até dramática, para quem passa desprevenido pela BR, como um último recurso de proteção à vida. O velho abraço já não é possível, mas isso não tem impedido as velhas manifestações de carinho e respeito. “Agora, sempre que passo por lá, grito que nos veremos na volta”, revela com um sorriso tranqüilo de quem sabe que cumpriu uma missão.


Enquanto o país não acorda para o risco de perder o acervo cultural e pessoal, de um dos mais representativos escultores do mundo contemporâneo, cujo trabalho se volta para um dos maiores dramas da atualidade, a devastação do meio ambiente, o velho guerreiro, que se apropria de restos de floresta incendiadas e destruídas para externar sua revolta através da arte, continua sua luta, dentro ou fora do país, através da pintura com pigmentos naturais, fotografia, gravura e a escultura em estilo único, que o projetou mundo a fora.
“Minha arte é minha arma e vou lutar contra a insensatez do ser humano durante toda a minha vida”, revela Franz Krajcberg.