Hidropirataria

Navios roubam água do rio Amazonas

26 de agosto de 2004

A foz do rio Amazonas vista pelo satélite Landsat 7 ETM+ (31/10/99). Um lugar de ninguém Evidente que é muito mais barato e muito melhor tratar a barrenta água do rio Amazonas do que dessanilizar água do mar. Até mesmo mais importante do que o custo é a qualidade da água doce tratada, dizem os… Ver artigo

A foz do rio Amazonas vista pelo satélite Landsat 7 ETM+ (31/10/99). Um lugar de ninguém


Evidente que é muito mais barato e muito melhor tratar a barrenta água do rio Amazonas do que dessanilizar água do mar. Até mesmo mais importante do que o custo é a qualidade da água doce tratada, dizem os técnicos.
O fato é que a defesa das águas brasileiras está na Constituição Federal, no artigo 20, que trata dos Bens da União. Em seu inciso III, a legislação determina que rios e quaisquer correntes de água no território nacional, inclusive o espaço do mar territorial, é pertencente à União. Isto é complementado pela Política Nacional de Recursos Hídricos, em seu artigo 1, no inciso II, que estabelece ser a água um recurso limitado, dotado de valor econômico. E ainda determina que o poder público seja o responsável pela licença para uso dos recursos hídricos, “como derivação ou captação de parcela de água”.
O gerente do Projeto Panamazônia, do INPE, o geólogo Paulo Roberto Martini, também tomou conhecimento deste caso de hidropirataria em conversa com técnicos de outros órgãos estatais. “Tem nos chegado diversas informações neste sentido, infelizmente sempre estão tirando irregularmente algo da Amazônia”, comentou o cientista, preocupado com o contrabando.
250 milhões/litros
Os cálculos preliminares mostram que cada navio tem se abastecido com 250 milhões de litros. A ingerência estrangeira nos recursos naturais da região amazônica tem aumentado muito nos últimos anos. Seja por ação de empresas multinacionais, pesquisadores estrangeiros autônomos ou pelas missões religiosas internacionais. Mesmo com o Sivam ainda não foi possível conter os contrabandos e a interferência externa dentro da região.
A hidropirataria também é conhecida dos pesquisadores da Petrobras e de órgãos públicos estaduais do Amazonas. A repercussão desta nova prática chegou, de maneira não oficial, ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas. “Uma mobilização até o local seria extremamente dispendiosa e temos que ter auxílio tanto de outros órgãos como da comunidade para coibirmos essa prática”, reafirmou Ivo Brasil.


Menor custo
A captação é feita pelos petroleiros na foz do rio ou já dentro do curso de água doce. Somente o local do desague do Amazonas no Oceano Atlântico tem 320 quilômetros de extensão e fica dentro do território do Amapá. Neste lugar, a profundidade média é em torno de 50 metros, o que suportaria o trânsito de um grande navio cargueiro. O contrabando é facilitado pela ausência de fiscalização na área.
Essa água, apesar de conter uma gama residual imensa e a maior parte de origem mineral, pode ser facilmente tratada. Para empresas engarrafadoras, tanto da Europa como do Oriente Médio, trabalhar com essa água mesmo no estado bruto representa uma grande economia.
O custo litro/tratado é muito inferior aos processos de dessalinizar águas subterrâneas ou oceânicas. Além de livrar-se das altas taxas de utilização das águas de superfície existentes nos rios europeus.
Os países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita, Kuwait e Israel só dispõem de água dessanilizada para seus abastecimentos. E a dissanilização é feita por osmose reversa,  extremamente caro. Na dessalinização é gasto US$ 1,50 por metro cúbico e US$ 0,80 com o mesmo volume de água doce tratada.
O diretor de operações da empresa Águas do Amazonas, o engenheiro Paulo Edgard Fiamenghi, trata as águas que abastecem Manaus por processos convencionais. E reconhece que esse procedimento seria de baixo custo para países árabes pela dificuldade em obter água potável. “Levar água doce para se tratar no processo convencional é muito mais barato que o tratamento por osmose reversa”, comenta.


Amazônia, cobiça sobre a grande reserva
A sobrevivência da biodiversidade mundial passa pela preservação da reserva amazônica


O avanço sobre as reservas hídricas do maior complexo ambiental do mundo, segundo os especialistas, pode ser o começo de um processo desastroso para a Amazônia. E isto surge num momento crítico, cujos esforços estão concentrados em reduzir a destruição da flora e da fauna, abrandando também a pressão internacional pela conservação dos ecossistemas locais.
Entretanto, no meio científico ninguém poderia supor que o manancial hídrico seria a próxima vítima da pirataria ambiental. Porém os pesquisadores brasileiros questionam o real interesse em se levar as águas amazônicas para outros continentes. O que suscita novamente o maior drama amazônico, o roubo de seus organismos vivos.
Para o professor do departamento de hidráulica e saneamento da Universidade Federal do Paraná, Ary Haro, o simples roubo de água doce está longe de ser vantajoso no aspecto econômico. “Como ainda é desconhecido, só podemos formular teorias e uma delas pode estar ligada ao contrabando de peixes ou mesmo de microorganismos”, observou.
Essa suposição também é tida como algo possível para Paulo Edgard Fiamenghi, pois o volume levado na hidropirataria seria pequeno. Um navio petroleiro armazenaria o equivalente a meio dia de água utilizada pela cidade de Manaus, de 1,5 milhão de habitantes. “Desconheço esse caso, mas podemos estar diante de outros interesses além de se levar apenas água doce”, comentou.


Saturação
Segundo o pesquisador do Inpe, a saturação dos recursos hídricos utilizáveis vem numa progressão mundial, e a Amazônia é considerada a grande reserva do planeta para os próximos mil anos. Pelos seus cálculos, 12% da água doce de superfície se encontra no território amazônico. “Essa é uma estimativa extremamente conservadora, há os que defendem 26% como o número mais preciso”, explicou.
Em todo o planeta, dois terços são ocupado por oceanos, mares e rios. Porém, somente 3% desse volume é de água doce. Um índice baixo, que se torna ainda menor se for excluído o porcentual encontrado no estado sólido, como nas geleiras polares e nos cumes das grandes cordilheiras. Contando ainda com as águas subterrâneas. Atualmente, na superfície do planeta, a água em estado líquido, representa menos de 1% deste total disponível.
A previsão é que num período entre 100 e 150 anos, as guerras sejam motivadas pela detenção dos recursos hídricos utilizáveis no consumo humano e em suas diversas atividades, com a agricultura. Muito disto se daria pela quebra dos regimes de chuvas, causada pelo aquecimento global. Isto alteraria profundamente o cenário hidrológico mundial, trazendo estiagem mais longas, menores índices pluviométricos, além do degelo das reservas polares e das neves permanentes.
Sob esse aspecto, a Amazônia se transforma num local estratégico. Muito devido às suas características particulares, como o fato de ser a maior bacia existente na Terra e deter a mais complexa rede hidrográfica do planeta, com mais de mil afluentes. Diante deste quadro, a conclusão é óbvia: a sobrevivência da biodiversidade mundial passa pela preservação desta reserva.
Há que se destacar que 63,88% das águas que formam o rio Amazonas se encontram dentro do limite brasileiro. Outro aspecto é a falta de monitoramento da foz do rio. A cobertura de nuvens em toda Amazônia é intensa e os satélites de sensoriamento remoto não conseguem obter imagens do local. Já os satélites de captação de imagens via radar, que conseguiriam furar o bloqueio das nuvens e detectar os navios, estão operando mais ao norte.
As águas amazônicas representam 68% de todo volume hídrico existente no Brasil. E sua importância para o futuro da humanidade é fundamental. Entre 1970 e 1995 a quantidade de água disponível para cada habitante do mundo caiu 37%, e atualmente cerca de 1,4 bilhão de pessoas não têm acesso a água limpa.


summary


Ships steal water from the Amazon River
Not just mahogany and plants are being smuggled.  Now they are also taking water


The Federal Police, the Brazilian Navy and now the National Water Agency are on the alert:  it is not just minerals, mahogany or the plants which are being smuggled out of the Brazilian Amazon.  Now they are taking water too.  The water from the Amazon River is more abundant and easier to use to fill the ballast tanks of the large oil tankers.  The Brazilian authorities have already been informed of this new type of piracy.  But the
 agencies responsible for investigating these events allege that according to the bureaucratic formalities a report must be filed to begin investigations. According to Ivo Brasil, director of the National Water Agency (ANA-Agência Nacional das Águas), the agency is already aware of the activity and the Brazilian government will take the
necessary measures. Although it is not known why, the Director of the ANA was categorical, “We are awaiting an official report so that we can take legal action against this undue misuse of the water from the Amazon River.”


It is obviously cheaper and easier to treat the muddy water from the Amazon River than to desalinate the ocean water.  According to technicians, what is most important of all is the cost and the quality of the treated fresh water.  The fact is that the defense of Brazilian water is protected by the Federal Constitution in article 20, which provides for Goods of the Union.  In item III, the legislation determines that the rivers and any streams of water within national territory including the territorial ocean belong to the Union.  This is complemented by Law 9.433/97, regarding the National Water Resources Policy.  The manager of the Panamazonic Project of the National Institute of Spatial Research (INPE-Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), geologist Paulo Roberto Martini, also became aware of this water piracy case and has discussed it with technicians from other state agencies.  “We have received a great deal of information in this regard; unfortunately someone is always taking something illegally from the Amazon,” commented the scientist concerned with this contraband. 


250 million liters per ship
The preliminary calculations show that each ship can take on supplies of 250 million liters.  Foreign interference in the natural resources of the Amazon region has increased significantly in the last few years, either by multinational companies, foreign researches conducting their own studies, or international religious missions.  Even with the Amazon Watch System (SIVAM-Sistema de Vigilância da Amazônia) in place it is still not possible to curb smuggling and outside interference in this region. 
Petrobras researchers and the Amazon State agencies are also aware of the water piracy.  The repercussion of this new practice has also unofficially come to the attention of the Amazon Environmental Protection Institute (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas).  “Mobilization to the location would be extremely costly and we need to have the help from other agencies as well as the community to halt this practice,” stated the Director of ANA, Ivo Brasil. 
The water is collected by the tankers at the mouth of the river or along the course of the fresh water.  The mouth of the Amazon on the Atlantic Ocean alone is 320 kilometers wide.  The average depth at this location is 50 meters, which can support the traffic of a large cargo ship.  The smuggling is aided by the fact that there is no inspection of the area.
This water, despite the fact that it contains a wide range of silt, which is largely mineral in origin can easily be treated.  For bottling companies in Europe as well as in the Middle East, working with this water even in its raw state represents an enormous savings.  The cost per liter of treated water is much less than the process of desalinating subterranean or ocean water.  It also sidesteps the high fees paid for the use of the existing surface waters, especially from European rivers. 
Desalination costs US$ 1.50 per cubic meter while  the same volume of treated fresh water costs US$ .80.  The encroachment of the water reserves of the largest environmental complex in the world, according to specialists, could spell the beginning of a disastrous process to the Amazon.