Malária x DDT é falsa polêmica
7 de abril de 2004Mais de cem países reuniram-se em setembro no Quênia para discutir os detalhes de um acordo internacional que irá eliminar o uso de poluentes orgânicos persistentes (POPs). Entre eles estão alguns dos mais perigosos produtos já produzidos pelo homem, desde pesticidas a químicos utilizados em processos industriais. Existe um razoável nível de consenso da necessidade… Ver artigo
Mais de cem países reuniram-se em setembro no Quênia para discutir os detalhes de um acordo internacional que irá eliminar o uso de poluentes orgânicos persistentes (POPs). Entre eles estão alguns dos mais perigosos produtos já produzidos pelo homem, desde pesticidas a químicos utilizados em processos industriais.
Existe um razoável nível de consenso da necessidade de banir entre 10 e 12 POPs, embora ainda não se tenha chegado a uma posição comum sobre como e quando. Um deles, porém, colocou ambientalistas e técnicos de saúde em campos opostos: o DDT.
Tenicamente conhecido como diclorodifeniltricloretano, o DDT foi sintetizado em 1874 por um estudante alemão, mas caiu no esquecimento por muitos anos. Foi muito usado na II Guerra Mundial para proteger soldados contra insetos. A partir daí tornou-se um popular pesticida, tanto para combater doenças transmitidas por insetos, quanto para ajudar fazendeiros a controlar pestes agrícolas.
Em 1948, o suíço Paul Müller, descobridor moderno do DDT, ganhou o prêmio Nobel de medicina. Curiosamente, Müller não fazia pesquisas médicas, apenas buscava um bom inseticida. Mas seu produto era capaz de eliminar o mosquito Anopheles, transmissor do parasita da malária, uma doença que desde os tempos primitivos flagela a espécie humana e que muitas vezes é fatal.
O DDT não apenas é o mais barato, como também o mais eficaz método de combater a malária. Sua boa reputação durou pouco, porém. Em 1962, o livro Silent Spring, de Rachel Carson, mostrou que o DDT estava contribuindo para a extinção de algumas espécies, entre as quais o falcão peregrino e a águia careca. O livro causou tanto impacto que recentemente foi classificado como uma das obras mais influentes do século. Os Estados Unidos chegaram a aplicar um bilhão de toneladas do DDT, até que, em 1972, depois de uma acirrada disputa judicial e política, baniram o produto. Logo foram seguidos pela maioria dos países industrializados.
Desde então, as pessoas passaram a saber que, a exemplo de outros POPs, o DDT tem efeito prolongado, move-se facilmente pelo ar, rios e solo e acumula-se no organismo dos seres vivos, no caso do homem na glândula tireóide, fígado e rim. Mas acumular é uma coisa, prejudicar é outra. Até hoje não existe uma prova definitiva de que o DDT prejudica a saúde humana. Há vários estudos relacionando um subproduto do DDT, o DDE, à redução do aleitamento materno. Outros estudos associam o DDT a problemas nos sistemas hormonal, nervoso e reprodutivo do homem.
Por via das dúvidas, e também em defesa de várias espécies que comprovadamente são prejudicadas pelo DDT, as entidades ambientalistas, entre as quais o WWF, propõem que seja aprovada uma data limite para o uso do DDT. Segundo eles, o uso e a fabricação do produto deveriam cessar em 2007. Governos e instituições internacionais deveriam trabalhar para que naquele ano o DDT não fosse mais necessário para combater a malária. Caso haja necessidade de estender o uso após esse período, explicam os ambientalistas, a convenção poderia abrir exceções para países e regiões. Exceções são regra nas convenções internacionais.
Há outros argumentos para eliminar o produto. O uso prolongado do DDT começa a desenvolver mosquitos resistentes ao pesticida. A legalidade também torna o DDT um produto de difícil controle. Calcula-se que metade do DDT atualmente fabricado é utilizado como defensivo agrícola, e não para prevenção da malária, apesar de isso ser oficialmente proibido.
Dos 100 países em que a malária é endêmica, apenas 17 utilizam DDT. Os Estados Unidos continuam fabricando o produto para exportar para esses países — uma hipocrisia perversa, porque atualmente sabe-se que o DDT viaja milhares de quilômetros e pode facilmente voltar para o território americano. Países importantes desse grupo, como o México, já possuem programas para reduzir o uso de DDT, para os quais utilizam recursos da ajuda internacional. Pobreza também não é desculpa para a Índia, país que possui o maior número de PhDs do mundo. Os indianos estão pesquisando pesticidas eficazes contra a malária e menos nocivos ao meio ambiente.
Os técnicos de saúde argumentam que os benefícios do DDT superam muito as desvantagens. Eles tem dúvidas se haverá recursos suficientes para pesquisar outros meios de combater a malária. Também temem que as alternativas ao DDT também poderão apresentar problemas no futuro, pois ainda não foram suficientemente testadas. Uma vacina contra malária (a primeira contra um parasita humano) continua sendo uma promessa distante, para um futuro ainda incerto.
Os números são impressionantes. A malária mata quatro crianças por minuto. São entre 1,5 e 2,7 milhões de vidas que se perdem por ano, o que representa 5% de todas as mortes no mundo. Cerca de 40% da população mundial vive na área de risco. A Organização Mundial de Saúde calcula que o DDT já tenha salvo 50 milhões de vidas humanas.
"O argumento da saúde é o mais forte" afirmou um recente editorial da revista britânica The Economist. De fato. Mas será esta a verdadeira polêmica? Vejamos outros números, os dados de investimentos para a pesquisa da cura e prevenção da malária. Segundo um estudo da fundação britânica Wellcome, em 1996 os diversos governos e organismos internacionais destinavam US$ 84 milhões para esse fim. Isso significa que, para cada pessoa que morre de malária, são investidos US$ 42. Em contraste, para cada pessoa que morre de AIDS havia US$ 3,274 para pesquisa e, para cada um cuja morte é causada pela asma, US$ 789. Em outras palavras, uma morte de AIDS vale, para os governos e organismos internacionais, 78 mortes de malária. Mais de 80% das mortes de malária ocorrem na África.
Ninguém está propondo transferir recursos de uma doença para a outra. Precisamos de mais verbas para a pesquisa de todas. Mas é inegável que a cura da malária não está entre as prioridades. Segundo a fundação Wellcome, os recursos para pesquisa da doença vem declinando continuamente desde 1985, refletindo a retirada de tropas norte-americanas de bases em países tropicais. Ainda assim, o governo americano permanece sendo um dos principais financiadores das pesquisas contra malária, contribuindo com a metade do total mundial.
Assim como a AIDS, o número de casos de malária está crescendo. Em 1970 havia 700 milhões de pessoas vivendo em áreas onde a malária foi erradicada. Esse ganho foi praticamente perdido. Apenas na Índia os casos novos de malária passaram de 100 mil em 1960 para três milhões em 1996. Em 1989 a organização Mundial da Saúde classificou o combate à malária uma prioridade mundial, em função do recrudescimento da doença. Um apelo para que os países intensificassem seus esforços no combate à doença foi feito novamente em 1993.
O caso brasileiro é ilustrativo. Fora da África, o Brasil só perde para a Índia em termos de mortes por malária. Apesar de vários esforços e campanhas, e do uso do DDT (para várias doenças), os casos de malária aumentaram dez vezes desde 1970. Estima-se que meio milhão de brasileiros contraem malária todos os anos. Algumas das razões para o aumento são conhecidas: migração de garimpeiros e outros grupos, contato de indígenas com pessoas contaminadas, desmatamento e desenvolvimento desordenado.
Cada vez mais ambientalistas e técnicos de saúde descobrem que não é possível resolver um problema ignorando o outro. A aparente polêmica entre o uso de DDT e o controle da malária parece ser uma exceção, mas não é. O DDT está perdendo a guerra do combate da malária. Suas nefastas conseqüências ambientais são apenas uma das razões pelas quais os governos devem procurar outros caminhos de combater a doença.
As negociações para a convenção banindo os POPs serão retomadas em março na Alemanha O Brasil é o mais rico entre os países que ainda usam DDT e portanto tem uma responsabilidade maior em apoiar a pesquisa por soluções alternativas. Mas são necessários muitos recursos. Outros países precisam colaborar. Deles depende a solução para o problema da malária. O atual debate entre ambientalistas e técnicos de saúde apenas mostra que esse sério problema de saúde e meio ambiente requer mais atenção.