Direito Ambiental

Recursos naturais: quem polui, paga. E quem os protege, deve ser compensado de alguma forma?

12 de fevereiro de 2004

É pacífico: quem provoca um dano ao meio ambiente deve reparar o mal feito. Aqui, o princípio poluidor-pagador põe fim ao menor risco de impasse. Mas agora a pergunta que organizações não-governamentais, dentro e fora do Brasil, não querem mais calar: quem protege os recursos naturais não teria um direito intrínseco a alguma forma de… Ver artigo

É pacífico: quem provoca um dano ao meio ambiente deve reparar o mal feito. Aqui, o princípio poluidor-pagador põe fim ao menor risco de impasse. Mas agora a pergunta que organizações não-governamentais, dentro e fora do Brasil, não querem mais calar: quem protege os recursos naturais não teria um direito intrínseco a alguma forma de compensação? Detalhe: essa idéia encontra amparo em um outro princípio que o direito também abraça, o denominado protetor-recebedor.


Frente àquela indagação inicial, há quem diga alto e em bom tom que a conduta de proteger os recursos naturais é, antes de tudo, “dever de todos”. Na prática, aqui caberia tão-somente o princípio poluidor-pagador; protetor-recebedor só em casos concretos excepcionalíssimos.          
Mas o bom senso aconselha fazer essa discussão tendo por base não  surrados raciocínios, mas sim o que poderíamos chamar de um patamar mínimo no que diz respeito à proteção dos recursos naturais. E só dentro desses estritos limites estaríamos no campo do “dever de todos”. O Brasil tem farta e boa legislação que nos permitem afirmar que já temos à disposição esse  “patamar mínimo’..  


Na vida real, o que acontece é que normalmente muitos fazem menos que esse patamar mínimo, são os degradadores ou poluidores do meio ambiente. Outros, ao contrário, vão além do que determina o patamar mínimo; protegendo mais que a parte que lhes cabe, gerando benefícios para toda a coletividade.
O então justifica essa atual ausência de contrapartida para esses benfeitores, uma vez que tudo em nossa sociedade tem um valor, um preço ou no jargão popular, um toma-lá-dá-cá?


Comunidades rurais já estão obtendo compensações sobre serviços ambientais – A civilização contemporânea, especialmente o lado ocidental, abraça uma visão bastante utilitarista da natureza, vista como uma espécie de “usina”, não remunerada, que produz continuamente bem-estar aos seres humanos sob as mais diversas formas, dentre as quais podemos citar as de maior importância para a vida cotidiana;


• Água limpa
• Ar puro
• Alimentos
• Matérias-primas
• Paisagens
• Animais
• Plantas e remédios
• Solos férteis
• Regulação do clima
• Regulação dos ciclos minerais e de nutrientes


Diante deste contexto, fica fácil apresentar ao leitor uma discussão ainda incipiente no Brasil, mas que deve ter seu fôlego renovado a partir de junho, quando a organização não-governamental Vitae Civilis (www.vitaecivilis.org.br) planeja lançar um livro com o marco teórico e exemplos concretos, no Brasil, de comunidades rurais que estão obtendo compensações sobre os chamados serviços ambientais.


Para ser melhor compreendido, esse conceito, o de  serviço ambiental, deve ser visto sob dois aspectos: a capacidade da natureza de continuar reproduzindo e mantendo as condições ambientais acima elencadas (ar puro, água, paisagens, solos férteis etc.), além de inúmeras outras que, por si só, dão base para a manutenção da vida no planeta e, conseqüentemente, possibilitam bem-estar a  todas as espécies nele existentes.


O segundo aspecto do serviço ambiental nos faz considerar que as condições para que se produzam todas essas “coisas” (ar puro, água, paisagens, solos férteis etc.), de que nós gostamos e/ou precisamos muito para viver podem ser atendidas tanto pela própria natureza, como podem ser implementadas, reforçadas e mesmo protegidas pelo trabalho humano.


Nos casos em que a natureza precisa da “ajuda” dos seres humanos para produzir as coisas das quais necessitamos ou desejamos, pode ocorrer que os benefícios de tal ajuda estejam sendo usufruídos por apenas uma parcela da sociedade que não foi a geradora da “ajuda”. Exemplo disso é o esforço de um produtor para recuperar uma área degradada, atitude que permite, entre outros benefícios, a melhora do ciclo das águas para toda a sua região. Portanto, as pessoas que vivem ao redor dessa área estão se beneficiando dessa iniciativa isolada, apesar de não terem oferecido qualquer contrapartida ao produtor.


Assim, o que atualmente vem sendo denominado de  instrumentos de Compensação por Serviços Ambientais (CSA) têm como principal objetivo transferir recursos ou benefícios da parte que se beneficia para a parte que “ajuda” a natureza a produzir ou manter as coisas de que desejamos. O princípio orientador dessa relação é o já mencionado “protetor-recebedor”. Estas transferências ou compensações para aqueles que ajudam a preservar ou produzir  serviços ambientais podem ocorrer de diversas formas, dentre as quais são exemplos:


• Transferências diretas de recursos financeiros;
• Favorecimento na obtenção de créditos;
• Isenção de taxas e impostos;
• Fornecimento preferencial de serviços públicos;
• Disponibilização de tecnologia e capacitação técnica;
• Subsídios a produtos.
 
 Perguntas que não podem calar
 Na próxima edição, vamos aprofundar um pouco mais o tema CSA. Para não perder de vista o lado prático desse novo campo de discussão, fizemos algumas perguntas a Rubens Harry Born, coordenador geral do Vitae Civilis  ONG que está finalizando um livro que abordará experiências práticas de compensação por serviços ambientais em comunidades rurais do Brasil, a ser lançado em junho.
     
FMA – Compensações por Serviços Ambientais não serão só mais uma boa discussão teórica?  
 
Rubens H. Born – Apesar de ainda bastante incipientes, os processos de Compensações por Serviços Ambientais, CSA, mostram um grande potencial de implementação no País, Isso ocorre pela abundância de serviços ambientais atualmente “prestados” por comunidades rurais que estão alcançando um crescente nível de conscientização quanto às efetivas contribuições que dão por meio de suas atividades produtivas e de preservação em seus respectivos territórios sem, no entanto, receberem por isso incentivos consistentes. Os instrumentos de CSA inaugurarem uma importante oportunidade para comunidades rurais e indígenas do Brasil, qual seja, a de  servirem de veículos para a inovação de direitos ou a criação de novas condições para o acesso a benefícios já reconhecidos por nosso ordenamento jurídico.


FMA – Quais os riscos envolvidos?


Born – Não ignoramos que, ao lado de oportunidades, há o risco de efeitos perversos, ou seja, tais compensações por serviços ambientais sendo apropriadas apenas por atores fortemente articulados em nossa  sociedade por deterem o poder político e econômico para, mais uma vez, assegurar direitos somente para alguns quando esses mesmos direitos deveriam ser usufruídos por todos.
 
FMA – Temos alguma situação que demonstra isso cabalmente? 
 
Born – Para melhor entendermos a importância dessa reflexão, peguemos o exemplo do Protocolo de Kyoto. Até o presente momento, o ar é considerado um bem público, sobre o qual não se tem propriedade privada. Pergunta-se: com que direito uma empresa pode afirmar que sua plantação de eucaliptos está seqüestrando carbono e por isso pode auferir lucro? Se o legislador determina que o ar é um bem comum, como se permite a geração de benefícios privados sobre um bem público? Aqui nos deparamos com um impasse que precisa ser urgentemente elucidado. Ele diz respeito à titularidade dos recursos naturais, questão complexa que as atuais definições jurídicas de bem público e privado não dão conta. Aliás, o enfrentamento desse problema é antes de tudo uma questão política e de acesso a direitos, de eqüidade social, e não de mera técnica jurídica.