José Lutzemberger

Dois anos sem Lutz

24 de maio de 2004

Os temas de críticas do Velho Lutz: a poda e o corte indiscriminado de árvores nas praças públicas, a campanha contra o uso de agrotóxicos, o despejo dos efluentes através do “emissário” nas águas do rio Guaíba, o uso do PIB como índice de desenvolvimento, a explosão demográfica concorrendo para a exaustão dos recursos naturais… Ver artigo

Os temas de críticas do Velho Lutz: a poda e o corte indiscriminado de árvores nas praças públicas, a campanha contra o uso de agrotóxicos, o despejo dos efluentes através do “emissário” nas águas do rio Guaíba, o uso do PIB como índice de desenvolvimento, a explosão demográfica concorrendo para a exaustão dos recursos naturais e a energia nuclear como fator de poluição e negócio.


É no contexto político, econômico e social da década de 1970 que um engenheiro agrônomo nascido em Porto Alegre fundaria, em meados de 1971, juntamente com outros ativistas, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, Agapan. José Antonio Lutzenberger, graduado pela Universidade Federal do RS, especializou-se em solos e agroquímica nos Estados Unidos. Em 1957, foi convidado a ingressar em uma indústria química suíça, depois de acompanhar um alto executivo da indústria como tradutor, em viagem pelo território brasileiro. Ocupou cargos de relevância na empresa, em países como Alemanha, Venezuela e Marrocos.
Em 1971, por discordância das atitudes da empresa no tocante ao emprego de defensivos agrícolas em áreas nas quais julgava desnecessário seu uso, demitiu-se e retornou a Porto Alegre. Havia tomado uma decisão: trabalhar pela causa ecológica, no combate ao desperdício dos recursos naturais e contra quaisquer atitudes de depredação da natureza.
Os temas mais significativos nas críticas de Lutz foram: a poda e o corte indiscriminado de árvores nas praças públicas e avenidas de Porto Alegre, a campanha contra o uso de agrotóxicos nas lavouras, o despejo dos efluentes através do “emissário” nas águas do rio Guaíba, a religião do progresso com crescimento constante e o uso do PIB como índice de desenvolvimento, a explosão demográfica concorrendo para a exaustão dos recursos naturais e a energia nuclear como fator de poluição e negócio lucrativo das grandes potências.
Em 1990, foi convocado pelo presidente Collor de Melo, por sugestão do ex-ministro e deputado federal Carlos Chiarelli, para assumir o cargo de secretário Especial do Meio Ambiente, mas não conseguiu resistir às controvérsias corriqueiras do ambiente político. Seu afastamento do cargo foi questão de tempo. Conta ele, em entrevista a Bones & Hasse, como foi exonerado após uma viagem com a comitiva presidencial à Áustria:


“Um dia estávamos Collor e eu no gabinete do primeiro-ministro da Áustria. Naquela época era o Branitski. Aí, o Collor, naquele inglês todo enrolado dele, fez aquele discurso comum dos terceiro-mundistas. Dizia ele:
— Nós somos um País pobre. Estamos precisando da ajuda de vocês, países ricos”.


Aí eu fiquei (sic) puto da vida, deixei eles falarem. Mas como ele sempre me dava a palavra depois, só olhei para trás para ver quem estava ali.(…) Aí eu falei em alemão, e disse para o primeiro-ministro:
— Olha, nós brasileiros temos um país incrivelmente rico. (…) O nosso território é de 8,5 milhões de km2, isto é, mais de 100 vezes maior que o de vocês. (…) A maior parte do Brasil, com exceção daqueles desertozinhos lá do Nordeste, têm doze meses de vegetação por ano. Nós temos um clima maravilhoso. Temos tudo quanto é recurso”.


 E o Collor só perguntando, não estava entendendo nada. E no fim eu disse:
— Mas nós somos um país muito pobre. Incrivelmente pobre. Não se imagina como nós somos pobres em político decente.


Aí na saída, Collor me perguntou:
— Lutz, por que o homem riu tanto?
Aí eu expliquei para ele o que tinha dito. O Collor deu uma risada amarela, e três semanas depois me mandou embora.”
Depois de se decepcionar com a experiência política vivida no governo Collor, refugiou-se em seu sítio distante alguns quilômetros da capital gaúcha, no município de Pântano Grande. Ali procurou dedicar-se ao seu último grande projeto: a Fundação Gaia, que ainda hoje preserva sua memória e seus ensinamentos. O principal objetivo era o apoio a agricultores interessados em desenvolver a agricultura ecológica.
Faleceu em 14 de maio de 2002, depois que várias crises de uma asma adquirida de maneira imprevisível, e que muitos creditam ao seu pouco cuidado com relação à saúde física, abreviaram sua vida.
Na produção literária era desorganizado, pois não possuía o hábito de reunir seus escritos para posterior publicação. Se atualmente existem obras suas publicadas, muito disso se deve a admiradores e colegas de militância que se preocuparam com a preservação de suas idéias; exceção feita ao “Fim do Futuro – Manifesto Ecológico Brasileiro” de 1976, com versão em espanhol pela Universidade de Los Andes na Venezuela em 1978.
Um dos grandes responsáveis pela memória do trabalho de Lutzenberger, da Agapan e do movimento ambientalista surgido no sul do Brasil é o professor Augusto Cunha Carneiro. O incansável tesoureiro da antiga Agapan e ex-integrante do Partido Comunista, guarda na histórica rua da República, no centro de Porto Alegre, um verdadeiro tesouro em forma de biblioteca. Ali estão preservadas as raízes do movimento ambientalista que maior número de militantes mobilizou no país, desde seus primórdios.
Ao visitarmos as publicações do pensamento de Lutzenberger, além do “Manifesto Ecológico”, podemos destacar ainda: “Gaia – o Planeta Vivo” e “Ecologia – do Jardim ao Poder”. Estas duas últimas são coletâneas de artigos publicados em vários periódicos durante a vida do autor e compiladas por amigos e simpatizantes como Augusto Carneiro e a jornalista Lílian Dreyer.
(*) Jairo Brasil é professor pós-graduado em História do Brasil Contemporâneo pela UPIS