Ponto de Vista

WWF: a dor do parto

2 de fevereiro de 2004

HistóriaO WWF abriu seu primeiro escritório no Brasil no início dos anos 90. Ao final da década, já se constituía como uma das mais importantes ONGs ambientalistas brasileiras. Isso pode ser medido por vários critérios, seja por seu amplo e respeitado portfólio de conservação na Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica e Cerrado, seja por sua capacidade… Ver artigo

História
O WWF abriu seu primeiro escritório no Brasil no início dos anos 90. Ao final da década, já se constituía como uma das mais importantes ONGs ambientalistas brasileiras. Isso pode ser medido por vários critérios, seja por seu amplo e respeitado portfólio de conservação na Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica e Cerrado, seja por sua capacidade técnica, sua influência política ou seu número de afiliados. Pouca gente sabe, mas o WWF Brasil possui dos maiores orçamentos entre todos os WWF, o que o coloca numa posição de liderança nessa rede mundial. O último relatório financeiro, correspondente a 18 meses, registrou uma arrecadação de R$ 19 milhões.


O início
Essa trajetória foi trabalhosa e complexa. A entidade, em Brasília, passou de um pequena sala para um prédio de dois andares. Postos de trabalho foram fechados no exterior e abertos no Brasil. De três funcionários, a entidade cresceu para mais de sessenta. E todos brasileiros. Departamentos foram criados, sucursais inauguradas, políticas administrativas e financeiras implementadas. O WWF deixou de ser apenas doador para outras ONGs para tornar-se um parceiro estratégico. Deixou de gerenciar projetos isolados para implementar um ambicioso programa de conservação, aí incluído o projeto de assegurar que pelo menos 10% da Amazônia brasileira sejam constituídos de unidades de conservação de proteção integral.


A transição
A última fase dessa transição foi a criação de um conselho diretor. Foi também a fase mais difícil. Ela teve os problemas típicos de um matrimônio arranjado, onde as partes não se conheciam e não sabiam o que se esperava delas. Pior, um matrimônio de gigantes. Nomes ilustres da sociedade brasileira foram convidados a integrar o conselho da entidade no Brasil, que a partir de então deixou de ser um escritório da rede internacional para tornar-se uma instituição independente. Eram pessoas ocupadas, com muitas reponsabilidades, que pouco se conheciam e, em alguns casos, pouco conheciam de meio ambiente. Havia uma organização já estruturada, com uma equipe de funcionários definida, inclusive um secretário-geral, uma estratégia de conservação aprovada, e pouca flexibilidade sobre um orçamento cuja maioria dos recursos vinha do exterior.


A mudança
Então, o que havia para fazer? A resposta a essa pergunta demorou seis anos. No mês passado, o conselho do WWF Brasil optou por fazê-lo sob a forma de afastar o secretário-geral da entidade. A decisão é uma prerrogativa dos conselheiros. No entanto, ela surpreendeu a alguns pela forma abrupta com que foi realizada e a outros por ocorrer justamente quando a arrecadação e o programa de conservação do WWF passavam por um vertiginoso crescimento. A mudança occoreu dias depois da Conferência Internacional do WWF, realizada na Inglaterra, na qual o secretário-geral foi homenageado pelo resultados alcançados pelo WWF Brasil, que incluem a negociação, este ano, dos dois maiores contratos de doação de toda a história da Rede WWF. Em seguida, o conselho nomeou a um de seus integrantes como novo secretário-geral.


Diferenças
A troca de direção reflete também dificuldades na construção de uma visão comum sobre as prioridades de conservação no Brasil, sobre estratégias para o posicionamento institucional do WWF e até mesmo sobre práticas administrativas da instituição. De um lado estava um conselho do qual se esperava engajamento e participação, mas que tinha pouca ingerência prática na vida da entidade. De outro, um patrimônio humano, técnico e financeiro, em grande parte construído a despeito do conselho, que procurava preservar-se. Havia outras diferenças mais sutis, mas igualmente importantes. Como a tentativa de construir um programa mais urbano e mais relevante para agenda ambiental do Centro-Sul em oposição a uma visão técnica que privilegiava a proteção da biodiversidade e o trabalho comunitário em regiões mais afastadas.


Parto traumático
Essa dualidade acabou. Já não importa a data em que o WWF Brasil foi oficialmente fundado. Homenagens, honras e formalismos comemorativos à parte, o WWF Brasil renasceu agora em novembro de 2002. Foi o momento em que o conselho resolveu tomar para si, de forma inequívoca, o destino da instituição. Deu o seu grito de liberdade, rompeu com o passado e resolveu exercer sua prerrogativa de dirigir uma instituição autônoma.
Foi um parto traumático, desrespeitoso, sem os traços de civilidade que deveriam caracterizar as relações entre os ambientalistas. Há cicatrizes por toda parte. Mas a dor, como ocorre com as dores do parto, pode ser tão intensa quanto passageira. Depende apenas de o conselho mostrar-se capaz de corresponder à renovada responsabilidade que agora lhe recai. Há razões para otimismo, entre elas o fato de que os conselheiros estarem crescentemente engajados com as atividades da ONG e mais familiarizados com os temas de conservação. Além disso, a maior parte da equipe técnica aceitou o desafio de permanacer nos postos. São profissionais conhecidos do movimento ambientalista brasileiro por sua capacidade e dedicação.


O futuro
Na qualidade de afiliado do WWF (que recomendo a todos), creio que a principal dessas responsabilidades é manter e fortalecer o atual programa de conservação da organização, ajustando-o gradativamente às mudanças cabíveis dentro de princípios técnicos sólidos. Também é importante robustecer a transparência administrativa e financeira que sempre caracterizaram o WWF. Essa transparência exclui a possibilidade de contratação de empresas de conselheiros para serviços remunerados. E inclui a realização de processos abertos para a contratação de funcionários de todos os níveis, algo que sempre foi motivos de orgulho da equipe do WWF. Lembro-me até hoje do privilégio que tive em entrevistar Eduardo Martins, já então um conhecido ambientalista e ex-presidente do Ibama, quando postulou e ganhou o cargo de diretor-executivo (cargo que depois teve o nome mudado para secretário geral).


Desafios
Estou seguro que o WWF saberá tirar proveito das lições aprendidas, sob a liderança de seu conselho e de sua equipe de funcionários. A construção de um programa de conservação verdadeiramente tupiniquim, porém, depende também de que mais recursos sejam arrecadados no país. Atualmente mais de 90% da arrecadação vem do exterior. É mais um desafio para os conselheiros do WWF. Na maioria dos conselhos de organizações sem fins lucrativos (o que inclui hospitais e universidades) essa é a principal missão dos conselheiros. Espera-se que eles dêem o exemplo e façam doações condizentes com seu patrimônio. Até aqui os progressos nessa área têm sido escassos. Um significativo aumento na arrecadação de fontes nacionais será a melhor demonstração de que o conselho do WWF Brasil é merecedor do patrimônio que herdou. Ainda que modestamente, pretendo contribuir para isso, aumentando a minha contribuição anual à entidade.