O Brasil e o desenvolvimento sustentável

25 de março de 2004

  Fernando Henrique Cardoso *(Especial para a Folha do Meio Ambiente) O apelo simbólico do V Centenário do Descobrimento tem inspirado reflexões diversas sobre as origens, a trajetória e os rumos da Nação brasileira. Ao celebrar cinco séculos de processo histórico, temos a oportunidade única de reexaminar as contradições existentes em nossa sociedade e buscar… Ver artigo


 







Fernando Henrique Cardoso *
(Especial para a Folha do Meio Ambiente)


O apelo simbólico do V Centenário do Descobrimento tem inspirado reflexões diversas sobre as origens, a trajetória e os rumos da Nação brasileira. Ao celebrar cinco séculos de processo histórico, temos a oportunidade única de reexaminar as contradições existentes em nossa sociedade e buscar as estratégias para superá-las. 


Entre estas, destaco aqui a aparente dicotomia entre desenvolvimento e uso sustentável dos recursos naturais, tema que certamente seguirá ocupando lugar de destaque na agenda política do próximo século. Torna-se cada vez mais claro para mim que somente a concepção do desenvolvimento como um processo permanente de integração entre o ambiente, a tecnologia e o homem poderá conduzir à construção da sociedade sustentável que desejamos. 


Dotado de recursos naturais relativamente abundantes – florestas, diversidade biológica, água doce – e de uma estrutura econômico-social complexa, com grande capacidade produtiva e crescente organização da cidadania, o Brasil enfrenta enormes desafios na busca de um modelo de sustentabilidade que corresponda tanto às suas necessidades internas específicas quanto às exigências comuns da sociedade global.


No plano social, além da profunda questão ética que encerra, a superação da pobreza e das desigualdades regionais é condição essencial também para aliviar a pressão sobre os recursos naturais provocada pelas migrações e pela grande concentração populacional nas cidades.


Na esfera científico-tecnológica, o desenvolvimento e a difusão de tecnologias limpas deve contribuir para o aperfeiçoamento da matriz energética, dos processos industriais e das práticas agrícolas em direção à sustentabilidade. Para isso, é necessário fortalecer a política de ciência e tecnologia que incorpora objetivos ambientais e ampliar os investimentos – públicos e privados – em pesquisa, educação e capacitação profissional. 


No âmbito dos padrões de consumo, a expansão da cultura da reciclagem e do reaproveitamento de materiais deve ser perseguida para evitar o desperdício e a geração de resíduos prejudiciais ao ambiente e à saúde, mas também pelas consideráveis oportunidades econômicas que pode abrir para o Brasil.


No plano específico da gestão dos recursos naturais, a conservação precisa conviver com o manejo sustentável, para que os frutos da exploração responsável do meio ambiente revertam em benefício das populações locais e dos brasileiros em geral. Por sua vez, os projetos de infra-estrutura e integração física do território, tão necessários ao nosso desenvolvimento, buscam respeitar os limites naturais dos ecossistemas e preservá-los de impactos danosos irreversíveis.


Esses e outros desafios vêm sendo identificados em conjunto pelos diversos atores sociais envolvidos com a temática ambiental no Brasil – governo, empresários, comunidade científica, organizações não-governamentais – no processo de elaboração da Agenda 21 brasileira. Compromisso assumido pelos países que participaram da Conferência do Rio, em 1992, a criação da Agenda 21 nacional representa, para o Brasil, uma experiência inovadora de planejamento participativo capaz de permitir, de forma gradual e negociada, o nascimento de um novo paradigma de desenvolvimento que incorpore às políticas públicas e aos empreendimentos privados a noção de sustentabilidade social e ambiental.


Se, no plano internacional, o Brasil tem sido reconhecido como um key player no âmbito das múltiplas negociações ambientais de que participa, é preciso seguir consolidando, no plano interno, a prioridade da agenda ambiental dentro da estratégia geral do desenvolvimento brasileiro. Já se disse que cada geração escreve a história conforme percebe o presente. A consciência sobre a necessidade de integrar a dimensão ambiental a seu projeto de desenvolvimento é uma demonstração de que a sociedade brasileira, ao completar 500 anos, começa a escrever uma história de responsabilidade e compromisso com o futuro do planeta.


* Presidente da República








SUMMARY


Brazil and sustainable development


The symbolic appeal from the V Centenary of the Discovery has inspired diverse reflections on the origins, the path and the routes of the Brazilian Nation. While celebrating five centuries of historical process, we have the unique opportunity to reexamine the existing contradictions in our society and to search the strategies to surpass them. Among these, here detached is the apparent dichotomy between development and sustainable use of the natural resources, subject that certainly will continue occupying place of prominence in the political agenda of the next century. Each time it becomes clearer that only the conception of the development as a permanent process of integration between environment, technology and man will be able to lead to the construction of the sustainable society that we desire.


Endowed with relatively abundant natural resources – forests, biological diversity, potable water – and with a complex economic-social structure, with great productive capacity and increasing citizenship organization, Brazil faces enormous challenges in the search of a sustainability model that corresponds in such a way to its specific internal necessities as much as to the common requirements of global society.


In the social plan, beyond the deep ethical question that locks up, the overcoming of poverty and the regional inequalities is an essential condition also to alleviate the pressure on the natural resources provoked by migrations and the great population concentration in the cities.


In the scientific-technologic sphere, the development and the broadcasting of clean technologies must contribute for the perfection of the energy array, the industrial processes and the agricultural practice in route to sustainability. For this, it is necessary to fortify the politics of science and technology that incorporates environmental objectives and to extend the investments – public and private – in research, education and professional qualification.


In the specific management plan of natural resources, conservation needs to coexist with sustainable handling, so that the fruits of the responsible use of the environment turn out in general benefit for the local populations and the Brazilians. In turn, the infrastructure projects and physical integration of the territory, so necessary to our development, search to respect the natural limits of ecosystems and to preserve them from irreversible harmful impacts.


If, in the international plan, Brazil has been recognized as one key to player in the scope of the multiple negotiations on environment that it participates, it is necessary to follow consolidating, in the internal plan, the priority of the environmental agenda inside the general strategy of the Brazilian development. It has already been said that each generation writes its history accordingly to its present. The conscience on the need to integrate the environmental dimension to its development project is a demonstration that the Brazilian society, when completing 500 years, starts to write a history of responsibility and commitment with the future of the planet.


Fernando Henrique Cardoso – Presidente do Brasil