Recursos Hídricos

A polêmica da transposição do “Velho Chico”

12 de abril de 2004

De um lado, alagoanos, baianos e sergipanos, com um “padrinho” forte, o  senador Antônio Carlos Magalhães; de outro, cearenses, pernambucanos, potiguares e paraibanos, sustentados pelo Ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, senador pelo PMDB do Rio Grande do Norte, e discretamente apoiados pelo Vice-Presidente da República, o pernambucano Marco Maciel. No centro do debate, a… Ver artigo

De um lado, alagoanos, baianos e sergipanos, com um “padrinho” forte, o  senador Antônio Carlos Magalhães; de outro, cearenses, pernambucanos, potiguares e paraibanos, sustentados pelo Ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, senador pelo PMDB do Rio Grande do Norte, e discretamente apoiados pelo Vice-Presidente da República, o pernambucano Marco Maciel. No centro do debate, a transposição de parcela das águas do rio São Francisco para irrigar um  milhão de hectares de terras do semi-árido nordestino.
Aparentemente alheio à disputa, o Presidente Fernando Henrique Cardoso demonstra, na prática, que deseja a execução do projeto. Tanto que determinou ao Ministério do Planejamento e Gestão a inclusão, no Orçamento Geral da União para este ano, de dotação específica para dar o “start” ao projeto, cujo custo total está estimado em US$ 1,5 bilhão.


Uma velha idéia
Os primeiros estudos visando a transposição das águas do São Francisco datam da época do Imperador Dom João VI. Em 1847 o deputado cearense Marco Macedo defendeu a perenização do rio Jaguaribe com a utilização das águas do Velho Chico, mas a idéia foi sepultada por falta de disposição e de recursos do governo imperial.
Nos anos seguintes, a cada seca, a transposição voltava ao debate, até que em 1995 a Secretaria de Políticas Regionais elaborou um projeto que, depois de sucessivas alterações, fixou-se numa captação de 70 metros cúbicos por segundo. É para a elaboração técnica definitiva desse projeto, para deixá-lo em condições de implementação que o governo federal destinou recursos no orçamento deste ano.
Segundo o senador Renan Calheiros, um dos opositores do projeto, pelo menos 90% de toda a região do semi-árido se presta à captação de água subterrânea, que poderia ser obtida a custo bem mais reduzido. Além disso – alega Calheiros – os Estados que seriam beneficiados com a transposição – Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte – detêm, juntos, 94% das águas acumuladas no Nordeste.
E mais: garante Calheiros que a transposição de 70 metros cúbicos por segundo ou 1,15 bilhão de metros cúbicos de água por ano, representam apenas 5,5% da estocagem dos quatro Estados, que é cerca de 20 bilhões de metros cúbicos, água mais do que suficiente para perenizar os rios secos nordestinos e irrigar um milhão de hectares.
Outra opositora da transposição, a senadora Maria do Carmo, do PFL de Sergipe, ataca pelo lado da defesa do rio São Francisco, a segunda maior reserva de água doce do Brasil, responsável por 66% dos recursos hídricos do Nordeste.
A senadora diz que o Velho Chico já tem problemas graves como assoreamento, poluição química, irrigação desregrada, pesca predatória e barragens sem estudo de impacto ambiental. Ela sustenta a necessidade da busca de outras alternativas, e só admite a hipótese da transposição se o próprio São Francisco receber um reforço de água de outras bacias, com a do rio Tocantins, cujo projeto de transposição também existe no papel.


“O Velho Chico já tem problemas graves como assoreamento, poluição química, irrigação desregrada. A transposição só será possível se o próprio São Francisco receber reforço de água de outras bacias”


Sen. Maria do Carmo, do PFL-SE


Oceano avança
sobre o São Francisco
Para a senadora sergipana, antes de se buscar retirar água do São Francisco deve-se enfrentar o problema de desflorestamento de suas margens, o seu assoreamento permanente, que resulta no surgimento de ilhas de areia no meio do rio, a diminuição e até a extinção de diferentes tipos de peixe que constituem a sobrevivência de dezenas de milhares de pescadores.
Segundo Maria do Carmo, “as populações ribeirinhas de Alagoas e de Sergipe assistem, quase em pânico, ao avanço do Oceano Atlântico em direção ao rio, começando de sua foz e colocando em perigo iminente a salinização das suas águas, com conseqüências inimagináveis na inviabilização de projetos de irrigação.”
Carmo diz que à altura de Penedo, do lado alagoano, e em Neópolis, do lado sergipano, a uma distância de pouco mais de 40 quilômetros da foz, já se pescam peixes próprios dos oceanos, “para não falar da destruição de Cabeço, povoado de pescadores localizado na foz do rio, que teve todas as suas 150 casas, a igreja e demais edificações inteiramente destruídas pelo avanço das águas do oceano.
Para a senadora, a continuar o avanço da cunha salina, “dentro de pouco tempo estará sob risco a Adutora Sertaneja, que abastece de água 17 municípios do sertão sergipano.” Isso pode ocorrer – diz Carmo – porque a Chesf – Companhia Hidroelétrica do São Francisco – não está garantindo a vazão mínima de 2.060 metros cúbicos por segundo, estipulada nos vários acordos firmados entre ela e a Codevasf para vigorar no Baixo São Francisco.
Já em relação à vazão prevalecente a partir da hidroelétrica  de Xingó, diz a senadora que ela mantém a média de 1.800 metros cúbicos por segundo, “sendo comum atingir-se a 1.300 metros cúbicos por segundo, permitindo o avanço das águas do mar em direção ao rio São Francisco.”
Três vezes mais irrigação
Os opositores ao projeto de transposição dizem que há três grandes fontes de água que podem socorrer o São Francisco: o rio Tocantins, o rio Paraná e os afluentes do próprio rio São Francisco. As obras – reconhecem – são caras, mas não precisam ser feitas de uma só vez, mas concluídas poderiam acrescentar à vazão do rio um volume da ordem de mil metros cúbicos por segundo.
Com esse acréscimo, a capacidade de irrigação do São Francisco, que atualmente é de 800 mil hectares, poderia ser elevada a 2,4 milhões de hectares, com a criação de pelo menos cinco milhões de empregos diretos permanentes, sem contar com os recursos adicionais gerados pela pesca, pelo aumento da extensão navegável e pelo potencial turístico.
Num ponto, defensores e opositores do projeto de transposição estão de acordo: o erro foi confiar a uma empresa exclusivamente energética, no caso, a Chesf, o planejamento do uso econômico do São Francisco, o que ocorreu a partir da década de 50, com a criação da empresa.  Obviamente,  a Chesf privilegiou a utilização da água para fins de geração de energia, com a instalação das várias hidroelétricas, a partir de Paulo Afonso.