O Titanic e a Carta da Terra

19 de abril de 2004

“O céu é meu pai e a terra é minha mãe, e até uma criatura pequenina, como eu, encontra um aconchego em seu seio. Aquilo que se entende por todo o universo eu contemplo como meu corpo, e aquilo que governa o universo eu contemplo como a minha natureza. Toda a gente é meu irmão… Ver artigo

“O céu é meu pai e a terra é minha mãe, e até uma criatura pequenina, como eu, encontra um aconchego em seu seio. Aquilo que se entende por todo o universo eu contemplo como meu corpo, e aquilo que governa o universo eu contemplo como a minha natureza. Toda a gente é meu irmão e minha irmã. E todos os seres são meus companheiros.”
Chang-Tsai – século XI


O nosso modo de ver o mundo hoje em dia ainda pode ter o Titanic como símbolo. Somos arrogantes, prepotentes e crentes de que, montados em nossa tecnologia, vamos conseguir resolver os nossos problemas, até aqueles que nós mesmos criamos. Continuamos agindo de forma voraz, egoísta e usufruista, sem levar em consideração os limites da natureza, sem levar em consideração nossos próprios limites, sem uma ética de respeito à Terra e aos nossos semelhantes.
A Terra é a nossa embarcação. É o Titanic em que navegamos pelo Universo, todos juntos. Não foi construído por nós, mas fazemos parte dele. Permitir que ele submerja ou não é uma opção nossa, decorrente das nossas atitudes diárias, padrões de consumo e valores. O problema é que na verdade nessa nave imensa não tem bote salva-vidas para ninguém, o que faz com que uma mudança de rumo imediata seja absolutamente necessária, em nome da sobrevivência da nossa espécie, se chegarmos à conclusão de que vale a pena de fato salvar a nossa espécie. O sucesso do filme faz parecer que o grande público intuitivamente acredita que sim, e foi fazer essa catarse no cinema, vendo a simbólica morte de um velho modo de ver o mundo, que tem que vir acompanhada do nascimento de uma nova ética de relação com a natureza, que por sua vez precisa perpassar a sociedade planetária inteira, de cima a baixo, leste a oeste, norte a sul.
Essa nova ética já existe no coração de milhões de pessoas, e agora está sendo colocada no papel. Pessoas do mundo inteiro estão empenhadas na redação de um documento que vai nortear a ética de todos os povos em relação à Terra daqui para a frente. Um documento que vai ser chancelado pela ONU em 2002, e que vai ter a mesma importância da Declaração dos Direitos Humanos. Ele se chama CARTA DA TERRA.
Um breve histórico
Ela começou a existir a partir da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, que, em 1987, recomendou no seu informe “Nosso Futuro Comum” que se consolidassem os princípios pertinentes para guiar a transição do Estado na direção do desenvolvimento sustentável.
Em 1992, na Rio-92, o processo foi iniciado e se alcançou o consenso sobre a “Declaração de Princípios do Rio”.
Em 1997, na Rio+5, se formou uma comissão da Carta da Terra, com membros provenientes de todos os credos e regiões; um primeiro rascunho de referência foi proposto para consulta.
No começo de 1999, saiu o segundo rascunho de referência, que é a base para as discussões daqui para a frente.
Chegou-se ao consenso de que ela deve ser  uma declaração de princípios fundamentais, uma chamada à ação e uma carta aos Povos. Até o momento de sua chancela pela ONU em 2002, ela estará em constante aperfeiçoamento e divulgação, na intenção de que venha a se transformar o quanto antes em parte integrante da vivência dos povos.
Ela é coordenada mundialmente por um Comitê Diretivo composto por 9 membros, com o apoio da Comissão da Carta da Terra, composta por 20 pessoas de renome mundial, como Mikhail Gorbachev, Mercedes Sosa, Maurice Strong, Amadou Toumami Toure e Kamla Chowdry, cada um representando seu continente.
Mas na verdade, ela está sendo escrita por pessoas comuns do mundo inteiro. Por isso, todos os que têm afinidades com essa nova ética podem e devem participar da sua elaboração, que está acontecendo em vários estados do Brasil. Há grupos consolidados no Mato Grosso, Ceará, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, além de outros em formação em outros locais. Em Brasília, o grupo de discussão intitula-se Grupo do Abacateiro e reúne-se toda quinta-feira às 12h15 à sombra de um grande abacateiro ao lado da Escola da Natureza, no Parque da Cidade. Cada pessoa leva algo de comer e faz-se um agradável piquenique. Todos os interessados estão convidados a participar. É tempo de tirar nossa embarcação global da rota de colisão com o iceberg gigante que nós mesmos construímos. Titanic nunca mais.


Mais informações: CDS (Centro de Desenvolvimento Sustentável)
Tel: (61) 321-5001; (61)914-9432 (c/Rejane)
Coordenação  Mundial – Conselho da Terra (Costa Rica) Tel: 506-2561611
E-mail: [email protected]


* Sérgio Pamplona é eco-arquiteto.
* Rejane Pieratti é produtora, ambientalista.