Bioética e qualidade de vida

20 de fevereiro de 2004

     A bioética foi entendida, de início, como um movimento cultural que buscava estudar a ética referente às novas situações práticas relacionadas com a vida e a morte das pessoas. Posteriormente, recebeu a conotação de uma nova disciplina que busca interagir a ciência, a ética e a responsabilidade presente e futura para com todo o… Ver artigo





     A bioética foi entendida, de início, como um movimento cultural que buscava estudar a ética referente às novas situações práticas relacionadas com a vida e a morte das pessoas. Posteriormente, recebeu a conotação de uma nova disciplina que busca interagir a ciência, a ética e a responsabilidade presente e futura para com todo o ecossistema. Este termo bioética, bios e ethos, respectivamente vida e ética, tem suas raízes etimológicas na Grécia antiga, o que permite traduzir a bioética como ética da vida. Este termo segue recebendo muitas críticas, mas ele ficou e difundiu-se rapidamente. A bioética nasceu nos Estados Unidos da América no final da década de 60 e início de 70 e esta-beleceu-se na Europa nos anos 80. No início da década seguinte chegou à Ásia e, em meados dessa mesma década, aos países em desenvolvimento. No Brasil, a bioética vem tomando força, quer como movimento ou disciplina, junto a entidades privadas ou públicas. Aqui, a bioética levanta realidades distintas de seu ponto de origem, nos Estados Unidos, e, portanto, au-xilia na busca de respostas a dilemas morais de interesses locais. Como por exemplo, as queimadas, a implicação ética da desigualdade social, a ética dos negócios, etc. É claro que também aborda os temas como aborto, transplantes de órgãos, eutanásia etc. Voltando à sua origem, quando Van Renssalaer Potter, médico cancerologista e bioquímico, usou este termo pela primeira vez foi em seu livro intitulado ?Bioethics: bridge to the future?. Êle propôs uma ética aplicada às situações de vida, como o caminho para a sobrevivência da espécie. Ele propôs, também, uma ponte pautada em princípios éticos, que serviria de travessia para o alcance da melhoria da qualidade de vida do homem e do seu meio ambiente. Depois houve um desvio dessa idéia inicial, para somente após quase três décadas, o IV Congresso Mundial de Bioética realizado em Tóquio, restabelecer o conceito original do neologismo bioética, criado por Potter. Ela permite reflexões que abrangem a ética prática recebendo contribuições da filosofia, do direito, da teologia, da medicina, da ecologia, das ciências sociais e de outras disciplinas. Enfim, permite uma visão mais ampla possível do objeto em questão. A exemplo, podemos citar: Na medicina, o tema aborto permite reflexões que vão desde a autonomia da mulher, a beneficência para com o feto, a não maleficência para com aquelas mulheres que não podem pagar por um atendimento digno neste momento em decorrência de sua situação sócio-econômica, até a questão de justiça, visto aqui como igualdade de oportunidade. Na Ecologia, é bom lembrar a questão dos animais. Para o bioeticista Peter Singer, em seu livro traduzido para o espanhol ?Liberación Animal?, o nosso tratamento para com os animais é eticamente injustificável. Desde as indústrias e laboratórios usando-os praticamente ao bel prazer, à caça do jacaré e de outros animais no Pantanal até mais recentemente o caso do extermínio de animais não confirmadamente com a doença da ?Vaca Louca?. Transgênicos – Outro dia, conversei com um amigo biólogo, Samuel Wallace Macdowell, sobre outro tema de grande complexidade, os organismos transgênicos. E, concordamos em que estamos lidando com uma situação inteiramente nova para a qual a humanidade ainda não tem refe-renciais. Não sabemos quais as possíveis conseqüências, seja para o homem, seja para a natureza, em adotarmos esta nova tecnologia. A resolução dos conflitos existentes na sociedade em relação a este assunto só será possível se conseguirmos perceber que grande parte dos problemas que nos afligem, sejam estes so-ciais ou ambientais, são decorrentes de uma visão fragmentada do mundo, fruto da nossa profunda ignorância das leis que regem as interações entre seres humanos e entre estes e o meio ambiente. Apenas uma visão holística profunda, capaz de levar em consideração as dimensões espirituais, éticas, sociais, biológicas e ecológicas poderá nos tirar do impasse em que estamos, nos levando a padrões de pensamento e ação que favoreçam formas de viver justas e auto-sustentáveis. Faz-se portanto necessário a manutenção de uma bioética holística. Como o leitor pode ter percebido, a bioética tem uma abrangência bastante ampla e é de grande valia para a nossa e as futuras qualidades de vidas. Ela tem muito a ver com o que a Folha do Meio, num editorial de Silvestre Gorgulho, certa ocasião comentou: “O meio ambiente está no centro das preocupações do homem do Século 21: todas as ações que não levarem em conta a ética e a estética, são predatórias”.